Depois das doenças cardiovasculares, o cancro é a segunda principal causa de morte na União Europeia. A deteção precoce e a prevenção são apostas apontadas como cada vez mais relevantes na luta contra a doença, mas também o desenvolvimento de novas terapêuticas tem permitido curar alguns tipos de cancro e melhorar a qualidade de vida e a sobrevida do doente. Estas e outras reflexões foram partilhadas, esta manhã, num encontro, na Fundação Oriente, em Lisboa, que reuniu médicos e responsáveis por algumas das principais sociedades e associações na área da saúde, e onde se discutiram temas como a inovação trazida pela sequenciação genética utilizada no diagnóstico; os problemas no acesso a tratamentos provocado pela heterogeneidade do país, o papel do cuidador e estratégias para uma chegada mais célere de medicamentos novos ao doente, tendo em conta a sustentabilidade do sistema de saúde.
“A ciência está à frente do que conseguimos fazer. Sabemos muito mais sobre biologia das doenças oncológicas, não conseguimos ainda aplicar ao dia a dia a maioria deste conhecimento. Aplicamos muito mais do que há anos, mas ainda não tudo”, lamenta Maria Gomes da Silva, diretora da Unidade de Hemato-Oncologia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, relembrando, porém, que este “acumular de conhecimento” se vai traduzindo em “pequenas alterações progressivas” que melhoram a qualidade e quantidade de vida dos doentes oncológicos.
A diminuição de custos e de tempos de resposta é uma preocupação dos especialistas, que apontam a uniformização de processos como um caminho a seguir. “A burocraia é muito grande e a inovação move-se a uma velocidade que não é compatível com o que a evolução implica. Também há assimetrias na Europa. A nova legislação farmacêutica, que vai ser aplicada a partir de 2026, vai ajudar à diminuição desse tempo”, diz Patrícia Alexandra Cavaco, presidente da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares (APFH).
O primeiro painel de debate contou com a participação de António Araújo, diretor do Serviço Oncologia Médica da Unidade Local de Saúde do Hospital de Santo António; Maria Gomes da Silva, diretora da Unidade de Hemato-Oncologia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa; Paulo Lúcio, diretor da Unidade de Hemato-Oncologia da Fundação Champalimaud; José Luís Passos Coelho, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia; Manuel Abecasis, presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia. Para o segundo painel, contribuíram as participações de Patrícia Alexandra Cavaco, presidente da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares (APFH); Raquel Chantre, vice-presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal.
Conheça as principais ideias e conclusões do encontro:
Acesso à inovação:
- Os sistemas em rede com laboratórios e cientistas europeus permitem o acesso às últimas tecnologias, diz Paulo Lúcio, que garante que esta posição oferece a Portugal “uma estrutura de suporte mais robusta” e acesso à mesma informação e aos mesmos medicamentos que os restantes países europeus.
- Cada vez mais há diagnósticos baseados em perfis genéticos. “Hoje em dia praticamente não fazemos tratamento nenhum sem sequenciacao genetica do tumor”, explica António Araújo.
- Células CAR-T, geneticamente modificadas em laboratório para reconhecer e combater especificamente as células cancerígenas no doente, são uma das inovações que têm sido mais utilizadas.
O que ainda é preciso melhorar:
- Tempo de aprovação dos medicamentos inovadores é ainda demasiado longo: “Faria sentido que estas abordagens pudessem ser mais integradas sobretudo ao nível europeu. São questões técnicas: se o medicamento cumpre, introduz-se, se não cumpre, não se introduz, diz Joaquim Cunha.
- A gestão dos orçamentos e recursos hospitalares é um desafio pelo que é preciso pensar num novo modelo sustentável que inclua cuidados fora dos hospitais. “Temos oportunidade num novo modelo de organização dos hospitais. Aproveitar a área dos cuidados de proximidade, dos cuidados de saúde primários, mas também na área da prevenção,” aponta Raquel Chantre.
Estratégias para conseguir melhor acesso a cuidados:
- Para Manuel Abecassis, é fundamental uma maior disponibilidade dos serviços sociais nos hospitais. “Parte substancial da população tem muita dificuldade em saber os benefícios a que tem direito”, conta.
- A valorização e apoio do papel do cuidador informal foi um aspeto sublinhado por vários especialistas, que acreditam que é preciso ir mais além, sobretudo em apoios e proteção em situações de cuidados a longo prazo.
- José Luis Passos Coelho reconhece que a doença debilitante e o tratamento prolongado são um tema crítico. Acrescenta que muitos doentes conseguem voltar a fazer uma vida normal, e que é preciso uma rede de apoio. “Tentar que muito seja feito de forma extra-hospitalar minimiza deslocações aos hospitais e minimiza riscos de hospitalização por complicações”, garante.
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