5 Décadas de Democracia

A ‘bazuca’ europeia vai transformar a economia portuguesa?

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em outubro, o foco da análise é a produtividade

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
JULIEN WARNAND

OS FACTOS

Desde a adesão à União Europeia (UE) em 1986, Portugal já recebeu mais de €120 mil milhões em fundos comunitários. A participação na UE tem-se revelado, ao longo das décadas, um bom negócio para o país. Desde a sua entrada no projeto comunitário, Portugal contribuiu, em média, com 1% do produto interno bruto (PIB) para as contas europeias, mas em troca recebeu apoios equivalentes a 3% do PIB.

O impacto deste nível de investimento no país refletiu-se na melhoria de diversos indicadores económicos e sociais. Na educação, por exemplo, a taxa de analfabetismo passou de 18,6%, em 1981, para 3,1% nos últimos Censos 2021. Mas também a nível económico há alterações a registar: no ano da adesão à UE, o PIB nacional valia €28,3 mil milhões, montante que se multiplicou para €166,2 mil milhões duas décadas mais tarde, em 2006. No último ano, a riqueza portuguesa superou €260,6 mil milhões.

Mas se dúvidas existiam sobre o real impacto dos fundos comunitários no desenvolvimento da economia, um estudo recente do Banco de Portugal (BdP) vem mostrar que o dinheiro europeu ajudou no aumento da capacidade produtiva, na internacionalização das empresas e na criação de emprego. “Os impactos são particularmente evidentes – em termos de magnitude e persistência – para o emprego e a intensidade exportadora: três anos após a decisão de atribuição de financiamento, o emprego é 15,7% mais elevado e a intensidade exportadora é maior em 3,6 pontos percentuais”, apontam as economistas Sónia Cabral e Maria Manuel Campos, do BdP.

“Verifica-se que, após uma candidatura bem sucedida, o emprego, o volume de negócios e o VAB são mais elevados do que em empresas sem projetos apoiados”, lê-se no estudo do Banco de Portugal

O estudo “Fundos europeus e desempenho das empresas portuguesas”, publicado no início deste ano, diz ainda que “o emprego, o volume de negócios e o VAB [valor acrescentado bruto] são mais elevados do que em empresas sem projetos apoiados”. Em análise estiveram candidaturas ao programa Compete, no quadro comunitário 2007-2013.

COMO CHEGÁMOS AQUI

O antigo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, não tem dúvidas de que “Portugal, antes e depois de entrar na UE e de beneficiar dos fundos estruturais, não é o mesmo país”. Atualmente presidente não-executivo da Goldman Sachs, Durão Barroso reconhece, no documentário “O que ficará dos fundos europeus”, que “houve alguns erros na destruição de recursos” e “até alguns casos de fraude”, mas que, apesar disso, “os fundos estruturais deram uma ajuda extraordinária ao desenvolvimento não só económico, mas social, cultural e científico do nosso país”.

€46,3 mil milhões

é o montante total da ‘bazuca’ europeia distribuída a Portugal, que tem até 2027 para investir os fundos comunitários. Este pacote de financiamento junta o Plano de Recuperação e Resiliência (€16,6 mil milhões), o Portugal 2030 (€23 mil milhões) e a Política Agrícola Comum (€6,7 mil milhões)

De facto, é precisamente na aposta no conhecimento científico que está um dos maiores trunfos da economia nacional, como sublinha a economista Vera Gouveia Barros. “Mariano Gago [ministro da Ciência entre 1995/2002 e 2005/2011] teve um papel muito importante na criação de um verdadeiro sistema científico que não existia em Portugal. E esses frutos estão a surgir agora”, diz.

Para dar corpo ao conceito “do made in ao created in”, como proposto pelo estudo coordenado pelo professor Fernando Alexandre, é fundamental que o país invista na transformação do modelo de crescimento económico – deve passar a ser assente em conhecimento e inovação para aumentar o valor que gera para a economia. “O contexto económico tem de favorecer o aparecimento de empresas inovadoras com ambição global e reunir as condições para o seu crescimento”, escrevem os seus autores. E Portugal tem, uma vez mais, condições para dar passos nesse sentido. Há mais de 37 mil doutorados no país, mais 12 mil do que em 2012, e 8% desses trabalham em empresas.

PARA ONDE CAMINHAMOS

Vera Gouveia Barros é autora do livro “O turismo em Portugal”, tema a que dedicou o seu doutoramento, e conhece bem a realidade deste sector e o seu contributo real para a economia. Apesar de ter visto “ganhos de produtividade”, a economista diz que os salários “não acompanharam” e defende que é preciso fazer no turismo o que se fez no vinho. “É um sector tradicional, com séculos de história no nosso país, mas soube modernizar-se, incorporar conhecimento, tecnologia e o mesmo deve acontecer no turismo”, considera.

Neste campo, a ‘bazuca’ europeia pode ajudar: há mais de €46 mil milhões para investir até 2027 e parte desses investimentos estão programados para questões fundamentais, como a transição digital no Estado e nas empresas, a transição ambiental e um incentivo às atividades de valor acrescentado. E um bom sinal disso são as agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que juntam dezenas de entidades – públicas e privadas, concorrentes e parceiros – a trabalhar em conjunto para fazer avançar vários temas fundamentais da economia. “Temos de encontrar mais exemplos como o da Universidade do Minho com a Bosch. Esse é o tipo de coisas que temos de fomentar”, acredita Vera Gouveia Barros, em alusão à colaboração entre empresas e academia para potenciar a inovação.

Vale a pena assinalar que no PRR estão previstos investimentos na capitalização e inovação empresarial, nas qualificações e competências, nas infraestruturas e até na modernização da administração pública. Todos estes são apontados pelos economistas ouvidos pelo Expresso como ingredientes fundamentais para a construção de uma economia mais robusta, sustentável e de crescimento acentuado. Se o país crescer com base no conhecimento e na inovação, vai gerar maior valor acrescentado bruto e, por consequência, mais e melhor emprego.