Um manifestante foi atingido no peito esta terça-feira pela polícia de Hong Kong durante protestos no dia em que se assinala o 70.º aniversário da fundação da República Popular da China. De acordo com as autoridades, foram disparados dois tiros de aviso. Há registo de confrontos entre os manifestantes e a polícia, com o lançamento de gás lacrimogéneo e disparo de canhões de água.
“Os manifestantes em Hong Kong competem pelas manchetes internacionais com as celebrações cuidadosamente orquestradas na China continental.” A estratégia é assumida sem hesitações ao Expresso por Jeffrey Ngo, investigador-chefe do Demosisto, um grupo político de jovens que defendem a autodeterminação na região administrativa especial chinesa.
Falando a partir de Washington, DC, onde se encontra a fazer um doutoramento em História na Universidade de Georgetown, Ngo relata que “o nível de descontentamento entre os habitantes de Hong Kong permanece alto”. “E isso tem muito a ver com os problemas estruturais, a falta de representação do Governo e a brutalidade policial a que temos assistido nos últimos meses”, explica.
As autoridades de Hong Kong proibiram uma marcha em direção à representação do Governo central. Contudo, os manifestantes estão a levá-la a cabo, enquanto a polícia lança gás lacrimogéneo sobre eles e irrompem confrontos em vários bairros, conta o jornal “South China Morning Post”. Cerca de 20 estações de metro foram encerradas, bem como milhares de lojas e centros comerciais, temendo distúrbios provocados pelos protestos.
“A violência e os confrontos nunca são soluções”, diz chefe interino
“Para impedir que as pessoas saiam à rua em grande número, a polícia deixou de emitir autorizações – conhecidas como cartas de não objeção –, pelo que quem aparece nas ruas em manifestações que o Governo não autorizou arrisca-se a ser acusado de reunião ilegal”, lamenta o investigador ouvido pelo Expresso. “Por isso, as pessoas têm de escolher entre defenderem o seu direito ao protesto e à reunião e ficarem em casa para não enfrentarem consequências legais”, diz Ngo.
O secretário-chefe da Administração de Hong Kong, Matthew Cheung, apelou a um “recomeço” na região durante a cerimónia de boas-vindas do Dia Nacional. “A violência e os confrontos nunca são soluções para os problemas”, destacou.
Cheung preside às comemorações em Hong Kong em representação da chefe do Executivo, Carrie Lam, que decidiu assinalar a data em Pequim, uma decisão que Ngo classifica como “irresponsável”. “Os Governos de Hong Kong e da China continental falharam miseravelmente em atender às nossas aspirações democráticas. Os habitantes de Hong Kong continuam a lutar pela sobrevivência da nossa cidade, enquanto Lam foi a Pequim como se nada se passasse”, acusa.
“Vamos manter a estabilidade de longo prazo de Hong Kong”, promete Xi
Num discurso proferido na Praça Tiananmen em Pequim, onde Mao Tsé-Tung proclamou a República Popular da China a 1 de outubro de 1949, o Presidente chinês, Xi Jinping falou de Hong Kong, sublinhando que a China deve continuar “comprometida com a estratégia de reforço pacífico de ‘um país, dois sistemas’”, o enquadramento que governa aquele território semiautónomo. “Vamos manter a estabilidade de longo prazo de Hong Kong e Macau, o desenvolvimento de relações e continuar a lutar pela unificação completa do país”, prometeu.
Em 1997, a antiga colónia britânica foi transferida para a China e, tal como com o ex-território português de Macau dois anos mais tarde, foi acordado um período de meio século onde as regiões administrativas gozariam de um elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário. Segundo o modelo ‘um país, dois sistemas’, o Governo central chinês ficaria responsável pelas relações externas e pela defesa.
No entanto, um projeto de lei, que permitiria que suspeitos de alguns crimes fossem extraditados para serem julgados nos tribunais da China continental, tem levado milhares de pessoas às ruas de Hong Kong em protestos sem precedentes. O projeto de lei já foi retirado formalmente pela chefe do Executivo mas os manifestantes exigem que o Governo responda a outras reivindicações, incluindo a demissão de Lam e a consequente eleição por sufrágio universal para o seu cargo e para o Conselho Legislativo, o Parlamento de Hong Kong.
“É improvável que os protestos terminem, a menos que a liderança chinesa se mostre realmente disposta a responder às nossas exigências. Espero que isso venha a acontecer, em vez da repressão brutal, porque esta é prejudicial às posições de Hong Kong e da China no mundo”, adverte o investigador do Demosisto.