Internacional

Duas crianças desaparecidas, três mortes e um culto apocalíptico. Autoridades americanas tentam juntar as peças de um puzzle confuso

Joshua Vallow e Tylee Ryan, de sete e 17 anos, desapareceram há cerca de cinco meses, mais ou menos na mesma altura em que a mãe casou de novo com um homem cuja ex-mulher morrera recentemente e abandonou, com este, a cidade onde vivia com as crianças, no Idaho. As autoridades não acreditam que seja coincidência mas também ainda não conseguiram provar o contrário

O desaparecimento de duas crianças, de sete e 17 anos, já seria, de si, um acontecimento invulgar. Mas ainda o é mais o facto de a mãe de ambas ter-se casado novamente na mesma altura em que elas desapareceram e fugido do estado norte-americano do Idaho, onde a família vivia, para o Havai, quando as autoridades começaram a investigar o sucedido. Foi detida entretanto, mas continua sem revelar onde estão os filhos, embora a polícia acredite que ela saiba o que lhes aconteceu e onde se encontram.

O caso tem cinco meses, tantos quantos os que decorreram desde o desaparecimento de Joshua Vallow e da sua irmã, Tylee Ryan, embora só agora esteja a ser amplamente noticiado. A mãe, Lory Vallow, de 46 anos, foi detida na quinta-feira passada, em Princeville, no Havai, e acusada de dois crimes — um pelo abandono dos filhos e outro por ter, de acordo com um comunicado do procurador-geral do condado de Madison, no Idaho, citado pelo “Washington Post”, resistido às autoridades e obstruído a investigação de que é alvo. “Lory Vallow abandonou os seus dois filhos menores, atrasou as tentativas das autoridades para localizar as crianças e encorajou outros a fazê-lo”, lê-se no comunicado. Foi-lhe fixada uma fiança de cinco milhões de dólares (cerca de quatro milhões e meio de euros) de modo a poder sair da prisão e aguardar o julgamento em liberdade, valor que Lory Vallow e os seus advogados consideram injusto e estão a tentar diminuir junto das instâncias judiciais.

Além da fuga para o Havai depois do enigmático segundo casamento e do ainda mais enigmático, e preocupante, desaparecimento dos filhos, há outros acontecimentos que, para as autoridades, não são assunto arrumado. A morte da primeira mulher de Chad Daybell, o homem com quem Lory Vallow se casou recentemente, é um deles. Tammy, assim é o nome dela, morreu em outubro, apenas duas semanas antes do novo casamento. A certidão de óbito fala em “causas naturais”, mas a polícia duvida e até já ordenou que o corpo fosse exumado para uma nova autópsia. Mas há ainda outras mortes a pairar sobre a investigação ao desaparecimento das crianças — a do antigo marido de Lory Vallow, que foi assassinado pelo irmão da mulher em julho do ano passado, e a deste irmão, meses mais tarde, em dezembro.

A comunicação social tem juntado a tudo isto o facto de Lory Vallow ser membro de um culto com crença no apocalipse e acreditar, segundo um documento preenchido pelo ex-marido na altura do divórcio a que o “Washington Post” teve acesso, “ter sido enviada à Terra com a missão de preparar a população para a chegada, pela segunda vez, de Jesus Cristo”, e de Chad Daybell ter escrito vários livros dirigidos a membros da Igreja mórmon sobre o tema. Os dois participaram ainda em vários “podcasts distribuídos por uma empresa dedicada a preparar as pessoas para o fim do mundo”, empresa essa que entretanto demarcou-se do casal.

O desaparecimento de Tylee e Joshua

Foram os avós de uma das crianças que deram conta do desaparecimento de Joshua Vallow e da sua irmã, Tylee Ryan. Não conseguiam falar com o neto há muito tempo e pediram à polícia para ver se estava tudo bem. A polícia assim o fez e foi recebida por Lory Vallow em casa. A mulher disse que Joshua, o rapaz, se encontrava na casa de uns amigos do casal, no Arizona. Foi feita uma chamada para esses amigos que desmentiram, de imediato, a versão da mulher: o rapaz não estava em casa deles, nunca estivera, embora Lory lhes tivesse pedido para dizerem o contrário à polícia. Foi emitido um mandado de captura para a mãe mas quando a polícia se preparava para cumprir a ordem judicial percebeu que Lorry fugira de casa.

Em dezembro, a polícia de Rexburg, no Idaho, onde Lory Vallow e os filhos viviam, mostrou-se preocupada com as crianças, cujas vidas acredita “estarem em risco”. A uma pessoa próxima, Lory Vallow chegou a dizer que a filha tinha morrido. “É surpreendente como, em vez de colaborar com as autoridades para ajudar a localizar os filhos, Lory Vallow tenha escolhido sair do estado com o seu novo marido”, afirmou ainda a polícia nessa ocasião.

A mulher deveria ter-se apresentado diante das autoridades com os filhos até 31 de janeiro, assim determinava a ordem judicial que foi emitida no seguimento do caso, mas não o fez. Está atualmente detida num centro prisional na ilha de Kauai, no Havai. Deverá ser extraditada para o Idaho depois de ser ouvida em tribunal, em março.