5 Décadas de Democracia

O envelhecimento é inevitável. Como nos adaptamos?

Na vida real não há um elixir como o do filme “A Morte Fica-vos Tão Bem” que prometia a juventude eterna. Os portugueses vão ficar mais velhos e por mais tempo, graças aos avanços da medicina e à melhoria da qualidade de vida. E o Governo e a sociedade vão ter de se adaptar a isso, “criando políticas mais adequadas e de longo prazo” e sendo “mais inclusivos e tolerantes”. Não só com os mais idosos mas também com os imigrantes que, por causa da baixa taxa de natalidade, terão de compor a população ativa e contribuir para o aumento da produtividade do país

Ana Baptista (texto) e João Carlos Santos (ilustração)

Presente Entre isolamento, pensões baixas e “grandes desigualdades”

Portugal tem cerca de dois milhões de pessoas com 65 e mais anos. Parece pouco, mas no total da população, esse número coloca-nos como o quarto país mais envelhecido, num total de 50 em todo o mundo, apenas superado pelo Japão, Itália e Finlândia.

Só por si, estes números não são “uma fatalidade, porque são uma condição da evolução da medicina e da melhoria das condições de vida”, repara Maria João Guardado Moreira, coordenadora da Unidade de Investigação Interdisciplinar — Comunidades Envelhecidas Funcionais. O problema, diz Alda Azevedo, doutorada em demografia e investigadora no Instituto de Ciências Sociais (ICS), são as “grandes desigualdades” que existem nesta fatia da população. Começa logo nos rendimentos. “Temos mais de um milhão de pessoas a receber uma pensão inferior a €300 (...) e pessoas com mais de 80 anos que vivem apenas dessa reforma”, que tem de dar para pagar a casa ou o lar e as despesas com medicamentos e médicos, que tendem a aumentar com o avançar idade, diz Maria João Guardado Moreira. Ou seja, “quem tem mais dinheiro consegue ter mais condições de vida” e pagar uma casa, um lar ou ter acesso a melhores cuidados médicos, acrescenta Alda Azevedo.

Há depois as questões de género. “Não é a mesma coisa envelhecer homem e envelhecer mulher”, repara ainda Maria João Guardado Moreira. As mulheres vivem mais tempo que os homens (83,5 anos versus 78 anos, segundo dados do INE), mas os anos que vivem a mais são em piores condições de vida e de saúde. Isto porque uma grande parte das mulheres que têm agora 65 ou mais anos não descontaram para a Segurança Social e por isso recebem a pensão mínima.

Há ainda a discriminação que leva ao isolamento, uma realidade que se alastrou às cidades, onde os “idosos também já estão segregados”, diz Pedro Góis, sociólogo e professor na Universidade de Coimbra. Aliás, o idadismo nota-se nos transportes e passeios que não estão adequados aos mais velhos; nas habitações, muitas vezes sem elevador; mas, acima de tudo, na sociedade e no trabalho. “É preciso perceber que os mais velhos ainda têm muito para dar e podem continuar a participar na sociedade”, diz Maria João Guardado Monteiro. Até porque, “hoje, é-se velho mais tarde do que aos 65 anos. Há pessoas nessa faixa etária que têm uma vida ativa e não inspiram tantos cuidados”, acrescenta Alda Azevedo, algumas das quais voltam a estudar e a aprender outro ofício, nota o professor de Economia, Pedro Pita Barros.

Futuro Entre alargar os cuidados de saúde e seguir o exemplo de Castelo Branco

As projeções mais recentes do INE apontam para que cheguemos a 2080 com cerca de 36,8% de pessoas com 65 e mais anos. Ou seja, vamos todos ser velhos durante mais tempo, “é inevitável”, diz Isabel Galriça Neto, médica especialista em cuidados paliativos, “mas é também uma conquista”. É preciso é fazê-lo em condições mais dignas do que as que existem agora (ver texto ao lado).

Do lado dos rendimentos, assumindo que o sistema de pensões e de impostos não se altera, pode haver uma melhoria porque quem tem 40 ou 50 anos agora tem empregos mais qualificados, desconta mais, logo poderá ter direito a uma reforma maior. Mas a sociedade, as instituições e o Governo “têm de parar de pensar como até agora, tentando travar o envelhecimento — o que é impossível — e começar a pensar em como nos adaptamos a ele”, repara Alda Azevedo.

Desde logo nos cuidados de saúde, que “apostam mais na cura do que na prevenção”, diz a socióloga. Aliás, para o neurologista Joaquim Ferreira, “é um erro médico muito frequente andar à procura de uma cura quando há sintomas que se podem prevenir”. E às vezes é apenas uma questão de informação, como, por exemplo, na prevenção das quedas em casa, que são das maiores causas de perda de mobilidade nos mais velhos, sugere Alda Azevedo. Ou ter mais médicos a não desvalorizar sintomas, como “a perda de audição, que é um fator de risco para a demência”, ou “o esquecimento, que é encarado como uma inevitabilidade da velhice e não tem de ser”, refere Joaquim Ferreira.

Aliás, para o neurologista, “todo o modelo de cuidados tem de ser alargado, incluindo médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, apoio domiciliário”. Ou seja, “não é só o Serviço Nacional de Saúde que tem de responder aos problemas dos idosos, temos de ter outras entidades a dar esse apoio e não pode ser estarem todos institucionalizados”, diz Pedro Pita Barros.

Por exemplo, as câmaras e juntas de freguesia têm um papel relevante. “Há muitas que organizam passeios e caminhadas, o que ajuda porque o melhor tratamento para as doenças degenerativas é andar a pé”, repara Joaquim Ferreira. E “em Castelo Branco, onde mais de 29% da população tem 65 ou mais anos, promovem iniciativas como as bibliotecas móveis que, além dos livros, levam internet e ainda ajudam os mais velhos a tratar de assuntos vários. Isto faz mais por eles do que muitos cuidados de saúde”, conta Maria João Guardado Moreira.

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5 Décadas de Democracia

Até 2024, o Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) vão debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal, olhando para o futuro. Serão discutidos 10 temas — da economia à sociedade, passando pela saúde, política e ambiente. Acompanhe, nos próximos meses, no Expresso e na SIC Notícias.

Textos originalmente publicados no Expresso de 23 de junho de 2023