OS FACTOS
Os cidadãos portugueses serão chamados a votar no próximo dia 10 de março a propósito das eleições legislativas – o processo de escolha para os 230 deputados à Assembleia da República. Será a partir dessa votação que será eleito um novo Governo nacional, que será composto pelo partido, ou conjunto de partidos, que conseguir a maioria dos lugares disponíveis.
Como ficou evidente nas eleições legislativas de 2015, o executivo não é necessariamente formado pelo partido mais votado, mas por aquele que conseguir ter maior força no parlamento. Para isso, basta conquistar um mínimo de 116 deputados, mesmo que esse resultado tenha como base acordos parlamentares entre vários partidos.
230
é o número de deputados que constituem a Assembleia da República e que são eleitos em cada ida às urnas. A Constituição da República Portuguesa prevê que este número possa oscilar entre 180 e 230
Em janeiro de 2022, nas últimas legislativas, o PS conquistou 120 cadeiras na Assembleia da República e, portanto, uma maioria absoluta que permitiu governar sem precisar do apoio de outros partidos políticos. Nas últimas cinco décadas de democracia, os eleitores permitiram apenas seis maiorias absolutas num total de 23 governos constitucionais.
Como são eleitos os deputados do parlamento? Os cidadãos são chamados às urnas e os seus votos são organizados em 22 círculos eleitorais: 18 em Portugal Continental (um por distrito), a que se juntam dois em cada uma das regiões autónomas e ainda outros dois fora de território nacional, um na Europa e outro no resto do mundo. Cada um destes círculos elege um determinado número de deputados, que é calculado com base na distribuição de eleitores pelas diferentes regiões.
Por exemplo, nas eleições legislativas de 2019, o círculo de Lisboa elegeu 48 deputados, enquanto Aveiro teve direito a 16 lugares no parlamento e Bragança apenas três.
COMO CHEGÁMOS AQUI
Porém, o desenho do sistema eleitoral português tem sido, desde a revolução de 1974, motivo de debate e, de tempos a tempos, a discussão sobre a sua reforma regressa. E há motivos para isso, já que, como está implementado, o sistema tende a favorecer os maiores partidos – PS e PSD – e a prejudicar os pequenos partidos, que têm maior dificuldade em eleger deputados nos círculos eleitorais mais pequenos. “Temos dentro do mesmo país círculos eleitorais muito pequenos, que têm apenas dois deputados. Estou a pensar, por exemplo, em Portalegre [dois] ou em Bragança [três]”, aponta o especialista em ciência política Jorge Fernandes.
“Isto deriva, naturalmente, do facto de sermos um país profundamente desigual do ponto de vista geográfico da distribuição da população”, explica. De facto, o Censos 2021 mostra que cerca de 20% da população está concentrada nos sete maiores municípios que abrangem uma área correspondente a 1,1% do território nacional. A desertificação do interior e o aumento do número de residentes na faixa litoral do país contribuem para um maior desequilíbrio geográfico.
“Na verdade, as eleições neste momento em Portugal jogam-se fundamentalmente em quatro ou cinco grandes distritos, que é Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Setúbal”, afirma o especialista em ciência política Jorge Fernandes
Mas se o distrito de Bragança elege apenas três deputados que se vão sentar na Assembleia da República, isso significa que há muitos votos que são “desperdiçados”. A forma como o sistema está desenhado “tem muitas implicações naquilo a que chamamos partidos viáveis”, continua Jorge Fernandes, que detalha que nos círculos eleitorais mais pequenos “os partidos viáveis são basicamente o PS e o PSD”. “É o caso da esmagadora maioria dos círculos”, reforça o também investigador do CSIC – Conselho Superior de Investigações Científicas.
6
é o número de governos com maioria absoluta na história da democracia portuguesa, que já teve 23 executivos nas últimas cinco décadas
A consequência, para lá da dificuldade que cria ao crescimento de novos partidos, é que “cria incentivos para que os cidadãos não participem”, porque sabem que se quiserem votar nas listas do Iniciativa Liberal, do Livre ou até do Bloco de Esquerda, “o seu voto vai ser desperdiçado no sentido em que não vai contribuir para eleger nenhum deputado”. No rescaldo das eleições legislativas de 2022, o politólogo Luís Humberto Teixeira dizia ao Expresso que no círculo eleitoral de Portalegre “a opinião de mais de metade dos eleitores foi ignorada” precisamente por causa do número de deputados que o distrito pode eleger. No total, o especialista considerava que mais de 671 mil votos “foram para o lixo” em todo o país.
Além de potencialmente afastar os cidadãos das urnas – recorde-se que em 2022 registou-se uma abstenção de 48,6% -, existe o risco de partidos mais pequenos concentrarem o seu discurso nas regiões onde têm maior probabilidade de eleger deputados. Por exemplo, se o partido A tem maiores hipóteses de eleger em Lisboa, no Porto e em Braga, e quase nenhuma possibilidade de o fazer em Portalegre ou Bragança, pode sentir-se tentado a criar um programa eleitoral com base nas preocupações dos eleitores dos grandes círculos eleitorais e, com isso, deixar de fora uma fatia considerável da população portuguesa.
PARA ONDE CAMINHAMOS
Importa perceber, então, qual é a solução para este desincentivo à participação eleitoral. A professora e investigadora Isabel Menezes, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, considera que é importante aumentar a prestação de contas aos eleitores pelos partidos políticos, mas acredita também que é importante criar uma “cultura de maior proximidade entre os eleitos e os eleitores”. “Se isso passa por círculos uninominais ou algo misto, pondo caras naquilo que são os processos de representação, talvez”, exemplifica.
Jorge Fernandes tem uma proposta semelhante, e que aliás já foi proposta pelo Iniciativa Liberal e por outros partidos ao longo dos anos: a criação de círculos uninominais com um círculo de compensação. “O que aconteceria é que o eleitor teria dois votos: votaria no seu candidato no distrito, como hoje acontece, e ao mesmo tempo teria possibilidade de votar para um círculo nacional onde todos os eleitores votariam”, explica. Esse círculo teria a capacidade de eleger à volta de 40 ou 50 deputados “e aí teríamos uma proporcionalidade quase perfeita”, considera o perito.
Mas por que razão ainda não foi feita essa alteração? “O que acontece é que, na verdade, não existe vontade política. O PS e o PSD sabem perfeitamente que no dia em que isso acontecer vão, provavelmente, perder bastantes votos”, afiança.