Para a maioria dos inquiridos no Barómetro da Corrupção, apresentado esta segunda-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), traça um retrato negro do país: a população considera que a política atrai corruptos, que o combate ao fenómeno é “nada eficaz” e atribui responsabilidades aos decisores públicos. “Qualquer partido que está no exercício de funções pode e deve ser transparente relativamente às relações que têm com atores da esfera económica”, aponta Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e um dos coordenadores do barómetro.
Segundo o relatório hoje divulgado, 51,6% dos inquiridos considera que o combate à corrupção é ineficaz e resulta, sobretudo, da incapacidade do poder político (40%), seguido da sociedade (31%) e do poder judicial (25%). Quando são questionadas as razões da ineficácia da justiça, os participantes identificam a complexidade dos megaprocessos (71,9%), as demasiadas opções de recurso (43,4%) e a dificuldade em provar atos de corrupção (28,5%).
“Por outras palavras, na ótica dos inquiridos, o fraco desempenho da justiça no combate à corrupção não deriva necessariamente de problemas sistémicos”, como a falta de meios ou ausência de rigor do Ministério Público na acusação, mas antes com “razões de natureza procedimental”, escrevem os autores do estudo.
13%
é a percentagem de inquiridos que acredita que o combate à corrupção em Portugal é “totalmente eficaz”. Pelo contrário, 51,6% diz que este trabalho é “nada eficaz”
Porém, mais do que o impacto negativo na perceção que os cidadãos têm sobre a existência de corrupção, estes dados levantam preocupação pela forma como influenciam o voto em época de eleições. “Sabemos que partidos que fazem do combate à corrupção o seu cavalo de batalha para mobilizar o eleitorado têm sido bem-sucedidos”, assinala Luís de Sousa, em referência ao Chega.
“Claro que uma pessoa mais informada, que escrutina o programa desse partido em particular, escrutina as medidas que lá são enunciadas e vê depois o trabalho legislativo, vê logo a consistência de algumas dessas medidas”, continua, lembrando que muitas delas “não são constitucionalmente possíveis” ou até que “violam outros princípios”. Mas isto significa também que, de forma geral, os partidos não estão a fazer o suficiente para mudar a perceção. “Há aqui um problema reputacional que não vai lá só com pacotes de transparência e a criação de novas entidades. Tem de haver um compromisso político credível”, insiste Luís de Sousa.
Cultura de corrupção está entranhada
Uma das principais conclusões do Barómetro da Corrupção é de que os atos ilícitos, de favorecimento ou influência nem sempre merecem censura por parte da população. “Este estudo vem mostrar que, sim, as pessoas são intolerantes [ao fenómeno], mas depende daquilo que consideram corrupção”, explica Susana Coroado, investigadora do ICS e coordenadora do relatório. Em causa estão situações de cunha ou atos que, ainda que com algum grau de ilicitude ou de imoralidade, têm benefício para a comunidade.
26%
corresponde à percentagem de inquiridos que atribui responsabilidades sobre a ineficácia no combate à corrupção à sociedade, seguido de 25,5% que culpa o governo e, em terceiro lugar, os tribunais (15,8%)
“Em média, os inquiridos concordam que, em Portugal, se quisermos subir na vida, é importante conhecer as pessoas certas e, em menor medida, que só se fazem bons negócios se tivermos ligações políticas”, escrevem os autores.
Por outro lado, a corrupção é frequentemente vista como algo quase inevitável. O barómetro mostra que a maioria dos inquiridos considera que a política só atrai pessoas que procuram obter benefícios particulares às custas do bem comum e que até as pessoas honestas se deixam corromper quando ocupam um cargo de poder. “Estes dados sugerem que há um problema reputacional da política que precisa de ser acautelado pelas instituições políticas”, conclui o estudo.
Entre a democracia e o autoritarismo
O barómetro da FFMS questionou ainda os participantes sobre a vulnerabilidade que diferentes regimes políticos têm à corrupção, nomeadamente as democracias, as autocracias e as tecnocracias. Para os inquiridos, as autocracias são mais vulneráveis ao fenómeno (5,8 pontos numa escala de 0 a 10), seguidas das democracias (5,6) e das tecnocracias (5,4). “O que a literatura nos diz é que as democracias bem-sucedidas apresentam níveis mais baixos de corrupção do que os regimes híbridos e em transição”, realçam os autores do relatório.
Porém, Susana Coroado prefere olhar a questão pelo copo meio cheio. “As pessoas acham que um líder que não tenha de se preocupar com eleições ou com escrutínio é mais propenso à corrupção do que uma democracia. E isso é positivo”, assinala. “Os atores políticos têm de fazer uma reflexão sobre estes resultados, porque independentemente de ser verdade ou não, é isso que as pessoas sentem”, diz.
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