Há dois mapas do poder local em Portugal: aquele que inclui os municípios urbanos e o que desenha as fronteiras dos não urbanos. A forma como os cidadãos olham para as instituições políticas, para os organismos de decisão e para a eficácia da governação é diferente nestas duas realidades, aponta o recente Barómetro do Poder Local.
O documento, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e ao qual o Expresso se associou como media partner, recupera o debate sobre a importância da política de proximidade e da transferência de competências do Estado central para as autarquias. Os autores escrevem que existe “uma abertura generalizada dos cidadãos à redistribuição de competências e à autonomia de decisão de entidades mais próximas do território” para que seja possível “formular políticas públicas adaptadas aos diferentes contextos” locais.
Mais de dois terços dos inquiridos (62%) rejeita a centralização de decisões políticas e pede por investimentos e serviços públicos “adaptados às necessidades específicas de cada região”. “Continuamos a ser um país fundamentalmente centralizado em vários aspetos também do ponto de vista político”, reconhece Filipe Teles, coordenador do barómetro e pró-reitor da Universidade de Aveiro. Para o especialista, os dados mostram que é útil retomar a discussão pública sobre descentralização – uma ideia partilhada pela presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro.
“Temos de aprofundar o processo de transferência de competências”, aponta, lembrando que são os autarcas que, “sobretudo nos momentos mais críticos”, estão presentes. “Verificámos isso na situação dos incêndios”, sublinha a também presidente da Câmara Municipal de Matosinhos.
A proximidade aos organismos de decisão e a satisfação com a democracia local é outro ponto analisado pelo barómetro e, também aqui, os resultados desenham uma fronteira entre a realidade urbana e não urbana. Segundo os dados, 41% dos munícipes não urbanos estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a democracia local, um número que desce para 35% nas zonas urbanas. Enquanto os primeiros mostram maior confiança nas instituições do poder local, os segundos colocam a Assembleia da República e o sistema judicial à frente das autarquias.
"As pessoas avaliam a prestação que o seu autarca tem e não consideram tanto a perspetiva ideológica, independentemente de ser ou não do partido em que habitualmente votam nas eleições legislativas. A população avalia sobretudo se resolveu o seu problema, se a sua comunidade evoluiu, se o seu conselho está melhor, se apresenta melhores condições para o futuro", destaca Luísa Salgueiro
Para Filipe Teles, estes números mostram que “territórios diferentes” precisam de “repostas diferentes do ponto de vista da administração”, mas também deixam clara a importância da comunicação política e noticiosa. Se nos meios urbanos, a maioria dos inquiridos mostra ter mais informação sobre questões nacionais – sobretudo através dos meios digitais e meios de comunicação de âmbito nacional -, nos não urbanos a informação local, através de jornais e outros meios regionais, tem mais preponderância.
Motivações para o voto eleitoral
Com as próximas autárquicas a aproximarem-se, e num país marcado pela abstenção eleitoral histórica, importa também perceber o que leva os cidadãos a depositar a decisão nas urnas. De acordo com o barómetro da FFMS, 53% das pessoas auscultadas consideram que as eleições para a câmara municipal têm impacto nas suas vidas – aqui, uma vez mais, há diferenças entre municípios urbanos e não urbanos. Nos primeiros, a importância das eleições reúne 79% de concordância, enquanto nos segundos não vai além dos 69%.
“Possivelmente, estes dados refletem um certo ceticismo quanto à eficácia das políticas municipais em territórios de baixa densidade - onde os cidadãos podem sentir que, apesar da proximidade, as decisões mais relevantes para as suas vidas continuam a ser tomadas noutros níveis de governação — ou a ideia de que os recursos das câmaras municipais são insuficientes para produzir mudanças significativas”, apontam os autores.
Quando a questão é o que determina o voto nas eleições autárquicas, quase 60% dos participantes no barómetro apontam o desempenho da câmara municipal e o candidato a presidente como principais fatores. Curiosamente, em terceiro lugar surge o estado do país, seguido das propostas políticas dos candidatos. No final, com menor influência na tomada de decisão, está a importância do partido com que os eleitores mais se identificam.
Nas características pessoais mais relevantes dos candidatos surgem, porém, a integridade (27,1%) e a orientação ideológica (23,7%), ainda que, mais uma vez, a filiação partidária surja em último lugar (9,7%). “Os dados reforçam a ideia de que a personalização da política local é mais importante do que o peso das siglas partidárias”, conclui-se no barómetro.
As evidências reunidas neste estudo mostram, por um lado, que “a democracia local funciona bem enquanto sistema de representação”, mas que, por outro, “continua frágil no que toca à promoção de práticas inclusivas e ao envolvimento ativo dos cidadãos”.
Para os autores, torna-se claro que a melhoria da qualidade da democracia local depende sobretudo de “reforçar não apenas a sua legitimidade formal, mas também a sua capacidade de responder às expectativas e necessidades da população”. A menos de um mês para as eleições autárquicas de 12 de outubro, falta perceber se os 69% de eleitores que garantem, com toda a certeza, que vão votar, irão mesmo marcar presença nas urnas.
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