OS FACTOS
Portugal aderiu ao projeto europeu – à época, chamada Comunidade Económica Europeia e popularmente eternizada, até na música, como CEE – há pouco mais de 38 anos, a 1 de janeiro de 1986. O país era então uma jovem democracia que iniciava a puberdade e enfrentava os desafios de crescimento, entenda-se amadurecimento democrático.
Os 14 anos seguintes, até à viragem do século, foram de prosperidade económica, de fortalecimento do Estado social e de melhoria em diversos indicadores de desenvolvimento, nomeadamente ao nível da educação. Segundo dados oficiais compilados pela Pordata, a taxa de abandono escolar era de 50% em 1992, de 43,6% em 2000 e de apenas 8% em 2023. Em grande medida, avanços conquistados com o apoio de fundos vindos da União Europeia (UE).
E com ganhos claros: nestas últimas cinco décadas de democracia, o nível de escolaridade aumentou a olhos vistos – em 1981, 36,9% da população residente com 15 ou mais anos não tinha qualquer nível de escolaridade. O valor caiu para 26% uma década mais tarde e novamente para 18% em 2001, antes de atingir o melhor resultado de sempre em 2021: apenas 5,9% dos cidadãos com mais de 15 anos estavam naquela situação.
A convergência com a média europeia aconteceu em vários domínios, da educação à saúde, mas também do ponto de vista económico. Ainda que o país se mantenha atrás em vários indicadores relevantes, como o da produtividade por trabalhador ou no PIB per capita (em que foi ultrapassado pela Polónia, Hungria, Estónia e Lituânia.
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é o número de anos de vida que tinha a democracia portuguesa na altura da adesão de Portugal à União Europeia, a 1 de janeiro de 1986
Desde 1986 até 2022, Portugal recebeu pelo menos €157 mil milhões em fundos europeus, de acordo com dados do Banco de Portugal. Este montante é o equivalente a um subsídio de €4 mil milhões por ano durante aquele período.
Porém, se fizermos as contas para apurar a diferença entre o dinheiro transferido por Portugal para a UE e vice-versa, o saldo é positivo. Mais uma vez segundo contas do Banco de Portugal, entre 1996 e 2022 o país entregou €51 mil milhões à UE e recebeu €130 mil milhões. No fim de contas, um ‘lucro’ de €79 mil milhões a que acrescem os ganhos sociais não contabilizados.
COMO CHEGÁMOS AQUI
Nem tudo são rosas quando o tema é a relação entre Portugal e a UE. A adesão ao Euro trouxe sérios desafios à economia nacional e retirou poder de compra aos portugueses, mas teve benefícios na abertura ao mercado europeu, entre tantos outros. Porém, avisa o consultor em assuntos europeus Henrique Burnay, “não é só Portugal que mudou profundamente desde a adesão”, mas “a Europa de 2024 é também profundamente diferente”. O também professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa sublinha que [a transformação] “prepara-se para ser ainda mais” à medida que o projeto europeu vai crescendo para Leste, tornando o país mais “periférico” e diminuindo o seu peso entre os Estados-membros.
Este processo de transformação da UE é influenciado pelas alterações na ordem global, desde logo quando, em 2020, a pandemia de covid-19 quebrou a economia e forçou, nos anos seguintes, o bloco europeu a rever a sua estratégia de autossuficiência em matéria de bens essenciais e tecnologia. A guerra na Ucrânia veio sublinhar a importância desse reposicionamento da UE e da política de defesa, a que se juntam outros desafios que estão a moldar o futuro do projeto europeu – o combate às alterações climáticas e o cumprimento das ambiciosas metas comunitárias são disso exemplo.
Henrique Burnay acredita que Portugal deve definir “prioridades nacionais que podem ser alavancadas pela UE” e adotar uma “visão de médio prazo” para ganhar “influência europeia”. Embora existam na sociedade alguns receios sobre a possibilidade de a capacidade de influência de Portugal poder ser diluída com a adesão de outros países à UE, como a Ucrânia, Sandra Fernandes considera que “a posição atlântica de Portugal não sai lesada deste processo”. A professora da Universidade do Minho foi responsável pela coordenação do estudo “Da pandemia à guerra. Impacto das alterações geopolíticas na economia portuguesa”, encomendado pelo Conselho Económico e Social (CES) e sobre o qual falou ao Expresso. “A adesão da Ucrânia à UE reforça a visão transatlântica em matéria de segurança e defesa. É até um efeito não previsto, inesperado. A posição atlântica de Portugal continua importante. Vai ganhar outra relevância”, aponta com base nas conclusões do trabalho que liderou.
“O nosso estudo aponta que, no caso de um alargamento à Ucrânia, a posição atlântica de Portugal não sai lesada deste processo. A adesão da Ucrânia à UE reforça a visão transatlântica em matéria de segurança e defesa. É até um efeito não previsto, inesperado. A posição atlântica de Portugal continua importante. Vai ganhar outra relevância”, afirma a professora Sofia Fernandes
Segundo uma sondagem realizada em novembro em seis Estados-membros, os cidadãos daqueles países mostram preocupações económicas e de segurança com o potencial alargamento da UE. A Ucrânia reúne mais apoio entre os auscultados (Alemanha, Áustria, Dinamarca, França, Polónia e Roménia), com os melhores resultados entre os dinamarqueses (50%) e os polacos (47%). A Turquia aparece no fim entre as preferências dos europeus para a adesão do país à UE, com apenas 19% a dizerem que concordam.
PARA ONDE CAMINHAMOS
Uma das grandes transformações em curso, aponta Henrique Burnay, é a “reglobalização” – não tanto o fim da globalização, mas antes um resfriamento da tendência. “Estamos numa reglobalização em que algumas coisas vão ser feitas mais perto, outras vão ser feitas dentro dos diferentes blocos, mas sobretudo vai haver mais competição e muito menos cooperação”, vaticina o consultor.
E com maior competição entre os Estados-membros, a luta pela conquista de investimento será maior e essa é uma luta que, pela sua dimensão, Portugal está condenado a perder. Mas quais são, então, os principais interesses estratégicos do país na UE?
Para o especialista em temas europeus, Portugal tem “muito interesse em manter a aliança estratégica com o Reino Unido e os Estados Unidos”, enquanto em simultâneo deve tirar partido do potencial da economia do mar. “Se a Europa está a ficar mais continental, a nós interessa-nos essa ideia que há em Bruxelas de que o mar é uma prioridade na Europa e em Portugal”, reforça Henrique Burnay, que acrescenta ainda a produção de energias renováveis como uma área de grande potencial para a atração de indústria “com um custo energético barato”.
Assegurar uma posição de influência na UE implica, desde logo, manter a regra de nomear um comissário europeu por cada Estado-membro. “São duas ou três ideias de fundo de que não convém abdicar a médio prazo, como não permitir que deixe de haver um comissário por Estado. E acho que não teríamos grandes vantagens em aumentar os temas que se votam por maioria”, remata o especialista, dando como exemplo a política externa e o tema da segurança.