5 Décadas de Democracia

Há “ineficiências e desperdícios de recursos” na Saúde. Haverá soluções?

Os últimos meses de gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS) têm sido a “apagar fogos”, com maternidades encerradas, médicos e enfermeiros exaustos que decidem sair ou greves a exigir melhores condições de trabalho. Prioridades que se têm sobreposto às “ineficiências” e “desperdícios” do sistema e que desvendam um SNS com um problema de gestão e sem uma estratégia de longo prazo. Mas há respostas possíveis, algumas delas imediatas. Haja coragem política para as tomar

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Ana Baptista

Presente Entre a escassez de pessoal, a má gestão e a falta de coragem política

Na saúde pública, há quem elogie a qualidade dos médicos e enfermeiros, o facto de não se pagarem consultas ou exames e de os medicamentos serem comparticipados. E há quem se queixe da falta de pessoal, das longas esperas para cirurgias ou dos serviços encerrados. E, de facto, há tudo isto.

Segundo dados da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN), “a estimativa do custo mensal do tratamento de um doente com diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, patologia reumatológica, ansiedade e proteção gástrica, tratado com medicamentos genéricos, é de €15,95 no regime geral e de €2,03 para pensionistas com reforma inferior a 14 salários mínimos”. Já segundo o relatório “Recursos Humanos em Saú­de”, dos professores da Nova SBE Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, há 7,1 enfermeiros/as por mil habitantes em Portugal, o que significa um lugar entre os 10 países da OCDE com menor rácio. Além disso, entre 2011 e 2021, cerca de 25 mil enfermeiros pediram documentação para exercer noutro país, até porque nesse período “a evolução da remuneração foi baixa ou mesmo inexistente”, diz Pedro Pita Barros.

Por isso é que entre os especialistas com quem o Expresso falou — médicos, administradores, académicos e economistas — há um consenso: o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem um problema de gestão e o Governo não tem mostrado coragem política para fazer mudanças. Como diz o académico, “temos um SNS um bocadinho cinzento”.

O que se exige é uma estratégia de longo prazo que atravesse várias legislaturas e, nesse sentido, a criação do diretor do SNS trouxe a “esperança de uma melhor gestão”, diz Cristina Campos, fundadora da Free­mácia, “mas estes primeiros seis meses têm sido a apagar fogos”, aponta Pedro Pita Barros, com as maternidades que encerram, cirurgiões e administrações que se demitem em bloco, greves contra salários congelados ou o aumento das horas extraordinárias, quando todos estão exaustos. Por isso é que Cristina Campos continua “à espera para medir o sucesso dessa decisão”.

Há mudanças mais pequenas (e imediatas) que se podem fazer. Como comprar computadores novos, diz o consultor em saúde digital Luís Almeida Fernandes, ou permitir contratos de trabalho mais flexíveis, sugere Inês Fronteira, professora na Escola Nacional de Saúde Pública. Questões que parecem detalhes num sistema onde há problemas maiores, mas que geram “ineficiências, desperdícios de tempo e de recursos humanos e financeiros”, repara Cristina Campos.

Futuro Entre melhores condições de trabalho e mais inovação

Quando o problema é estar dois anos à espera de uma cirurgia, pode parecer pouco importante saber que os médicos passam cada vez mais receitas eletrónicas (cerca de 857 milhões prescritas desde 2010 no público e privado). Mas o tempo e o dinheiro que se poupam nestas inovações são transferidos para os cuidados do doente: o médico fica com mais tempo e os sistemas de saúde com mais dinheiro para investir, por exemplo, nas cirurgias em atraso.

“Com o envelhecimento a aumentar, vamos todos viver mais anos e precisar de mais cuidados, mas também vamos ter menos população ativa e menos pessoas a trabalhar na saúde. Temos de recorrer à tecnologia, porque ela ajuda a fazer mais com menos pessoas e retira funções administrativas a quem devia estar a cuidar de doentes”, repara Sandra Mateus, responsável pela área da saúde na Microsoft. Além disso, permite resolver algumas das “ineficiências” referidas no texto ao lado e, consequentemente, ajudar a melhorar a gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Essa é a perceção dos especialistas e também do Governo, que disponibilizou €300 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), a empresa responsável pela digitalização dos serviços de saúde.

Não será, contudo, a tecnologia a resolver todos os problemas do SNS. São precisos políticos “com coragem para mudar”, ressalva Cristina Campos, fundadora da Free­mácia, e são precisos mais profissionais de saúde, com melhores condições de trabalho, perspetivas de crescimento profissional e funções alargadas, diz o professor da Nova SBE e especialista em economia da saúde Pedro Pita Barros. “Podemos ter enfermeiros a acompanhar partos”, argumenta Inês Fronteira, professora na Escola Nacional de Saúde Pública, ou “farmacêuticos a dar apoio a doentes crónicos”, sugere Pedro Pita Barros. Na prática, “é fazer uma gestão mais inteligente dos recursos”, acrescenta Inês Fronteira.

Por mais médicos e enfermeiros que se formem nos próximos anos, se as condições de trabalho em Portugal não mudarem, o SNS não vai conseguir atraí-los nem retê-los. Alguns sairão para o privado e outros para o estrangeiro, onde os salários são melhores e existe um maior reconhecimento profissional, garante Pedro Pita Barros, o que faz diferença quando é a falta de uma definição clara sobre a evolução da carreira que mais tem afastado os profissionais de saúde do SNS e do país.

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5 Décadas de Democracia

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Textos originalmente publicados no Expresso de 21 de julho de 2023