5 Décadas de Democracia

Como tornar a parentalidade mais atrativa?

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Neste mês de junho, o tema será como é que nos estamos a adequar ao envelhecimento da população

Jose Luis Pelaez Inc/Getty Images

Ana Baptista (texto) e Sofia Miguel Rosa (infografias)

Os factos

Desde 1960 que o número de nascimentos e a taxa de fecundidade estão a descer em Portugal.

Em 1960 a Índice Sintético de Fecundidade (ISF) - que mede o número médio de filhos (nados-vivos) por mulher, considerando as taxas de fecundidade no período em causa - era de 3,19 filhos por mulher. Em 2022 foi de 1,43 filhos por mulher.


Índice Sintético de Fecundidade em Portugal


Taxa bruta de natalidade em Portugal


O ISF suficiente para repor uma geração é de 2,1 filhos por mulher, mas a última vez que isso aconteceu em Portugal foi em 1981.

A descida da natalidade é, contudo, transversal a toda a Europa. Em 2022, a média europeia era de um ISF de 1,53.

Evolução dos nascimentos na União Europeia


A França, Dinamarca, República Checa e Roménia são os únicos países onde o ISF é superior a 1,8 filhos por mulher. Espanha e Itália estão mais abaixo que Portugal: 1,19 e 1,25 de ISF em 2022, respectivamente.

Como chegamos até aqui

De acordo com Lara Tavares, cientista social, especialista em natalidade e coordenadora do novo doutoramento em Ciências da População da Universidade de Lisboa, houve dois momentos de quebra da natalidade na Europa, incluindo Portugal. O primeiro foi logo nos anos 1960, em que se passou de uma média de cinco filhos por mulher para três filhos por mulher, mas ainda suficiente para a reposição da geração. E depois um outro momento de queda, a partir dos anos 1970, na Europa, e dos anos 1980 em Portugal.

“Nesta altura houve uma mudança de atitudes e valores na sociedade. Menos práticas religiosas, a pílula contraceptiva e a emancipação das mulheres e o seu direito à escolha. Não é egoísmo. É livre arbítrio e isso é bom”, diz Lara Tavares.

Esta tendência foi aumentando ao longo das décadas seguintes, não só pela constante evolução da sociedade, principalmente no que respeita às mulheres, mas também por causa das crises económicas, primeiro a crise da banca em 2008 e depois a chegada da troika em 2011. Aliás, foi precisamente nesta altura que a o ISF em Portugal atingiu o seu ponto mais baixo dos últimos 50 anos - 1,21 em 2013.

Para onde caminhamos

Para esta cientista social as perspetivas para a natalidade não são optimistas. E não é por causa das questões económicas, mas sim pela falta de incentivos. Porque apesar de haver mais mulheres a escolher ter menos filhos, a ter filhos mais tarde, ou a não os ter de todos, não há incentivos adequados para quem quer ter filhos. E não é de dinheiro que Lara Tavares fala.

“Um casal precisa de estabilidade financeira e social antes de ter filhos e para isso são precisas políticas de acesso a bons salários, bons empregos e a habitação a preços acessíveis. Não é com os cheques bébé que vamos lá. O valor é baixo e é um apoio naquele momento. Não se decide ter um bébé por causa disso. Não estimula a fecundidade”, considera.

“Para que as quedas da população não sejam dramáticas é preciso tornar a parentalidade mais atrativa”, diz Lara Tavares, cientista social e e coordenadora do novo doutoramento em Ciências da População da Universidade de Lisboa

O grande problema é a incerteza e especialista dá um exemplo: “Há estudos que mostram que a tendência de quebra de natalidade nos países nórdicos [estão, em média, com um ISF de 1,5 filhos por mulher] não tem a ver com a economia, porque são países ricos, mas sim pela incerteza crescente no mercado de trabalho com o aumento dos nómadas digitais e a evolução da tecnologia”, conta.

Se as perspectivas para a natalidade não são boas isso significa que também não o serão para o envelhecimento da população e para a diminuição da população activa. Mas não se pode obrigar os casais ou as mulheres a ter filhos, até porque foi a “positiva” evolução da sociedade que deu esse poder de escolha às mulheres, repara Lara Tavares.

Por isso é que a cientista social defende, como Pedro Góis, sociólogo e professor na Universidade de Coimbra, e Alda Azevedo, doutora em demografia, uma maior integração dos imigrantes no mercado de trabalho e na sociedade, com acesso a habitação, empregos e salários dignos que os mantenham cá e não os façam sair à procura de melhores condições. O que não é difícil de encontrar noutros países Europa, remata Pedro Góis.