Ao longo de toda a tarde desta terça-feira, dezenas de médicos e especialistas em saúde juntaram-se em Lisboa a propósito da 4ª edição do Flu Summit, o evento dedicado ao debate sobre os desafios da gripe. Um dos convidados foi o dinamarquês Tor Biering-Sørensen, coordenador do estudo DanFlu, que teceu rasgados elogios à cobertura vacinal da população portuguesa. “Portugal tem feito um trabalho incrível na vacinação. Os números são impressionantes”, afirmou.
Os dados a que se referia Biering-Sørensen, responsável pela avaliação do impacto da vacina de dose elevada contra a gripe na Dinamarca, são do Vacinómetro (projeto da Sociedade Portuguesa de Pneumologia): mais de 83% dos idosos e cerca de 80% dos doentes crónicos estão vacinados. O país cumpre, assim, a meta de 75% estabelecida pela Organização Mundial de Saúde, em grande medida como resultado da organização logística da task force liderada pelo coronel Penha Gonçalves. “Vacinámos cerca de 2,1 milhões de pessoas até dezembro”, confirmou durante o evento organizado pela Sanofi e ao qual o Expresso se associou. Destes, aproximadamente 1,5 milhões de portugueses receberam as vacinas contra a gripe e covid-19 em simultâneo. “A adesão foi muito boa nas faixas etárias dos 70 e 80 anos. Antes disso verificou-se alguma quebra”, acrescentou Penha Gonçalves.
A prevenção é vista pelos peritos do Flu Summit como uma arma poderosa para evitar complicações médicas em grupos mais vulneráveis como os idosos e doentes crónicos. Carlos Robalo Cordeiro, diretor do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, recordou o impacto que episódios cardiovasculares e pneumonias têm nos doentes, assim como no Serviço Nacional de Saúde. “O custo médio anual dos internamentos hospitalares por gripe é de cerca de €3,9 milhões, mas os custos das hospitalizações relacionadas com a gripe [como episódios cardiovasculares ou infeções respiratórias] são superiores a €15 milhões”, assinalou. Os dados são do estudo BARI – Burden of Acute Respiratory Infections, que analisou as épocas gripais entre 2008 e 2018, e que refere que 46,2% dos doentes internados tinha mais de 65 anos.
Durante o evento houve ainda tempo para uma homenagem a Graça Freitas - cujo mandato à frente da Direção Geral da Saúde (DGS) terminou em dezembro - pelos serviços prestados ao país durante o período da pandemia. “Destacou-se claramente como uma líder nacional. É uma referência na saúde pública em Portugal e no mundo”, afirmou António Lacerda Sales. O antigo secretário de Estado da Saúde de Marta Temido fez questão de sublinhar a “amizade” e “gratidão” que guarda “pelo trabalho sempre incansável” da ainda diretora da DGS. O pneumologista Filipe Froes realçou que “Portugal e os portugueses têm uma dívida de gratidão” relativamente a Graça Freitas, que se despede das funções depois de “uma vida dedicada” ao serviço público.
Graça Freitas, que marcou presença num evento “entre amigos”, diz-se “muito agradecida” pela relação próxima com Lacerda Sales na gestão da pandemia e acredita ter feito “um grande trabalho” à frente da DGS. “Foi uma honra poder trabalhar e servir para fazer o bem possível pela saúde de todos nós”, assinalou.
Conheça as principais conclusões do evento:
Aumentar o acesso à vacinação
- António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, confirmou que está a ser preparado um documento de consenso entre as principais sociedades médicas nacionais sobre a importância da vacinação preventiva da gripe. “A principal recomendação é a vacinação destes grupos [idosos e doentes crónicos] e da vacinação de alta dose”, referiu.
- A vacina quadrivalente de dose elevada, considerada pelos estudos e pelos peritos como sendo mais eficaz, foi implementada pela primeira vez em Portugal nesta época gripal, mas apenas em idosos institucionalizados. “Todos devem ter a possibilidade de acesso a estas vacinas mais eficazes”, defendeu Paulo Almeida, da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
- Para o grupo de representantes das sociedades médicas, o investimento do Estado no alargamento dos critérios para utilização desta nova tecnologia é justificado pela relação custo-benefício. De acordo com o estudo dinamarquês liderado por Tor Biering-Sørensen, a mortalidade entre as pessoas vacinadas com esta vacina reduz-se significativamente. “Verificámos que no geral as pessoas com dose quadrivalente tinham 50% menos probabilidade de morrer”, apontou.
- Do lado dos doentes respiratórios crónicos, a presidente da associação Respira, Isabel Saraiva, lamenta que o Portugal invista “pouco” em prevenção e não encontra justificação para que os grupos vulneráveis não tenham acesso equitativo à nova vacina da gripe. “Posso não estar numa residência [para idosos] e ter as mesmas doenças. Isto é uma iniquidade absoluta no acesso”, criticou. A diretora-geral da Sanofi, Helena Freitas, elogiou o caminho percorrido pelo país na vacinação, embora considere “necessário refletir” sobre como aumentar a imunização “das pessoas mais vulneráveis”.