Um grupo de sete países, entre os quais a Alemanha, a Dinamarca e a Holanda, divulgou esta segunda-feira uma carta defendendo que a reforma do mercado de eletricidade da União Europeia (UE) seja cautelosa e não ponha em causa os benefícios que o atual modelo de mercado tem proporcionado ao longo dos anos.
A carta conjunta envolve ainda a Finlândia, o Luxemburgo, a Letónia e a Estónia, e é divulgada no dia em que termina a consulta pública da Comissão Europeia sobre o redesenho do mercado europeu de eletricidade, tema acerca do qual Bruxelas já prometeu elaborar uma proposta de reforma, a apresentar até ao final de março.
“A integração do mercado de eletricidade da UE na última década trouxe enormes benefícios à UE, incluindo preços grossistas mais baixos, segurança de abastecimento e uma integração em larga escala de energias renováveis”, começa por contextualizar a carta conjunta.
Os sete países defendem agora que quaisquer alterações ao funcionamento do mercado de eletricidade não devem pôr em causa o modelo que funcionou no passado. “Quaisquer mudanças no desenho do mercado de eletricidade da UE devem ser direcionadas, baseadas numa avaliação de impactos e orientadas por princípios-chave”, refere a carta.
Entre esses princípios está o de “manter os benefícios da integração do mercado europeu de eletricidade”, com os países interligados e permitindo que os mercados com energia mais barata a possam exportar para os países onde ela é mais cara a cada momento. A carta lembra um estudo da agência europeia de reguladores de energia ACER segundo o qual o benefício anual das interligações europeias na última década ascendeu a 34 mil milhões de euros (face ao que a energia custaria sem interligações entre países).
Outra ideia-chave deixada pelos sete países é que se deve melhorar os incentivos para investir na transição verde. “Somos cépticos em relação a que a limitação de receitas [dos produtores] prevista no quadro temporário de emergência se torne uma função permanente do mercado normal, pois isso poderia comprometer a confiança dos investidores para os investimentos necessários”, refere a carta.
Os sete países defendem ainda que se assegure a eficiência dos mercados de curto prazo e que se otimize o funcionamento dos mercados de longo prazo. Os Estados-membros signatários manifestam as suas reservas sobre soluções de reforma que ponham em causa o princípio do mercado marginalista, argumentando que as rendas a tecnologias inframarginais (as que têm custos de produção inferiores às que marcam o preço do mercado, ou seja, tipicamente, as renováveis face às centrais a gás) são justificáveis se contribuírem para incentivar o investimento nessas tecnologias, acabando por minimizar os custos da produção de eletricidade como um todo.
A mesma carta também assume que os países “têm preocupações” relativamente à aplicação de contratos por diferenças (CfD na sigla em inglês) à produção despachável, ou seja, na fixação de remunerações garantidas a unidades de produção que podem ser mobilizadas a qualquer instante para responder às necessidades do sistema elétrico (como centrais a gás e centrais hidroelétricas, por exemplo). O argumento é o de que esse tipo de solução e de remuneração garantida pode gerar por parte desses produtores comportamentos de mercado contrários às necessidades do sistema elétrico.
Assim, “os CfD devem ser voluntários, não devem ser impostos retroativamente, devem focar-se em novos investimentos em energias renováveis, e os preços devem ser determinados por via de leilões competitivos”, defendem os sete países.
A receita destes Estados-membros para o redesenho do mercado de eletricidade aponta ainda a necessidade de reforçar a proteção dos consumidores, o que poderá passar por uma limitação do risco (e da exposição à volatilidade) nas carteiras dos fornecedores de energia. Do lado do consumidor final, este deve ter à disposição tanto tarifários indexados ao mercado grossista como tarifários fixos (o que já acontece em Portugal), para poder escolher o que mais lhe for favorável. A flexibilização da procura e o fomento de comunidades de energia são igualmente pontos a considerar, de acordo com os sete países.
Portugal defende quota mínima de contratação a prazo
No final de janeiro a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, aproveitou uma conferência da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) para elencar algumas das preocupações do Governo português neste redesenho do mercado.
Na conferência da ERSE, Ana Fontoura Gouveia sublinhou que a reforma do mercado terá do lado do Governo português três prioridades, a primeira das quais a “estabilidade e previsibilidade por via dos contratos de longo prazo”, à qual Portugal associará a defesa da referida “definição de um limiar mínimo de contratação a prazo”.
A governante sublinhou que o sistema elétrico português já conta hoje com cerca de 40% da produção coberta por contratos de longo prazo, mas não existe ainda, nem a nível europeu, nem a nível nacional, um requisito mínimo para contratos de longo prazo.
Um segundo eixo prioritário referido por Ana Fontoura Gouveia será a continuidade de “cláusulas de escape” para situações de preços excecionalmente elevados, como sucede atualmente com o mecanismo ibérico. Portugal e Espanha estão a trabalhar para apresentar uma proposta à Comissão Europeia para prolongamento do mecanismo (que terminará em maio).
O terceiro eixo que Portugal defenderá na reforma do mercado de eletricidade é “a promoção da resiliência do sistema elétrico”, o que passará pela dinamização de soluções de flexibilidade, num quadro de um mix de produção diversificado e assente em várias fontes.