5 Décadas de Democracia

Como pode o Estado simplificar a vida dos cidadãos e das empresas?

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Em outubro, o foco da análise é a produtividade

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OS FACTOS

Foi em março de 2006 que o então primeiro-ministro José Sócrates apresentou, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a primeira versão do programa Simplex. O objetivo era “poupar tempo e dinheiro aos cidadãos”, garantia o líder do Governo. No total, a estratégia incluía 333 medidas de simplificação administrativa em vários domínios, da educação à saúde, sem esquecer as temáticas relacionadas com as empresas e com o ambiente. “Representa uma nova atitude que queremos para a administração”, dizia António Costa, na altura ministro da Administração Interna.

O programa viria a acrescentar novas medidas em 2007 e novamente em 2008, quando foram introduzidas 180 reformas ao modus operandi do Estado português, nomeadamente na simplificação do processo de licenciamento de empresas. A história repetiu-se em março de 2009 quando Sócrates anunciou publicamente os detalhes da versão 4.0 do Simplex, desta feita com mais duas centenas de melhorias ao funcionamento da administração pública.

Uma década depois da estreia, a iniciativa foi recuperada por António Costa, já no papel de primeiro-ministro, em 2016. Nascia então o Simplex+ numa apresentação pública que ficaria marcada pelo momento em que o líder do executivo afirmou que “até as vacas podem voar”, recusando a ideia do impossível. “O processo de modernização administrativa, o processo de simplificação, é uma never ending story. Não tem fim, é um processo contínuo”, disse durante o evento.

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é quanto o novo programa Empresa 2.0 permitirá reduzir o tempo necessário para a criação de uma nova sociedade empresarial, de acordo com a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro,

Já em 2022 e 2023 voltaram a ser acrescentadas novas medidas de simplificação administrativa, de onde resultou, por exemplo, a segunda geração do programa Empresa Online que passou a chamar-se Empresa 2.0. O grande objetivo é que todo o ciclo de vida das empresas possa ser gerido online, poupando tempo e recursos, quer aos negócios quer ao Estado. Segundo a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, com estas medidas será possível reduzir para um terço o tempo de criação de uma nova sociedade empresarial.

COMO CHEGÁMOS AQUI

Ao longo de outubro, já vimos como as elevadas qualificações dos jovens em Portugal não se estão a refletir no aumento da produtividade e como as exportações podem ajudar a alcançar esse objetivo. Porém, há uma camada institucional que não deve ser esquecida, apontam os economistas ouvidos pelo Expresso, e que tem a ver com o papel do Estado. Em causa está, por exemplo, o arrastar de processos administrativos ou a dificuldade em obter licenciamentos em tempo útil, que colocam em causa a competitividade das empresas e do país. O sector da saúde, e em particular o ramo dos ensaios clínicos, mostra como Portugal perde oportunidades de investimento por conta da burocracia: em 2022, foram submetidos ao Infarmed 230 pedidos de autorização para ensaios clínicos e o tempo médio de aprovação foi de 87 dias, muito acima do que acontece em países como Espanha. O resultado é a perda de iniciativas deste género para outras geografias, com impacto económico e, neste caso, para a saúde dos cidadãos.

“Em termos de competitividade, o país não atrai. Temos muita burocracia, tribunais lentos e uma carga fiscal muito elevada”, lamenta o professor Manuel Carlos Nogueira

Apesar do diagnóstico traçado pelos peritos, o país tem apresentado melhorias em algumas dimensões, como na competitividade com que se apresenta ao mundo. Isso é visível na captação de investimento direto estrangeiro (IDE), que tem valido recordes sucessivos conquistados pela AICEP nos últimos anos – só em 2022, foram captados 47 projetos de investimento em território nacional que se traduzem num ganho potencial de €2,4 mil milhões. A tendência é confirmada por um estudo da consultora Ernst & Young (EY), apresentado em setembro, que coloca Portugal como o sexto principal destino para IDE na Europa, duas posições acima do que o registado em 2021. “Surpreendentemente, Portugal registou o maior crescimento em projetos de IDE entre os 10 principais países europeus", assinala o documento.

€579 milhões

é o montante previsto no Plano de Recuperação e Resiliência para tornar a administração pública mais eficiente com apoio das ferramentas digitais

Ainda assim, Manuel Carlos Nogueira, professor de Economia na Universidade de Aveiro, diz que “o país não atrai em termos de competitividade” por ter “muita burocracia, tribunais lentos e uma carga fiscal muito elevada”.

PARA ONDE CAMINHAMOS

Entre as opiniões recolhidas pelo Expresso, há uma medida consensual sobre o contributo que o Estado pode ter para o aumento da produtividade: “É o Estado sair da frente das empresas”, diz Filipe Grilo. O professor da Porto Business School acredita que uma forma de o fazer passa, por exemplo, por “acelerar a justiça” nos processos relacionados com as organizações. “Temos empresas zombie em Portugal que estão a ocupar espaço no mercado e que estão a sobreviver simplesmente porque em Portugal a falência é difícil de se obter”, considera. De acordo com dados do portal de estatísticas da justiça, o tempo médio para a conclusão de um processo de insolvência nos tribunais de primeira instância tem vindo a cair desde 2015 (o primeiro ano em que há dados disponíveis). Nesse ano, a média era de três meses, valor que caiu para dois meses em 2017 e para apenas um mês em 2021.

José Alberto Ferreira, doutorando em Economia no Instituto Universitário Europeu, acrescenta duas componentes que encara como importantes para o aumento da produtividade, a maior colaboração entre academia e empresas e a criação de um ambiente favorável à instalação de startups. “É preciso fazer com que o conhecimento de ponta que é gerado nas universidades se consiga traduzir, o mais depressa e com menor fricção possível, na criação de empresas e de emprego. Isto pode garantir que os jovens com ideias promissoras não vão criar as suas empresas para outro país”, sugere.

E porque a burocracia faz parte da realidade portuguesa, o economista pede também que as políticas públicas possam reduzir “os chamados custos de contexto” das organizações, que “estão entre aquelas que na OCDE mais tempo perdem com burocracias”. É por isso essencial continuar o caminho iniciado pela primeira geração do Simplex, em 2006, e aproveitar os fundos disponibilizados pelo Plano de Recuperação e Resiliência para a desburocratização da administração pública. Recorde-se que só nesta dimensão do programa há perto de €600 milhões para investir.