Enquanto jogava bilhar e decidia se ia comer spaghetti a la bolognesa ou a la carbonara, o polémico artista britânico Damien Hirst estava longe de saber que, após aquele que foi considerado o maior leilão de obras de arte de um autor, o mercado iria iniciar um ciclo de queda. No momento actual, encontra-se no ponto mais baixo do ciclo e o leilão de um quadro de Rembrandt, em Dezembro, pode significar a retoma de um mercado que tem perdido milhões.
"A arte é melhor barómetro do que está a acontecer no nosso mundo. É melhor que o mercado de acções ou os debates no congresso", quem o disse foi o historiador Hendrik Willem Van Loon, uma citação que se pode aplicar aos dias que correm. Vista por uns como um elemento estético, por outros como um bom investimento, será que a arte é um bom activo para investir? Sim, dizem os entendidos na matéria, mas é preciso ter em conta que uma peça de arte tem um período de valorização longo e depende de vários factores.
Para além do aspecto estético, a arte tem sido considerada como uma forma de diversificar carteiras de activos, devido à fraca correlação com outras classes mais susceptíveis à volatilidade do mercado, como as acções ou obrigações.
Mas, a crise também toca o mercado de arte, por isso há que saber aproveitar as oportunidades, dizem os especialistas. A queda do mercado de arte começou em Setembro de 2008, após o leilão de Damien Hirst (na mesma altura da falência do banco Lehman Brothers). Com a díficil conjuntura económica, as instituições públicas e privadas de apoio à arte reduziram a aquisição de obras e, ao mesmo tempo, "um enorme volume de dinheiro que alimentava o mercado da arte, proveniente de fortunas de países como a Rússia, Índia e a Turquia, desapareceu literalmente", pode ler-se no relatório semestral do único fundo de investimento nacional que aposta neste mercado - o Art Invest, comercializado pelo Banif. Alguns bancos deixaram de financiar as aquisições de obras, chegando mesmo a encerrar as suas unidades de aconselhamento, como foi o caso da UBS. Como consequência, as principais leiloeiras internacionais deixaram de assegurar os preços mínimos e reduziram os valores mínimos de reserva.
Retornos entre 6 a 8 por cento
Actualmente, o mercado de arte vive "o ponto mais baixo do ciclo, após um momento inicial de alguma resistência à crise financeira global. Os leilões internacionais mais recentes têm revelado que a queda da liquidez e dos preços se instalou", afirma Carlos Firme, administrador da Banif Gestão de Activos.
No entanto, para os investidores que encaram este investimento como uma forma de diversificar as suas aplicações, "o horizonte temporal tem que ser alargado" e deve considerar "o ciclo económico completo, não apenas um determinado ponto do ciclo", explica o especialista.
É preciso ter vistas largas para apostar o seu dinheiro em arte, que continua a manter a sua atractividade e "o momento actual deve ser considerado como uma oportunidade para entrar no mercado", diz o gestor do Art Invest, indicando que os principais índices globais de arte apontam para retornos no longo prazo, entre 6 a 8 por cento, e há segmentos de mercado que podem apresentar valorizações mais expressivas.
Em tempos de crise, os segmentos mais estáveis e consagrados apresentam mais procura, como refúgio dos investidores. Os artistas contemporâneos, mais especulativos, sofrem mais neste contexto e é por essa razão que "momentos de correcção podem oferecer boas oportunidades nos segmentos de arte contemporânea". O que não deixa de ser um risco, como explica Miguel Amado, comissário de exposições e crítico de arte contemporânea, "se o objectivo for comprar agora para vender depois, o 'barato pode sair caro'", pois "quanto mais consagrado for o artista, mais segura é a sua valorização financeira a curto prazo".
Valorização quase certa
Mesmo numa altura em que a arte está mais barata, continua a ser um bom investimento? Sim, "porque raras são as obras que desvalorizam", responde Miguel Amado, critico de arte e curador da Fundação PLMJ.
Aqui, como em outros bens de consumo, prevalece a lei de mercado, em que o "valor de uma obra é o que alguém decide pagar por ela". A cotação varia em função de inúmeros factores, como as características da obra (visuais, escala, conteúdo), da carreira do artista e do percurso da própria peça. O reconhecimento dos pares e críticos é fundamental para a valorização económica, "quanto mais se valorizar culturalmente, através de um sistema de apreciação alicerçado nas opções dos especialistas, mais se valorizará economicamente e mais rentabilidade financeira terá".
A pintura, o desenho e a escultura (disciplinas clássicas) são as obras mais caras, pois são únicas em comparação com a fotografia ou o vídeo e aqui prevalece o critério da antiguidade e de raridade do meio de expressão. "Não quer dizer que todas as pinturas valham mais do que todas as fotografias, a obra de um fotógrafo consagrado custa mais do que a obra de um pintor em início de carreira, por exemplo", explica o especialista em arte.
Onde encontrar arte?
Se pretende iniciar-se nesta aventura, aconselhe-se junto de quem percebe. Nada como conhecer bem o mercado, para poder tomar a opção certa. "O melhor é começar por frequentar as galerias" e estabelecer contactos, aconselha Miguel Amado. "Para obras de artistas que já não trabalham ou obras antigas, o leilão pode ser uma boa alternativa. Os antiquários raramente vale a pena visitar, excepto quando o interesse é arte antiga". Para aceder a uma selecção ampla de galerias, o melhor é visitar uma feira de arte, como a organizada em Lisboa e noutras cidades (Madrid, Londres, Paris, Basileia, Colónia, Miami, Nova Iorque, etc).
Caso esteja interessado em entrar pelo mundo das artes, existem em Portugal leiloeiras que se dedicam exclusivamente a este mercado. É o caso da Cabral Moncada Leilões, empresa especializada em antiguidades e obras de arte (clássicas ou contemporâneas), que faz peritagens, consultoria, avaliações e leilões e no próximo dia 23 de Novembro, vai promover um leilão que se dedica exclusivamente à arte moderna e contemporânea. A São Domingos vai levar a cabo um leilão de arte antiga e pintura contemporânea nos dias 1, 2, 3 e 4 de Dezembro. Pode ainda consultar a programação da Sala Branca e da James Lisboa.
Porém, se o seu objectivo é comprar peças de arte dignas de museus, feitas por artistas mundialmente conhecidos e que à partida já sabe que valorizam, tem que ficar de olho na programação de leiloeiras como a Christie's, onde em Dezembro vai ser leiloado o quadro de Rembrandt, e Sotheby's.
Investir com arte
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Rute Marques