Geração E

Aos 16 anos, mais depressa é altura para o primeiro piercing do que para o primeiro marido: o aumento do registo de casamento de menores

Aos 10 anos é suposto brincarmos às escondidas, jogarmos à bola, irmos para o 1º. ciclo ler Sophia de Mello Breyner, não é suposto casarmos. Puxando a corda do humor, aos 16 anos, mais depressa é altura para o primeiro piercing, do que para o primeiro marido ou o primeiro filho. É imperativo que se proteja a infância, o direito a brincar, a crescer de forma saudável, com autoconhecimento emocional


No passado dia 31 de janeiro, o Parlamento aprovou a medida bloquista que propunha a subida da idade mínima para casar para os 18, quando antes era aos 16 anos. A esta medida opuseram-se o PSD e o CDS-PP e a IL absteve-se. No entanto, os votos a favor permitiram a aprovação da medida. Para além desta, também foi aprovada a proposta do PAN, alterando-se, assim, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo para que se passasse a incluir o casamento infantil, precoce e/ou forçado como uma situação de risco. Ambas as medidas seguem as recomendações do Livro Branco — Recomendações para prevenir e combater o casamento infantil, precoce, e/ou forçado.”

A verdade é que, anteriormente a esta aprovação, nos últimos cinco anos, como noticiado pelo Expresso, houve registo de quase 600 casamentos infantis em Portugal, sendo que, em 2022, o número de matrimónios em que um dos noivos tem 16 ou 17 anos aumentou face ao ano anterior. Mesmo tendo em conta estes números, não nos podemos esquecer de que isto não quer dizer que antes não houvesse, igualmente, uniões informais infantis, promovidas pelos pais das crianças, mas antes que houve registo destas uniões, já que se trataram de casamentos e não uniões informais.

De facto, Francisca Magano, Diretora de Programas e Políticas de Infância na UNICEF Portugal, afirma que há meninas de 10, 11, 12 anos em uniões informais, que, por consequência, abandonam a escola. Ora, entre uniões informais ou casamentos infantis, na prática significam o mesmo. O grande problema é que estas uniões informais não ficam registadas legalmente, já que não são legais, dificultando a sinalização destes casos.

Aos 10 anos é suposto brincarmos às escondidas, jogarmos à bola, irmos para o 1º. ciclo ler Sophia de Mello Breyner, não é suposto casarmos. Puxando a corda do humor, aos 16 anos, mais depressa é altura para o primeiro piercing, do que para o primeiro marido ou o primeiro filho. É imperativo que se proteja a infância, o direito a brincar, a crescer de forma saudável, com autoconhecimento emocional. Cabe aos adultos ter responsabilidade de garantir que as suas crianças tenham infância.

Ser pai e mãe é dos papéis mais importantes que se pode ter à face da terra: o dever supremo de cuidar e de amar. No entanto, são os pais e mães que incentivam as uniões informais das suas crianças. Há crianças prometidas em casamento ainda em bebés, como se tratasse de uma aliança antiga monárquica entre reinos. (E, ao contrário do que se possa pensar, este fenómeno não é exclusivo da comunidade cigana). Entre 2015 e 2023, em todo o país, foram reportados 836 casos de uniões com menores de idade, incluindo, 126 casos em que a união envolve crianças entre os 10 e os 14 anos e 346 casos em que envolve adolescentes entre os 15 e os 16 anos de idade. No entanto, devemos ter sempre em conta que estes são apenas os casos reportados, sendo que, com certeza, haverá muitos que vivem escondidos pela vontade dos pais das crianças. Como será o futuro destas crianças? Como será o futuro dos filhos destas crianças?

Além disso, não nos podemos esquecer que as pessoas que veem o seu futuro mais negligenciado quando se fala de casamentos infantis são as meninas, visto que, nos casos reportados, segundo dados do INE, nos últimos 10 anos, a proporção de raparigas em casamentos infantis manteve-se seguramente acima dos 70%, tendo chegado a valores próximos dos 90%. A verdade é que, graças à biologia e aos padrões sociais, são as raparigas que engravidam e mais depressa deixam os estudos para cuidar das crianças e da casa. Assim, só podemos concluir que o casamento infantil vinca fortemente as desigualdades de género.

Dado todo este panorama, que muitas vezes sai fora do radar, com a benção dos pais e a condenação do futuro das crianças, a UNICEF, embora felicite a alteração da lei que assinala os 18 anos como a idade mínima para o casamento, alerta para que se trate o problema como um todo. A nova legislação não impede as uniões informais de crianças. “É preciso investir no envolvimento das comunidades, capacitar as raparigas, combater a pobreza e a exclusão social, e apostar na educação”, como refere Francisca Magano.

A pré-adolescência e adolescência são, como muitas vezes apelidada, a idade da parvalheira e assim deve ser. É uma altura de autoconhecimento, de descoberta. É altura de fazer madeixas e escrever em diários. De ir à praia com os amigos, de ter o período pela primeira vez, de ter as primeiras paixonetas. Não é altura para viver em casal e ter filhos. Um pai ou uma mãe, que encaminhe (ou prometa) a sua filha/ o seu filho para uma união informal na infância ou na adolescência está-lhe a roubar o futuro, a pôr a mente dela numa jaula pré-formatada para ela, sem a ouvir, sem lhe dar liberdade de explorar quem ela quer ser. Desta forma, é preciso capacitar as crianças nas escolas e nas comunidades de que, se for este o futuro que os pais querem para elas, elas podem defender-se e reportar este tipo de comportamento.

A infância não pode ser roubada às crianças.