Internacional

Embaixador dos EUA “desapontado” com resposta do mundo islâmico à situação dos uigures na China

Washington já criticou Pequim pela sua atuação na província de Xinjiang. Os aliados mais próximos dos EUA no mundo muçulmano, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito, mantêm-se em silêncio. Sam Brownback, embaixador para a liberdade religiosa, aponta dois motivos: as ameaças de Pequim e as próprias violações daqueles países

A identidade, língua e religião dos uigures estão sob ameaça em Kashgar
Kevin Frayer/Getty Images

O embaixador dos EUA para a liberdade religiosa internacional, Sam Brownback, está “desapontado” com a resposta dos governos do mundo islâmico ao encarceramento em massa de mais de um milhão de uigures na China.

A Administração Trump já criticou duramente Pequim pela sua atuação na província de Xinjiang, na parte ocidental da China, onde mais de duas dezenas de mesquitas e santuários islâmicos foram destruídas desde 2016. Enquanto isso, os aliados mais próximos de Washington no mundo muçulmano, designadamente a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Egito se mantêm em silêncio, escreve esta terça-feira o jornal inglês “The Guardian”.

No início de março, a Organização de Cooperação Islâmica aprovou mesmo uma resolução a elogiar a China por “cuidar dos seus cidadãos muçulmanos”. O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, também já veio defender “o direito da China de realizar operações de antiterrorismo e contraterrorismo em nome da sua segurança nacional”.

“Não se recua perante alguém que faz isto”, mesmo com ameaças

Em entrevista ao “Guardian”, Brownback disse que Washington está em conversações com Riade sobre a sua resposta a Pequim mas não isolou os sauditas, argumentando tratar-se de um assunto que diz respeito a todo o mundo islâmico.

O antigo governador do estado norte-americano do Kansas aplaudiu a Turquia por ter adotado uma abordagem explícita e “vários países ocidentais que se manifestaram agressivamente” contra a perseguição chinesa dos uigures, um grupo étnico minoritário na China e predominantemente muçulmano.

“Estou desapontado que mais países islâmicos não se manifestem. Eu sei que os chineses os têm ameaçado mas não se recua perante alguém que faz isto”, lamentou Brownback. O responsável não especificou que tipo de ameaças Pequim teria feito mas, depois de o Ministério turco das Relações Exteriores ter descrito o encarceramento de uigures como “uma grande vergonha para a humanidade”, Pequim reduziu os laços diplomáticos com Ancara e alertou para possíveis danos nas relações económicas.

Outro motivo: o próprio histórico de violação de direitos religiosos

Sam Brownback sugeriu que um outro motivo para as reticências de alguns governos do mundo islâmico poderá ser a vulnerabilidade que sentem por causa do respetivo histórico no capítulo dos direitos religiosos.

No início de maio, o porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Geng Shuang, rejeitou as acusações dos EUA de que o Governo de Pequim opera “campos de concentração” na região de Xinjiang. Shuang instou Washington a “parar de interferir nos assuntos domésticos da China”.

O porta-voz reagia assim às denúncias feitas dias antes pelo secretário adjunto americano da Defesa para a Ásia e Pacífico, Randall Schriver, dizendo que as acusações “simplesmente não são verdadeiras” e sublinhando que os acampamentos em massa foram criados para “combater o terrorismo”.

“Algo semelhante a campo de concentração massivo”, diz a ONU

Em agosto do ano passado, membros do Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial sugeriram que Pequim “transformou a região autónoma dos uigures em algo que se assemelha a um campo de concentração massivo”. A China garante que os uigures gozam de plenos direitos, reconhecendo, no entanto, que “aqueles que foram iludidos pelo extremismo religioso são sujeitos a realojamento e reeducação”.

A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, entre outros grupos de defesa dos direitos humanos, apresentaram relatórios àquele comité da ONU, documentando alegações de prisões em massa em campos onde os presos são forçados a renunciar às suas tradições culturais e religiosas e a jurar lealdade ao Presidente da China, Xi Jinping. A prática já foi descrita por um antigo detido como “genocídio cultural”.

Centros de “formação vocacional gratuita”, segundo o governador de Xinjiang

O Congresso Mundial Uigure revelou que os detidos são mantidos indefinidamente sem acusação formal e obrigados a gritar slogans do Partido Comunista. Num relatório, este órgão diz ainda que os presos são mal alimentados e que os relatos de tortura são generalizados.

Numa rara e detalhada entrevista em outubro, o governador de Xinjiang, Shohrat Zakir, afirmou que os campos são centros onde os estudantes recebem “educação e formação vocacionais de acordo com a lei”. “O objetivo é fundamentalmente eliminar o meio social que gera o terrorismo e o extremismo religioso” e, assim, prevenir “as atividades terroristas antes que elas ocorram”, acrescentou.

O governador referiu também que os residentes dos centros aprendem mandarim “para aceitarem a ciência moderna e melhorarem a sua compreensão da história e da cultura chinesas”. Os alunos frequentam cursos de confeção de roupa e calçado, montagem de aparelhos eletrónicos, cabeleireiro e comércio eletrónico, entre outros, recebendo “formação vocacional gratuita”, concluiu.