O mundo do trabalho evoluiu significativamente desde que Portugal aprovou e ratificou a Convenção n.º 181 da organização Internacional do Trabalho e adotou a Diretiva 2008/104/CE da União Europeia. Estes instrumentos visam a proteção dos trabalhadores, mas também reconhecem o papel que as agências de emprego privadas, nomeadamente as Empresas de Trabalho Temporário (ETT), desempenham no bom funcionamento do mercado laboral. No entanto, a nova Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, apresentada pelo Governo aos parceiros sociais no final de julho, tem uma direção inversa a este enquadramento legal internacional, pelo que não reúne consensos das entidades empregadoras.
A Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego e de Recursos Humanos (APESPE-RH) considera que as medidas a equacionar não devem perder de vista, como pressuposto, a relevância positiva das ETT e do Trabalho Temporário enquanto via para permitir a flexibilidade que as empresas utilizadoras carecem para fazer face às necessidades dos mercados em que são protagonistas, bem como para a criação do emprego, ao invés de imporem restrições à celebração dos contratos de utilização de Trabalho Temporário. Por outro lado, sublinha que deveria ser reconhecido às empresas de Trabalho Temporário um papel de agentes económicos que contribuem para o bom funcionamento do mercado de trabalho, criando emprego, proporcionando a conciliação da vida privada e profissional e contribuindo para a qualificação dos colaboradores.
5 PONTOS POSITIVOS DA AGENDA DE TRABALHO DIGNO…
O documento sobre o trabalho digno e valorização dos jovens no mercado de trabalho apresenta, do ponto de vista da APESPE-RH, um conjunto de aspetos potencialmente positivos, entre os quais se destacam:
1. Pretender regular e dar transparência ao funcionamento do setor e ser mais exigente com todos os seus operadores;
2. Desincentivar de modo transversal o recurso injustificado ao trabalho não permanente;
3. Regular as novas formas de trabalho associadas à economia digital;
4. Reforçar a proteção dos jovens no âmbito dos estágios profissionais;
5. Aumentar o rigor e as consequências de maior proteção do trabalhador no caso de ETT não licenciadas, por exemplo com a introdução de maior controlo e exigência nos requisitos de atribuição e manutenção das licenças das ETT.
… E 5 COM POTENCIAL IMPACTO NEGATIVO
Em contrapartida, várias das medidas contempladas no mesmo documento podem limitar e prejudicar a atividade das empresas de Trabalho Temporário e colocar em risco a subsistência do setor. Afonso Carvalho, presidente da APESPE-RH, aponta cinco:
1. A introdução de um número máximo de renovações (seis) aos contratos de trabalho temporário;
2. A aproximação das regras do trabalho temporário às do contrato de trabalho a termo;
3. O eventual estabelecimento de percentagens de trabalhadores com “vínculos mais estáveis” em empresas de Trabalho Temporário, algo que é potencialmente inconstitucional por não existir para as restantes empresas e por violar o Princípio da Iniciativa Privada e da Igualdade; 4. A alteração da intervenção da ACT para conversão de contratos a termo em contratos sem termo, que deve manter-se em exclusivo nos Tribunais do Trabalho;
5. O facto de o conceito de Empresas de Outsourcing não estar claro no documento e de não existir na lei, não devendo o mesmo confundir-se com “Trabalho Temporário”.
MEDIDAS PARA ENFRENTAR OS DESAFIOS DO MERCADO LABORAL
A APESPE-RH tem vindo a tecer algumas considerações sobre esta Agenda proposta pelo Executivo muitas delas críticas em relação ao caminho traçado no que diz respeito ao trabalho temporário, que acredita ser potencialmente prejudicial, embora também assuma concordância em alguns pontos. Considerações que estão resumidas no Dossier M7, entretanto apresentado às autoridades governamentais e parceiros sociais, e que elenca medidas que focam os atuais desafios do mercado de trabalho em Portugal. O reforço dos requisitos necessários à constituição e manutenção de licenças das empresas de trabalho temporário; a obrigatoriedade de demonstrar capacidade financeira para o exercício da atividade; a existência de um projeto e dos devidos meios para responder às responsabilidades por parte da empresa; a verificação dos sócios e beneficiários; e a implementação e revisão das regras para renovação e supervisão dos alvarás são, na perspetiva desta associação de empresas privadas, formas de ultrapassar os problemas que estão a afetar o mercado laboral.
