5 Décadas de Democracia

Migrações são a solução para o “suicídio demográfico”?

Portugal tem mais de 2,3 milhões de emigrados no mundo que fazem falta para o desenvolvimento da economia e para o equilíbrio da demografia: o país perdeu 200 mil cidadãos entre 2011 e 2021. Por outro lado, as contribuições dos trabalhadores estrangeiros têm atenuado a pressão causada sobre a Segurança Social com a saída de jovens qualificados: só em 2022 o Estado lucrou mais de €1600 milhões com os imigrantes. Qual a solução? Os peritos defendem a criação de uma política migratória a longo prazo. Até porque, sublinham, o país continua a perder talento para outras geografias. Em 2023 e 2024, o Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) debatem as últimas cinco décadas de democracia em Portugal
Depois do bidonville na década de 60, França continua a ser o país do mundo com mais emigrantes portugueses: são mais de 600 mil
António Pedro Ferreira

Presente De país de emigrantes a destino de imigração

Portugal é hoje um dos países europeus com maior índice de envelhecimento, tem falta de mão de obra em vários sectores e regista, desde 2001, uma média de 75 mil emigrantes por ano. “A realidade é que Portugal precisa de pessoas”, resume Gonçalo Saraiva Matias, professor na Universidade Católica Portuguesa, que lembra que o país perdeu, entre o Censos de 2011 e o de 2021, 200 mil cidadãos. “As projeções apontam para um decréscimo populacional significativo nas próximas décadas que põe em causa a sustentabilidade do nosso modelo social”, acrescenta o especialista em migrações.

É fácil perceber a equação desenhada por Saraiva Matias: se há cada vez mais idosos e menos pessoas em idade ativa, o financiamento do Estado fica em risco. Além da questão demográfica associada à baixa natalidade, há uma inevitável fuga de talento para o estrangeiro que impede que a economia nacional tire partido pleno da famosa geração mais qualificada de sempre. É inevitável porque, aponta o investigador Pedro Góis, “este mercado global de trabalho é algo natural para os [trabalhadores] sub-40 [anos de idade]”.

As consequências do número de saídas de jovens qualificados podem, no entanto, ser atenuadas com o aumento da imigração. Segundo números da Pordata, no final de 2022 existiam quase 800 mil estrangeiros a viver em território nacional de forma legal, quase o dobro do registado em 2016. Os resultados estão à vista: mais imigração significou, em 2022, um valor recorde de contribuições desta população para a Segurança Social acima de €1800 milhões. Descontadas as prestações sociais de que beneficiaram (€257 milhões), estes trabalhadores deixaram um contributo positivo superior a €1600 milhões.

António Vitorino, antigo presidente da Organização Internacional para as Migrações (OIM), assinala, porém, que há desafios que importa endereçar para garantir o sucesso da integração no tecido social português. “Temos nos últimos três anos uma imigração completamente distinta [das vagas anteriores com origem na Europa do Leste ou nos PALOP] (...) que é a chamada imigração do máximo aforro no menor tempo possível”. Esta nova realidade reforça a importância de as políticas públicas “revalorizarem a aprendizagem da língua como instrumento de integração essencial”, assim como outras medidas que permitam garantir coesão social — o reconhecimento das qualificações de quem chega, o acesso a serviços públicos e a desburocratização do sistema.

Futuro Estrangeiros vão substituir portugueses no trabalho? Não

Para o presidente da Associação Portuguesa de Demografia, é fundamental encarar a articulação entre migrações e o envelhecimento do país como “uma absoluta emergência nacional”. Paulo Machado defende mesmo que “toda a política tem que gravitar em torno disto”. E diz que será preciso melhorar as condições de vida em território nacional e, ao mesmo tempo, simplificar o processo de integração de migrantes.

O chefe de missão da OIM, Vasco Malta, lembra que o tema das migrações tem sido “central” em vários governos de esquerda e de direita, mas reconhece que existem melhorias a implementar. “As partes burocráticas, como é o caso da obtenção ou renovação da autorização de residência, efetivamente demoram ainda muito tempo”, assinala. Ainda na questão administrativa, António Vitorino lamenta que os imigrantes não tenham, com frequência, “oportunidade de pôr ao serviço do país de acolhimento as suas qualificações” por dificuldades no processo de reconhecimento das habilitações académicas. “É esta compatibilização entre o perfil dos imigrantes (...) e as nossas necessidades no mercado de trabalho que uma política de migrações com sentido e com propósito tem de ser definida”, reforça.

Por outro lado, o investigador Pedro Góis considera essencial “investir nos que já estão cá” e oferecer mecanismos para que, se quiserem, fiquem no país. “Devemos criar condições para que se quiserem trazer as suas famílias o possam fazer”, continua o especialista, que diz ser fundamental “reintroduzir no sistema o bom acolhimento que tivemos (...) e que perdemos um pouco.”

Um processo de integração bem-sucedido depende muito da perceção que a população portuguesa tem em relação a quem chega ao território e esse é o risco da campanha eleitoral para as próximas eleições legislativas. “O que não podemos fazer é centrar a conversa retórica à volta dos migrantes em meias-verdades ou não factos”, afirma Vasco Malta, que sublinha que “Portugal precisa de pessoas e qualquer afirmação contrária só poderá ser considerada demagógica”. António Vitorino concorda e diz mesmo que “a perceção de que os imigrantes estão a substituir os portugueses nos postos de trabalho é completamente errada e destruída de fundamento”.

Os peritos são consensuais ao considerar que Portugal deve olhar para os bons exemplos do Canadá, da Nova Zelândia e da Irlanda em matéria de migrações e desenhar uma política nacional de imigração com “continuidade no tempo”. Caso contrário, garante Vasco Malta, o país continuará o caminho para o “suicídio demográfico”.

Cinco décadas de democracia

Em 2023 e 2024, o Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) debatem as últimas cinco décadas de democracia em Portugal, olhando para o futuro. Serão discutidos 10 temas — da economia à sociedade, passando pela saúde, política e ambiente. Acompanhe, nos próximos meses, no Expresso e na SIC Notícias

Textos originalmente publicados no Expresso de 19 de janeiro de 2024