Há uma outra explosão, particularmente violenta e forte, na memória dos cidadãos de Beirute: aquela que, a 14 de fevereiro de 2005, matou o ex-primeiro-ministro Rafic Hariri, um homem que para muitos libaneses representava o futuro pacífico de um país que não tinha ultrapassado na altura, e ainda não abandonou agora, a polarização religiosa e política que a guerra civil (1975-1990) deixou como legado.
Na sexta-feira, a nação esperava finalmente saber a sentença dos homens suspeitos de terem desenhado o ataque bombista que matou Hariri e provocou uma cratera de 10 metros de diâmetro em frente ao Hotel St. George, no centro de Beirute, por onde o carro do governante passava na altura da detonação; mas a explosão no porto da capital libanesa esta terça-feira voltou a adiar a leitura do veredito.
Mais de mil quilos de TNT foram usados nessa explosão, até há pouco havia marcas da deflagração nos prédios próximos do hotel mas com a explosão que se deu no porto já não deve ser possível distinguir uns estragos dos outros
Hariri foi primeiro-ministro cinco vezes depois da guerra civil - o primeiro mandato começa em 1992. Multimilionário que fez fortuna na Arábia Saudita, no setor da construção, foi e ainda é um exemplo para os sunitas no Líbano. A sua morte mudou totalmente o país, deu início ao que hoje é descrito nos livros de história como “a Revolução dos Cedros”, um movimento popular que acabou por pressionar o exército sírio a sair do Líbano, de onde nunca se tinha retirado depois do fim da guerra civil.
A morte de Hariri provocou um grande impacto emocional no país mas não foi exatamente uma surpresa: muitas tinham sido já as ameaças - diretas, por telefone, por carta - para que ele parasse de insistir na retirada das tropas sírias.
Há até relatos, publicados no relatório da ONU sobre a morte de Hariri, de que o próprio Bashar al-Assad, presidente da Síria então e atualmente, o tenha ameaçado pessoalmente numa reunião em que Hariri acabou por se “convencer” que era melhor para o Líbano se o presidente pró-Síria, Emile Lahoud, ficasse mais tempo no cargo.
A nova emenda da Constituição foi mudada com o voto relutante de Hariri mas o ex-primeiro-ministro nunca deixou de expor os problemas da ocupação síria. Um dos seus ministros sobreviveu por pouco, em 2004, a um ataque muito parecido àquele que matou Hariri.
Depois dos protestos que se seguiram à morte do governante, a milícia do Hezbollah, convencionalmente apontada com os culpados pelo assassinato, viu o seu poder alargar-se com o desaparecimento do exército sírio - o setor do xiismo, antes ocupado pelos sírios, ficou nas mãos do Hezbollah. O movimento saiu das margens e evoluiu para se tornar uma força política importante no país, com domínio quase total do sul.
Saad Hariri, primeiro-ministro até ao início deste ano e filho de Rafic Hariri, lançou-se na política com o movimento 14 de março logo depois de o pai morrer, com o apoio do Ocidente e da Arábia Saudita. Os xiitas do Hezbollah formaram uma outra aliança, a 8 de Março. Quem vence as eleições é Hariri-filho mas as divisões entre libaneses apenas se consolidam depois das eleições.
Num primeiro momento, o Tribunal Especial para o Líbano, estabelecido em Haia em 2007 com o apoio das Nações Unidas, recebeu informação do procurador alemão Detlev Mehlis de que teriam sido os sírios a planear o ataque mas, depois de quatro generais libaneses que eram os pilares do domínio sírio, terem ficado quatro anos presos sem culpa formulada, Mehlis afastou-se e os homens foram libertados em 2009. Em 2011, o Tribunal nomeou quatro dirigentes do Hezbollah como os culpados do crime depois de terem tido acesso a várias conversas telefónicas entre eles nos dias que antecederam a explosão em que se discutia em detalhe a localização de Hariri a cada momento. São eles Salim Jamil Ayyash, Hassan Habib Merhi, Assad Hassan Sabra e Hussein Hassan Oneissi.
A leitura do veredito está marcada para 18 de agosto, mas os acusados não estão presentes. O que for dito pode transformar a grave crise económica que o Líbano atravessa numa crise política. O Hezbollah sempre negou qualquer envolvimento e considera que as chamadas não são suficientes como prova incontornável do envolvimento dos seus homens no assassinato.
Saad Hariri já disse várias vezes que não procura vingança e que vai respeitar, e pedir a todos os libaneses que gostavam do seu pai para respeitarem, o veredito do tribunal.