O documento põe ainda em evidência a legislação de novas formas de trabalho, teletrabalho e trabalho em plataformas digitais, bem como o layoff ou o redeployment, temas que nesta fase pandémica e pós-pandémica ganham cada vez mais relevância. “Foi desenvolvido um trabalho importante no combate à precariedade e segmentação no setor e a própria associação deu um contributo ativo na elaboração de alguns pontos do Livro Verde. No entanto, sobre a Agenda do Trabalho Digno, é essencial rever e aprofundar a regulação do Trabalho Temporário”, reconhece o presidente da associação.
De acordo com este responsável, as iniciativas propostas no M7 são consideradas essenciais para credibilizar ainda mais os setores que a APESPE-RH representa, cujas medidas objetivas visam fortalecer a segurança económica e social de trabalhadores, empresas de Trabalho Temporário e empresas utilizadoras, acreditando que “o esforço governamental deve focar-se no reforço da capacidade inspetiva da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), na formação e na supervisão e sanções ao incumprimento da lei”, acrescenta.
OUTRAS RECOMENDAÇÕES DA APESPE-RH
O setor do Trabalho Temporário garante centenas de milhares de empregos e, em determinados momentos, terá sido bastante útil para apresentar baixas taxas de desemprego, contribuindo ainda para a integração de inúmeros trabalhadores, especialmente os jovens, no mercado laboral.
No entanto, e segundo Afonso Carvalho, o trabalho temporário “continua a ser alvo de uma visão estigmatizada e muitas vezes negativa, de forma que é tempo de o Governo passar a encarar as Agências Privadas de Emprego como agentes económicos que beneficiam o mercado de trabalho, contribuem para a redução do desemprego e para a formação e requalificação de milhares de trabalhadores, a quem possibilitam o regresso ou ingresso no mundo laboral”.
Para o presidente da APESPE-RH, a precariedade não decorre do tipo de vínculo, mas da fragilidade do mercado, por isso, “o caminho deve ser no sentido de incentivar todas as formas de contratação que estão perfeitamente reguladas e ao serviço de quem cria emprego, de acordo com as necessidades de um mundo do trabalho que também mudou com a pandemia”.
Assim, mais do que um aumento de limitações ou proibições, a associação considera que o grande impulso a um trabalho digno passará por incentivar a contratação sem termo, não afetando a livre iniciativa e outras formas de organização do trabalho, através do reforço dos incentivos à manutenção de contratos sem termo (e não a proibição de contratos a termo ou temporários) podendo esses incentivos assumir a forma de redução da Taxa Social Única a cargo das empresas, sendo essa redução tão mais acentuada quanto maior for a percentagem de contratos de trabalho sem termo e/ou pela redução do impostos a pagar pelas empresas, sendo essa redução progressivamente crescente tendo em conta a percentagem de contratos de trabalho sem termo. Também o reforço das possibilidades de as empresas poderem, de forma expedita e com custos controlados, adequarem os recursos humanos às efetivas necessidades de trabalho, e das medidas de apoio à contratação sem termo pós-estágios profissionais, poderão incentivar o trabalho digno.
Outros aspetos a considerar na nova Agenda com impacto na política de gestão de recursos das empresas dizem respeito aos colaboradores com filhos pequenos. No caso das licenças de parentalidade, o alargamento das atuais situações previstas na lei em matéria de licenças parentais a tempo parcial ou de trabalho a tempo parcial tem, segundo a APESPE-RH, de ser acompanhado de medidas legais que condicionem o exercício de tais direitos à sua compatibilidade com a organização do empregador. Já no que concerne ao teletrabalho obrigatório sempre que pretendido pelo trabalhador (se possível pela função) se for progenitor de criança até aos 8 anos de idade, a este respeito importa incluir alguns critérios que permitam uma aplicação mais objetiva do conceito “quando compatível com as funções”, nomeadamente prevendo que a aferição de tal critério terá que ser relacionado com o modo de organização do empregador e os meios, nomeadamente em termos das tecnologias (TIC) disponíveis na empresa, bem como uma cláusula geral que dispense o empregador de ter de aceitar o exercício da prestação laboral em regime de teletrabalho sempre que daí decorra qualquer aumento de custos.
“O trabalho temporário continua a ser alvo de uma visão estigmatizada e muitas vezes negativa, de forma que é tempo de o Governo passar a encarar as Agências Privadas de Emprego como agentes económicos que beneficiam o mercado de trabalho, contribuem para a redução do desemprego e para a formação e requalificação de milhares de trabalhadores, a quem possibilitam o regresso ou ingresso no mundo laboral.”
Afonso Carvalho, presidente da APESPE-RH