Internacional

José Eduardo dos Santos contra-ataca

O anterior Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, fez esta quarta-feira “estalar o verniz” nas relações com o seu sucessor, João Lourenço, desmentindo ter deixado “os cofres vazios” quando deixou o poder

getty

A linha que separa “lourencistas” de “eduardistas” acentua-se cada vez mais, sobretudo depois das declarações feitas esta quarta-feira por José Eduardo dos Santos, que saiu da defensiva pela primeira vez desde que abandonou a presidência. O mote foi a entrevista dada ao Expresso por João Lourenço, que, em vésperas de iniciar a sua primeira visita oficial a Portugal, entre outras denúncias, acusou Eduardo dos Santos de ter deixado “os cofres vazios”.

“Apesar da redução do preço do petróleo, a economia estava sob o controlo. Não desvalorizámos a moeda, pagámos regularmente os salários dos funcionários públicos, mantivemos o poder de compra dos salários e com a produção nacional e produtos importados garantimos a cesta básica”, disse José Eduardo dos Santos à imprensa, que tinha convocado para a sede da sua fundação, a FESA, sob um grande aparato de segurança.

Visivelmente abatido, o ex-chefe de Estado socorreu-se do último Orçamento Geral de Estado para garantir ter deixado o Banco Nacional de Angola com Reservas Internacionais Líquidas avaliadas em mais de 15 mil milhões de dólares.

O antigo Presidente quis passar a bola para o governo liderado por João Lourenço, que, segundo Eduardo dos Santos, “não quis seguir” a sua proposta “e atrasou a aprovação do orçamento de 2018 até março, quando normalmente isso ocorre em janeiro”.

Ao declarar ter abandonado o poder com o país a viver uma “relativa estabilidade”, o antigo Presidente deixou claro que não pretende aceitar que lhe assaquem responsabilidades pela atual crise instalada em Angola.

Mas ao recusar, no final da sua declaração, responder a qualquer pergunta, José Eduardo dos Santos não deixou de ser acusado de omissão em relação a outros dossiers candentes que, aos olhos da opinião pública, o deixam numa situação embaraçosa.

A sucessão de declarações, revelações e reações está a dividir a sociedade e a ensombrar o clima político no seio do MPLA . A reação de José Eduardo dos Santos - que até agora se tinha mantido na defensiva - pode, segundo alguns observadores, abrir um novo capítulo na crise de sucessão em Angola

O antigo Presidente não esconde o seu agastamento pela forma como alega estar a ser tratado pelo seu sucessor e, por esta razão, recusou receber, há duas semanas, uma condecoração alusiva à passagem do 43º aniversário da independência.

“Não chega? Querem humilhar-me ainda mais?” – terá interrogado Eduardo dos Santos perante o emissário do Protocolo do Estado encarregado de lhe comunicar a decisão do governo de o homenagear.

Abandonado por antigos apoiantes, com o filho mais velho, Filomeno dos Santos, detido há mais de dois meses, e a filha Isabel dos Santos em guerra aberta com o Estado, o antigo Presidente viu a maioria dos curadores da sua fundação primar pela ausência na inauguração da nova sede da sua fundação.

Acusando João Lourenço de o ter traído, Eduardo dos Santos estende agora o azedume também ao grupo de veteranos do MPLA que forçaram a sua saída antecipada da vida política. “A culpa não é só dele (João Lourenço) mas também dos membros do bureau político, foram eles que me escorraçaram” – confidenciou em ambiente restrito.

APROVEITAR O POTENCIAL DE PORTUGAL

Apesar do ambiente interno estar a passar por momentos de efervescência política, a visita que, a partir desta quinta-feira, o Presidente João Lourenço efetua a Portugal não deixa de ser qualificada como uma oportunidade para “os portugueses ajudarem os angolanos a melhor perceberem os meandros da Europa”.

Defendida pelo economista Yuri Quixima, essa tese é corroborada por Galvão Branco, consultor da GB: “Portugal dispõe de condições vantajosas para satisfazer as nossas necessidades de consumo em vários domínios, por via do investimento direto em diferentes modelos de associação com operadores angolanos”.

Fernando Pacheco, analista do OPSA, entende que, chegada a hora de abandonar a velha retórica, Portugal, a par de outros países, deve ser visto como um parceiro que “interessa Angola do ponto de vista de valores como a democracia, o respeito pelos direitos humanos, a construção da cidadania, o respeito pelo ambiente, liberdade de imprensa e pelo equilíbrio do género”.

Para este engenheiro agrónomo, na cooperação com Portugal, Angola tem de ter também a capacidade para, ao nível da assistência técnica, fazer uma avaliação regular e rigorosa das valências profissionais e comportamentais dos expatriados. “Há que avançar para uma política de migração que permita a fixação de portugueses, no interesse de ambas as partes” – rematou Fernando Pacheco.

Já o economista Lago de Carvalho olha para a cooperação com Portugal com muitas reservas. “Estamos cansados de jogadores de casino, e por isso não espero que haja banqueiros e empresários sérios de Portugal a investir aqui. Por outro lado, temos de melhorar substancialmente o nosso ambiente de negócios”.