O problema da pobreza em Portugal é antigo, estrutural e multifatorial. Apesar dos números hoje indicarem que existem cerca de 1,7 milhões de pessoas em situação de pobreza ou exclusão social, os últimos quatro anos têm dificultado a redução dos valores à boleia das consequências trazidas pela pandemia, pela inflação e pela crise na habitação. “Podemos dizer que tem havido algum progresso. Mas a redução não foi certamente tão expressiva quanto desejávamos e, acima de tudo, parece não ter a resiliência suficiente para não ser revertida em função das diferentes crises”, aponta o investigador Carlos Farinha Rodrigues.
O também professor do ISEG foi um dos quatro oradores que participaram em mais um debate do projeto “5 Décadas de Democracia”, emitido terça-feira na SIC Notícias com apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos. A reflexão contou ainda com a participação do presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado, Eugénio da Fonseca, com a professora da Universidade Católica Portuguesa, Fernanda Rodrigues, e com a coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, Sandra Araújo.
Conheça as principais conclusões:
Falta de dinheiro não é fator único
- As dificuldades no acesso dos cidadãos, em particular os mais pobres, à saúde, à educação e à cultura são agravantes que se juntam à falta de rendimentos monetários, enquadram os especialistas. Apesar dos salários, pensões e prestações sociais terem vindo a aumentar na última década, os desafios conjunturais anularam essa subida. “O problema é que quando olhamos para os rendimentos reais, onde o efeito da inflação para algumas famílias é devastador, a realidade não é tão simples”, aponta Carlos Farinha Rodrigues;
- Eugénio da Fonseca, que durante anos foi presidente da Cáritas, considera fundamental ter em conta uma nova, ou pelo menos mais expressiva, dimensão da pobreza no país. “Os migrantes vieram acrescentar à pobreza e à exclusão social. Não por culpa própria, mas por culpa de redes mafiosas que lhes deram a garantia de trabalho em Portugal. Neste momento estão a viver em situações de pobreza extrema”, analisa, sugerindo que este deve ser um tópico central para a ação do Estado;
- O responsável acredita ainda que a articulação de políticas entre ministérios “é fundamental”, mas diz que “ainda não se conseguiu” efetivar essa colaboração. Sandra Araújo discorda e olha para a nova Estratégia Nacional de Combate à Pobreza como o documento que, por fim, torna real essa ambição. “Há compromissos, há metas. Se ainda estamos numa fase inicial e incipiente do processo? É verdade”, reconhece;
- Exemplos práticos passam pela “gratuitidade das creches”, pela melhoria do “acesso aos serviços de saúde” e pela intervenção no mercado de trabalho, que procura a “redução da taxa de pobreza monetária dos trabalhadores para metade até 2030”. “Se pensarmos na questão da precariedade, sem dúvida que [as condições de trabalho são] a origem de muitas dessas situações. O mesmo diria em relação às políticas de habitação”, acrescenta Fernanda Rodrigues.
Compromisso político deve manter-se mesmo após as eleições
- Para os peritos é consensual que, independentemente de quem venha a formar governo depois de 10 de março, deve existir um pacto entre os partidos para assegurar que a estratégia nacional é mantida e que as suas metas são cumpridas. “Acho que valia a pena haver aqui pactos de legislatura naquilo que é essencial, embora possa haver divergências nos métodos a utilizar”, defende Eugénio da Fonseca;
- Sandra Araújo diz ainda que não se pode olhar para o plano de combate como o ponto de chegada, mas tem de ser antes o ponto de partida para o que é preciso fazer. “A pobreza não é estática, é dinâmica e estes planos e estratégias têm de ter capacidade e flexibilidade para se adaptarem”, reforça.