5 Décadas de Democracia

Estão as cidades preparadas para os efeitos das alterações climáticas?

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Até março, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em fevereiro, abordamos os desafios que as mudanças do clima representam para a população em Portugal

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/Lusa

OS FACTOS

O número é quase tão grande como a dimensão do desafio para a Humanidade: €487 mil milhões. É este o custo das perdas registadas na União Europeia (UE) em consequência dos eventos meteorológicos e climáticos extremos ao longo dos últimos 40 anos, de acordo com dados da Comissão Europeia. Todos os anos, os Estados-membros registam uma média anual de €2 mil milhões de prejuízos em resultado dos incêndios.

Esta é apenas a ponta do iceberg no que ao custo que resulta das alterações climáticas e dos seus efeitos nas cidades, nos países e nas economias. A Comissão Europeia aponta ainda uma média de €5 mil milhões de custo económico anual com as inundações fluviais na Europa, um cenário que tem sido cada vez mais frequente em Portugal nos últimos anos.

Quando a lupa recai sobre os impactos climáticos em território nacional, observamos que já muito foi feito para os minorar, mas também que há ainda muito por fazer. As previsões climáticas para Portugal revelam um cenário dantesco se nada for feito para evitar o aumento da temperatura média. Por exemplo, segundo o investigador do Instituto Dom Luiz, Pedro Matos Soares, “as temperaturas máximas em Portugal podem aumentar cerca seis graus no interior em 2071-2100”, enquanto que o aumento não iria além dos dois graus se se cumprisse o Acordo de Paris.

€5 mil milhões

é o custo económico anual médio com as inundações fluviais na Europa, segundo números da Comissão Europeia

Em simultâneo, no cenário de previsão mais gravoso, o país perderia 35% da sua precipitação na zona sudoeste, o risco de incêndio seria multiplicado por quatro e a subida do nível médio do mar aumentaria a vulnerabilidade das populações costeiras.

Para fazer face aos desafios climáticos, a Assembleia da República aprovou, em dezembro de 2021, a Lei de Bases do Clima. Este documento prevê, entre outras medidas, a criação de planos sectoriais de mitigação e de adaptação às alterações climáticas, bem como de estratégias regionais e municipais. Segundo a associação ambientalista Zero, falta “apoio por parte do Governo central às autarquias na elaboração destes planos, quer ao nível financeiro quer ao [nível] de recursos humanos técnicos adequados”, e isso traduz-se “na impossibilidade de apresentação do plano por parte da maioria dos municípios”.

“Em balanço, a ZERO conclui que muito pouco foi feito nestes dois últimos anos, e a maioria das medidas na Lei de Bases do Clima persiste no vermelho ou amarelo, sendo particularmente gravosas as omissões relativas aos orçamentos de carbono, ao relatório de avaliação inicial de impacte climático e aos planos setoriais de mitigação e de adaptação às alterações climáticas, todos na gaveta sem data prevista de apresentação”, resume a instituição.

COMO CHEGÁMOS AQUI

A investigadora e coordenadora da Unidade de Economia de Recursos do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), Sofia Simões, diz ser “importante dizer que está a ser feito um esforço muito grande” em Portugal no que concerne ao combate às alterações climáticas. Porém, realça, “não chega” e é preciso “fazer um bocadinho mais” para cumprir os compromissos internacionais, nomeadamente o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2045.

E isto tanto se aplica ao esforço nacional como ao desempenho municipal, onde, apesar do trabalho positivo desenvolvido por diversas autarquias, continua a existir “uma estratégia de adaptação e depois aquilo que é implementado na realidade”.

A consultora de sustentabilidade Get2C criou o Mapa da Ação Climática Municipal, uma plataforma digital onde é possível consultar o índice de maturidade dos concelhos sobre os temas das alterações climáticas. Neste mapa de Portugal, observa-se uma predominância das cores laranja e amarela – que indicam que os municípios cumprem, respetivamente, apenas um ou dois requisitos (em cinco). Pouco mais de quatro dezenas de municípios surgem marcados a pelo menos um tom de verde (três ou quatro requisitos) e apenas oito aparecem rotulados a azul, que indica a melhor classificação possível. Nesta restrita lista estão Azambuja, Braga, Vinhais, Cascais, Guimarães, Lisboa, Loures e Matosinhos.

