Barómetros

A corrupção mantém-se e “pouco ou nada tem sido feito”

Perceção. Aos olhos dos portugueses a corrupção está generalizada, mesmo sem dados que a comprovem. Peritos pedem mais transparência e reforma na Justiça

Corrupção e incompetência são duas das palavras que, estudo após estudo, são atribuídas a Portugal. O Barómetro da Corrupção, produzido pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), mostra que nove em cada dez portugueses consideram que a corrupção é um problema grave no país. E, mais do que agudo, é generalizado. O documento aponta que o futebol lidera as esferas sociais consideradas mais expostas à corrupção, logo seguido pelos partidos políticos, pelas autarquias e pelo Governo. A justiça não escapa e merece, segundo os inquiridos, um risco de 6,5 em 10 pontos possíveis.

“Um dos mais importantes resultados é, de facto, o problema reputacional que a política tem. Os atores políticos têm de fazer uma reflexão sobre estes resultados”, considera Susana Coroado, investigadora do ICS-UL e coordenadora do estudo. Esta perceção de corrupção no país “impressiona” o antigo ministro da Justiça, Fernando Negrão, não pelos números, “mas pela repetição contínua das conclusões. Isto quer dizer que a situação relativamente à corrupção mantém-se e pouco ou nada tem sido feito no que diz respeito à prevenção e à repressão”, lamenta.

Susana Coroado assinala que “os índices de preocupação com a corrupção em Portugal são dos mais altos da Europa”, a par com Grécia, Espanha, Chipre ou Roménia. Aliás, o Índice da Perceção da Corrupção 2023, da associação Transparência Internacional, coloca o país na 34ª posição em 180 nações, embora com a pontuação mais baixa desde 2012.

Democracia sai penalizada

Não é fácil fazer uma comparação direta entre a perceção da corrupção e os casos em que ela, de facto, acontece. “Uma das razões é que simplesmente não temos dados disponíveis”, justifica Luís de Sousa, investigador do ICS-UL e um dos coordenadores do barómetro. O especialista aponta a falta de transparência nas entidades públicas como um obstáculo a uma análise fidedigna da realidade nacional, ainda que, ao longo dos anos, o acesso à informação sobre contratação pública tenha vindo a aumentar.

Por outro lado, a existência de casos mediáticos de corrupção no futebol, na política e na justiça adensam a desconfiança da sociedade sobre a integridade destas instituições. A Operação Marquês, com José Sócrates e Ricardo Salgado como protagonistas, ou o caso que envolve o antigo presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, são exemplos paradigmáticos — não só são processos demorados, como, em muitas ocasiões, mostram a dificuldade da justiça em provar atos de corrupção. A definição legal é difícil de provar, mas também de condenar.

“Sou sempre interpelado quando há um caso público e alguém que é condenado, algumas vezes com penas de 10, 15 anos, e que vai para casa porque recorreu. Temos de ponderar o efeito psicológico disto nas pessoas”, sublinha Fernando Negrão. Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, foi condenado a dez anos de prisão efetiva em junho por dois atos de corrupção passiva. No entanto, a pena continua por cumprir enquanto corre o prazo para recurso. O mesmo acontece com Ricardo Salgado.

No barómetro divulgado pela FFMS, mais de metade dos inquiridos (51,6%) considera que o combate à corrupção é “nada eficaz” e reparte responsabilidades pelos poderes político (40%), judicial (25%) e da sociedade (31%). Para Margarida Mano, presidente da Transparência Internacional Portugal, o facto de os portugueses acreditarem que “os políticos procuram a política para ter benefícios” e considerarem que dois em cada três responsáveis são corruptos, é “muito preocupante” e descredibiliza a democracia.

Existe solução?

Mais transparência nas instituições públicas, maior acesso a dados e uma regulamentação forte da corrupção são soluções apontadas pelos especialistas ouvidos pelo Expresso. Margarida Mano confirma que a associação que representa tem sido auscultada para a nova estratégia nacional anticorrupção e confirma que está em processo de criação um observatório para a monitorização das promessas eleitorais, nomeadamente nesta área.

Fernando Negrão olha para a reforma na justiça como um elemento crucial, embora considere que, no atual contexto político, “os partidos não estão em condições de o fazer”. “Precisamos de caminhos processuais mais simples e, para isso, da boa vontade de todos os intervenientes, designadamente no que diz respeito aos recursos”, acrescenta.

Recorde-se que o Executivo liderado por Luís Montenegro apresentou, em junho, mais de 30 medidas anticorrupção, entre elas o compromisso de avançar com a regulamentação do lobbying. Para Luís de Sousa, essa não será a bala de prata, mas, assegura, a transparência é essencial e não depende da legislação. “Qualquer partido no exercício de funções pode e deve ser transparente nas relações que tem com atores da esfera económica”, conclui.

OUTRAS CONCLUSÕES DO BARÓMETRO

O que é corrupção?

Interpretação O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) sublinha a dificuldade da sociedade em definir o conceito de corrupção e identifica, entre os inquiridos, quatro perfis — os intransigentes (34%), falsos moralistas (32%), virtuosos (27%) e pragmáticos (7%). “Este resultado demonstra que as pessoas não entendem a corrupção — nem a dicotomia legalidade/ética versus resultados - da mesma forma”, lê-se no relatório.

Fontes que influenciam

Media O Barómetro da Corrupção aponta que, em média, as pessoas que recorrem a fontes de informação informais (família, amigos e conversas sociais) são menos negativas, seguidas das que recorrem aos meios tradicionais (imprensa, rádio e televisão). Já os mais pessimistas recorrem às novas fontes de informação (redes sociais, podcasts e outros).

Jovens insatisfeitos

Desconfiança Apesar de, globalmente, os inquiridos do estudo da FFMS estarem satisfeitos com o tratamento mediático da corrupção, a faixa 18-34 anos está maioritariamente insatisfeita (38,6% vs 36%). Luta pelas audiências e por lucros, bem como o sensacionalismo, são as principais razões apontadas no relatório.