Mattia dirigiu-se a um hospital da cidade de Codogno, no norte de Itália, a 20 de fevereiro. O teste à Covid-19 deu positivo, e este gerente de 38 anos da Unilever tornou-se o primeiro paciente italiano do coronavírus. Esta segunda-feira, o conselheiro de assistência social da região da Lombardia, Giulio Gallera, anunciou que Mattia “começou a respirar autonomamente” e deixou os cuidados intensivos do hospital de Pavia onde ainda se encontra. Segundo o jornal “La Repubblica”, a sua mulher, grávida de oito meses, já regressou a casa.
Apesar da evolução favorável do primeiro paciente confirmado, Itália tornou-se em poucos dias o segundo país com o maior número de casos e mortos associados ao novo coronavírus em todo o mundo, depois da China. De acordo com os dados mais recentes, há 9.172 casos em Itália e 463 mortos. Na China continental, estão contabilizados até à data 80.754 casos e 3.136 mortos. A nível global, o número de casos ultrapassa os 113 mil, o de mortos os quatro mil e há quase 64 mil recuperações.
Quase um mês antes do início do surto já o Ministério italiano da Saúde havia criado um grupo de missão e suspendido todos os voos de e para a China, declarando um estado de emergência. Semanas antes de o teste a Mattia ter dado positivo, o hospital Luigi Sacco, em Milão, estudara três sequências genéticas diferentes encontradas na região da Lombardia, confirmando a Covid-19. Sendo assim, como se explica que o aumento do número de casos e de mortes tenha sido explosivo naquela que é de longe a situação mais grave na Europa?
“O hospital agiu como um multiplicador”
Uma pista apontada na imprensa italiana é que o vírus tenha chegado a Itália antes da proibição de viajar. “É possível que, quando a Covid-19 chegou ao país, ainda estivesse em incubação e que a infeção se tenha desenvolvido em alguém com sintomas ligeiros ou sem sintomas”, explicou o chefe do departamento de doenças infecciosas daquele hospital de Milão, Massimo Galli, ao jornal “Corriere della Sera”.
No final de dezembro, um número invulgar de casos de pneumonia acorreu ao hospital de Codogno, o mesmo a que Mattia se dirigiu em fevereiro, segundo relatou o chefe da unidade de emergência, Stefano Paglia, ao “La Repubblica”. Alguns destes pacientes poderão ter sido portadores do coronavírus, sendo tratados como se padecessem de uma doença típica do inverno.
O próprio hospital terá sido decisivo na propagação do vírus, devido à circulação contínua de pessoal médico e de pacientes todos os dias. “O hospital agiu como um multiplicador”, reconheceu Walter Ricciardi, membro do conselho executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS) e consultor do Ministério italiano da Saúde, em declarações à Al Jazeera.
Vírus poderá estar controlado na China
Vários especialistas atribuem o caos inicial à falta de um plano unificado de contingência em todas as regiões do país, que envolvesse hospitais públicos e privados. A tutela indica que a idade média das mortes por coronavírus é de 81,4 anos. De facto, os especialistas referem que o vírus é particularmente perigoso para os idosos e para pessoas com condições de saúde mais debilitadas.
Questionada pelo Expresso sobre o caso italiano, a consultora de comunicação da OMS Stephanie Brickman preferiu começar por fazer uma abordagem mais global. “Os casos de Covid-19 estão a aumentar devido a importações e a alguma propagação local. À medida que os contactos das pessoas infetadas são rastreados e cada vez mais pessoas são submetidas a testes, o número de casos aumenta. Quando uma pessoa morre de Covid-19, o momento da infeção ocorreu geralmente duas semanas antes, pelo que o aumento de mortes é infelizmente um sinal de evolução do surto”, sublinha.
Os últimos números divulgados na China e na Coreia do Sul parecem indicar que o vírus poderá estar controlado – ou em vias de o ser – no nordeste asiático, ainda que no primeiro caso, em fevereiro, já se tenha assistido a um crescimento explosivo no número de casos de um dia para o outro. Mas mesmo que essa tendência de contenção se confirme naquela região do globo, os casos na Europa e na América do Norte estão em rápida expansão.
“Os hábitos têm de ser alterados. Fiquem em casa”
Submetida às medidas mais restritivas desde a II Guerra Mundial, a totalidade da população italiana está em quarentena. Ao anunciar a extensão das medidas de uma mancha considerável do norte do país para todo o território, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, declarou que “toda a Itália será uma área protegida”. “Não há tempo. O contágio está a aumentar”, acrescentou. É o “bem de Itália” que está em jogo, afirmou ainda, decretando: “Os hábitos têm de ser alterados. Fiquem em casa.”
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já elogiou o que descreveu como “sacrifícios genuínos” dos italianos. Segundo o Governo, as medidas restritivas estarão em vigor até 3 de abril. O Executivo prometeu aumentar ainda mais os gastos numa “terapia de choque maciça” para compensar o impacto económico do coronavírus. Mas, através da sua ministra do Interior, Luciana Lamorgese, também advertiu: quem sair das “regiões de contenção” arrisca-se a uma pena de prisão de três meses e a uma multa até 206 euros.
“Há provas de que as medidas de contenção adotadas na China desaceleraram o surto. Será necessária uma série de intervenções para ajudar a abrandar a propagação, incluindo melhorias na higiene respiratória e das mãos e autoisolamento para aqueles que não estão bem e que apresentam doenças respiratórias agudas”, adverte Stephanie Brickman. “A OMS está sempre disponível para aconselhar mas, em última análise, os Estados-membros tomam decisões de acordo com as suas próprias situações e contextos culturais”, acrescenta.
Em protesto contra a suspensão das visitas, outra das medidas de propagação do vírus, seis presos de uma cadeia de Modena morreram, segundo informou esta segunda-feira o diretor-geral das prisões, Francesco Basentini. Os reclusos ocuparam toda a prisão – incluindo uma enfermaria, onde se apoderaram de vários fármacos, designadamente metadona – e atearam fogo a um bloco de celas. Dois deles morreram de overdose e um outro em resultado da inalação de fumo. A causa da morte dos outros três encontra-se sob investigação. O Ministério da Justiça anunciou que em várias outras prisões os reclusos amotinaram-se ao saberem da suspensão das visitas.
A responsável da OMS ouvida pelo Expresso deixa o aviso: “O que está a acontecer em Itália será uma importante experiência de aprendizagem para a Europa. Outros países poderão enfrentar situações semelhantes num futuro próximo.”