A capital portuguesa é um dos casos em que estão a ser tomadas medidas para prevenir catástrofes e mitigar os efeitos das alterações climáticas, desde logo com a concretização do Plano Geral de Drenagem de Lisboa. A cidade que foi, em 2020, a Capital Europeia da Sustentabilidade tem vindo a apostar, ao longo dos anos, em maior número de espaços verdes para criar refúgios climáticos, na criação de uma rede de ciclovias e, mais recentemente, na limitação do tráfego rodoviário.

“Diria que somos dos melhores da Europa no que diz respeito à eletricidade renovável, ou mesmo do mundo. Só não somos tão bons por causa dos transportes (...), andamos todos imenso de carro e continua-se a apostar em infraestruturas que assentam neste tipo de mobilidade”, afirma Sofia Simões

Depois da limitação à circulação de automóveis anteriores a 2005 em algumas zonas da cidade, a “circulação automóvel na Baixa de Lisboa será só para residentes e carros elétricos”, garantiu, em declarações ao Público, o vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Filipe Anacoreta Correia. ´

Contudo, para a especialista Sofia Simões, que tem estudado a redução de emissões, os planos de adaptação climática não se devem restringir ao planeamento de obras de engenharia, mas devem incluir também ações de “capacitação” da população. “Um exemplo é Lisboa, que está a redimensionar as suas drenagens de águas pluviais e acaba por descurar um bocadinho outras medidas que têm mais a ver com capacitação, envolvimento e com chegar às pessoas mais vulneráveis”, aponta.

Voltando à Lei de Bases do Clima, nem todas as notícias são negativas para a associação Zero. Apesar de considerarem que as medidas positivas não o são “graças ao Governo”, os responsáveis destacam como positivas iniciativas como a publicação do impacto carbónico das atividades da Assembleia da República ou ainda a apresentação, pelo Banco de Portugal e pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, do relatório anual de exposição aos riscos climáticos. São precisas “medidas urgentes para concretizar as transformações estruturais necessárias para que Portugal acelere o passo e consiga alcançar a neutralidade climática até 2045”, reforça a Zero.

A associação considera que existe um mau desempenho do país na definição dos Orçamentos de Carbono, que estabelecem limites quinquenais de emissões, e na criação da Estratégia Industrial Verde, que já deveria estar concluída.

PARA ONDE CAMINHAMOS

A par do cumprimento da Lei de Bases do Clima, como observámos acima, Portugal deve continuar a afinar os diferentes planos regionais e municipais de adaptação climática. Nestes documentos, a prioridade deve ser a articulação entre diferentes medidas – obras de engenharia, ações de sensibilização e mudança de comportamentos, por exemplo – e sobretudo uma adaptação “ao contexto local”. “Outra coisa que acho que é muito importante mas que é muito trabalhosa, é que os planos sejam feitos com o envolvimento das populações”, assinala Sofia Simões.

Para a especialista do LNEG, este cuidado com as camadas mais vulneráveis da população pode refletir-se através de ações muito simples e concretas, como sejam as que foram implementadas em Coruche. “Quando há uma onda de calor, os idosos que vivem sozinhos são identificados pela GNR que vai ver se eles tão bem. Se for preciso, transportam-nos para zonas climatizadas. Isto não é uma coisa muito cara, mas que se não conhecermos as pessoas não conseguimos implementar”, destaca.

Ao seu dispor, o país tem o Plano de Recuperação e Resiliência que vai dedicar parte dos 22 mil milhões à aplicação de medidas e reformas para a transição climática, um instrumento que será crucial para a mitigação dos impactos negativos da mudança do clima. Recorde-se que, recentemente, a Comissão Europeia reviu as metas ambientais e definiu uma redução de 90% das emissões (em comparação com valores de 1990) até 2040.