Apesar da debandada das multinacionais, ainda há capital estrangeiro a apostar na produção nacional.
A liderança na indústria portuguesa de calçado continua nas mãos do capital estrangeiro. Em Portugal desde 1985, a alemã Gabor tem, em Barcelos, o atual recorde nacional, com 1080 trabalhadores, uma produção diária de 12 mil a 13 mil pares de sapatos de senhora e vendas de €70 milhões.
"Continuamos cá porque acreditamos que a continuidade é importante para a qualidade, e os trabalhadores, quanto mais anos têm de casa, mais valiosos são", afirma o gerente administrativo Ralf Raseman, que também subcontrata produção de gáspeas (para a parte de frente dos sapatos, que cobre os dedos) em Portugal.
"O país continua a ser competitivo face à concorrência. O mais importante é a rapidez, a flexilidade da produção, a resposta a pequenas séries e a proximidade do mercado europeu", diz.
A qualificação da mão de obra nacional é, também, um dos argumentos da Mephisto para manter a fábrica de Viana do Castelo. Em Portugal desde 1986, a empresa francesa produz diariamente quatro mil pares de sapatos, "apostando num produto com valor acrescentado, em pequenas séries", explica o diretor financeiro Joaquim Puga. O lançamento de uns ténis que trabalham o músculo da perna e exigem mais mão de obra permitiu a contratação de 25 pessoas em 2009, passando a ter 455 trabalhadores e €20 milhões em vendas.
Entre falências, deslocalizações e emagrecimento, as empresas de capital estrangeiro respondem, no entanto, por uma quebra próxima de 500 milhões nas exportações nacionais de calçado desde 2000 e pela perda de 12 mil postos de trabalho. Juntas, as seis que continuam em Portugal representam hoje vendas de €190 milhões, 3300 empregos e apenas 11% das exportações.
Mesmo assim, há sinais positivos, como o que é dado pela Otter, "a ganhar encomendas". Há 21 anos a fazer calçado de segurança em Guimarães, aponta a "qualidade da produção lusa" como trunfo na conquista de clientes" descontentes com experiências asiáticas mal sucedidas. Sediada em Singapura, tem 120 trabalhadores e vendas de €12 milhões em Portugal.
O grupo das seis integra, ainda, a PCF-Produção de Calçado de Felgueiras, que em 2008 assegurava 354 postos de trabalho e vendas de €15,3 milhões aos alemães da Peter Kaise. Longe dos tempos em que empregava 1800 pessoas, a Ara, também alemã, concentrou a produção em Seia, numa unidade com 400 trabalhadores e vendas de €50 milhões. Quanto à dinamarquesa Ecco, ficou limitada a um centro de desenvolvimento em Santa Maria da Feira depois de encerrar a produção de sapatos e despedir 177 trabalhadores em 2009, devido à crise.
Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 14 de Agosto de 2010