5 Décadas de Democracia

“Colapso climático” tem custos. Está o país preparado?

Em 40 anos, os eventos meteorológicos extremos custaram à União Europeia mais de €487 mil milhões. Bruxelas avisa que a economia se retrai à velocidade de um furacão e que Portugal está particularmente exposto a esse risco. A ciência confirma: o país é um hotspot das alterações climáticas e terá de se adaptar — não só pela carteira, mas também pela saúde das populações. Mais calor e menos água significa mais mortalidade, agravamento de doenças e menor produtividade. É preciso preparar o futuro com melhor agricultura, um interior povoado e cidades verdes

Em períodos de seca extrema, é possível ver a ponte romana de Oriola emergir na barragem do Alvito. O país pode perder até 40% da precipitação até ao final deste século
Nuno Botelho

CINCO DÉCADAS DE DEMOCRACIA

Em 2023 e 2024, o Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) debatem as últimas cinco décadas de democracia em Portugal, olhando para o futuro. Serão discutidos 10 temas — da economia à sociedade, passando pela saúde, política e ambiente. Acompanhe no Expresso e na SIC Notícias.


Presente. O clima que molda o desenvolvimento económico

“Estamos a viver um colapso climático em direto e o impacto é devastador.” Foi assim que o secretário-geral da ONU, António Guterres, se dirigiu ao mundo na altura em que arrancava a COP28 no Dubai. O aviso deixado pelo líder internacional tornou-se mais audível quando, já no início de janeiro, foi confirmado que 2023 entraria para a história como o ano mais quente de sempre. Mais de metade do ano a Terra esteve 1,48 graus mais quente do que nos níveis pré-industriais e aproximou-se muito do limite ideal para o aquecimento global definido no Acordo de Paris (1,5°C até ao final do século).

As consequências são claras e estão, de resto, à vista de quem queira ver. Se existe alteração na temperatura e na quantidade de chuva que cai, a biodiversidade altera-se e provoca disrupções na natureza. “Os polinizadores representam 80% da nossa capacidade de produzir alimento. Estamos a interferir diretamente com a capacidade de produzir e de termos um futuro”, vinca Helena Freitas. A bióloga e professora na Universidade de Coimbra não tem dúvidas de que o país deve adaptar-se em torno dos cenários das alterações climáticas, de forma a planear o futuro e a preparar-se para uma nova realidade: a de um planeta mais quente, mais seco e imprevisível.

Entre 1980 e 2020 morreram 138 mil pessoas na UE devido a fenómenos climáticos extremos. Alemanha, França e Itália são os mais afetados

Coordenador do “Roteiro Nacional de Adaptação 2100”, o investigador Pedro Matos Soa­res lembra que Portugal está “numa zona [geográfica] de transição climática” e inserido na bacia do Mediterrâneo, um verdadeiro “hotspot das alterações climáticas”. A inevitabilidade do aquecimento progressivo da temperatura, da erosão da costa ou da diminuição de água disponível convocam toda a sociedade a agir, defendem os peritos ouvidos pelo Expresso.

E não faltam motivos para atuar: entre 1980 e 2020 as perdas económicas na União Europeia causadas por fenómenos climáticos extremos ascenderam a €487 mil milhões. No mesmo período morreram mais de 138 mil pessoas pelas mesmas razões, com Alemanha, França e Itália a serem os Estados-membros mais afetados. Se pusermos a lupa sobre o mapa de Portugal, a realidade não é muito mais animadora. Cerca de um quinto da riqueza nacional é produzida por via do turismo, mas, como questiona Matos Soares, “quem quer ir fazer turismo para o interior com 45 ou 50 graus?”.

A saúde económica fica em risco, tal como avisou o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, em setembro, quando disse que Portugal é uma das nações mais afetadas. “Os riscos climáticos crescentes [...] também têm um impacto nas perspetivas económicas”, sublinhou.


Futuro. Entre torneiras secas e termómetros a ferver

Os especialistas acreditam ser preciso adaptar o modelo de desenvolvimento do país à realidade projetada pelos diferentes cenários climáticos (análises científicas que preveem como será o futuro com base na forma como a sociedade atua). Assumindo que Portugal faz um bom trabalho no combate às alterações climáticas, o aumento da temperatura média será entre um e dois graus até 2070, valor que sobe para seis graus ou mais se nada for feito. Da mesma forma, a precipitação pode reduzir-se em 40% até ao final do século em partes do território nacional. Ainda assim, realça Matos Soares, esta não tem de ser uma realidade “dramática e catastrófica” desde que sejamos capazes de moldar o nosso modo de vida às novas características da natureza.

Para a professora catedrática Maria José Roxo, especialista em recursos naturais, “a questão do solo é prioritária” pela degradação acentuada que se está a verificar. “É necessário que as pessoas percebam que o solo é um recurso finito, demora muito tempo a formar-se e destrói-se em pouco tempo”, enquadra. Se a terra não for capaz de absorver água, será menos fértil e, por consequência, permitirá produções agrícolas em menor quantidade. “Já estamos a ter reduções muito significativas na produção de cereais e outras culturas”, acrescenta Helena Freitas, em referência à proliferação de doenças em espécies como as oliveiras.

Se nada for feito, a temperatura média do país pode subir seis graus até ao final do século. Acordo de Paris prevê aumento máximo de dois graus

As soluções estão identificadas. É imperativo aumentar “a matéria orgânica dos solos”, apostar em agricultura regenerativa, tornar o uso da água eficiente e, acima de tudo, implementar uma estratégia adequada à realidade de cada zona do país. Em simultâneo, alertam os investigadores, é preciso repovoar os territórios do interior para que a floresta seja controlada e os incêndios evitados, mas também olhar para a costa nacional e combater a sua crescente erosão.

Do lado das cidades, os desafios não são menores. As previsões das Nações Unidas apontam para que até 2050 cerca de 70% da população mundial viva em metrópoles, pressionando o consumo de recursos como a água. Sofia Simões, investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, diz que “está a ser feito um esforço muito grande” de adaptação, mas “não chega”.

Há que apostar em mais espaços verdes para reduzir o calor, aplicar o conceito de cidade-esponja para uma gestão eficiente da água e tornar a mobilidade sustentável. Com as torneiras a secar, os termómetros a aquecer e os extremos climáticos a tornarem-se mais frequentes, atingir a neutralidade carbónica é fundamental. O objetivo nacional é chegar lá em 2045, cinco anos antes da UE.