5 Décadas de Democracia

Europa está a reindustrializar-se. Que papel pode ter Portugal?

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Até final do mês, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. O último é a Europa, a sua relação com Portugal e como o país pode afirmar-se no contexto comunitário

D.R.

OS FACTOS

Após décadas de aprofundamento da globalização, a tendência inverteu-se. Foi a 10 de março de 2020 que a Comissão Europeia definiu as bases para uma estratégia industrial na União Europeia, articulada com as transições digital e sustentável. Meses mais tarde, em julho, Portugal apresentava também o Plano de Recuperação Económica 2020-2030 produzido pelo então consultor do Governo, António Costa Silva, que viria a ser nomeado ministro da Economia.

Este documento estratégico respondia também às consequências da pandemia de covid-19, que vieram reforçar a importância de reindustrializar o velho continente, e previa 10 eixos de atuação para a economia nacional.

Com a pandemia como pano de fundo, a atividade económica na Europa ressentiu-se. Segundo dados da Comissão Europeia, 60% das pequenas e médias empresas viram diminuído o seu volume de negócios, enquanto se assistiu, nesse mesmo ano, a uma retração não apenas do comércio interno na UE, mas também no comércio internacional.

Os Estados-membros estão excessivamente dependentes de países terceiros para o abastecimento de matérias-primas essenciais, ingredientes farmacêuticos, semicondutores e baterias de lítio. A dependência é clara quando se analisam os números: 80% das importações de princípios ativos farmacêuticos têm origem na China, EUA, Reino Unido, Indonésia e Índia.

€737 milhões

é o montante previsto no Plano de Recuperação e Resiliência para a descarbonização da indústria portuguesa

COMO CHEGÁMOS AQUI

Para Henrique Burnay, professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, parece evidente que “a globalização, como a conhecemos entre os anos 90 e 2020, acabou”. Se a covid-19 tornou evidente a dependência externa ao nível da produção de medicamentos e de material de proteção individual, como as máscaras, o estalar da guerra na Ucrânia intensificou a urgência da estratégia para reindustrializar a UE.

A crise dos semicondutores e das cablagens automóveis, cuja produção foi afetada pelo conflito armado, provocaram atrasos profundos na entrega de novos veículos, subida do custo do fabrico e até do transporte. Mas o que quer, então, a UE produzir internamente? Henrique Burnay explica que será aquilo que, em cada momento, “pareça que será essencial que não se faça na China onde quase tudo se faz”.

“Um dia são máscaras e medicamentos, noutro são painéis solares, noutro são carros elétricos. Tudo isto, porém, tem novas dependências, nomeadamente de matérias-primas críticas para coisas tão essenciais como as baterias". Aliás, os dados da Comissão Europeia confirmam isso mesmo: 84% dos materiais transformados e componentes têm origem na Ásia, enquanto apenas 8% a 9% estão na UE.

Por outro lado, o crescente protecionismo nos Estados Unidos reforça a importância de robustecer a indústria europeia para que o bloco político não perca competitividade internacional. “Não vai deixar de haver comércio internacional e global, mas vai ser outra coisa”, aponta o especialista em assuntos europeus, que explica que haverá “mais produção interna, mais produção em países próximos – geográfica ou politicamente – e acordos comerciais diferentes”.

“A história mostra que a aposta nos recursos endógenos e na economia produtiva é crucial para o sucesso dos países e Portugal tem recursos que são essenciais para a transição energética e para a evolução futura das sociedades”, defendeu António Costa Silva no Plano de Recuperação Económica 2020-2030

PARA ONDE CAMINHAMOS

O futuro é cada vez mais incerto. Nos últimos quatro anos, a Europa enfrentou uma crise pandémica prolongada no tempo, uma guerra na Ucrânia e um alarme inflacionista que têm complicado as contas dos diferentes governos. Mas a aposta é clara: tornar a UE mais verde, mais industrial e, sobretudo, mais independente.

Portugal pode ter aqui um papel crucial, já que as suas características naturais – como o vento ou sol – permitem ao país desenvolver a sua capacidade de produção de energias renováveis e, com isso, tornar-se mais competitivo na atração de indústria. Em especial, indústria pesada que exige um elevado consumo energético. Sofia Simões, investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), assinala que “não somos bons só no futebol, também somos campeões na eletricidade renovável e no integrar da energia solar e eólica no sistema”. “Diria que somos dos melhores da Europa no que diz respeito à eletricidade renovável ou mesmo do mundo”, reforça a especialista.

A opinião é partilhada por António Costa Silva, que no Plano de Recuperação Económica 2020-2030 diz que Portugal tem “potencial para alcançar a total descarbonização do Sistema Elétrico Nacional”, uma conquista “fundamental para o posicionamento na produção de hidrogénio verde”. “A história mostra que a aposta nos recursos endógenos e na economia produtiva é crucial para o sucesso dos países e Portugal tem recursos que são essenciais para a transição energética e para a evolução futura das sociedades”, insiste o ainda ministro da Economia.

A biotecnologia, a indústria transformadora, dos moldes e injeção de plásticos, química, metalomecânica, têxteis e calçado, indústria automóvel e aeronáutica, ciência dos novos materiais e produtos compósitos são apenas algumas das áreas da economia nacional em que Costa Silvsa considera importante apostar nesta onda de reindustrialização.

Para que isso aconteça, volta a lembrar Henrique Burnay, é preciso que o país seja capaz de percorrer o caminho da transição energética, de se afirmar no sector das baterias e, sobretudo, tornar-se atrativo para o investimento. “Devemos ser atrativos. Nunca foi mau para um país atrair gente com talento e com dinheiro”, remata.