Boas e Baratas

Ações: Boas & Baratas

Aproveite o pé de meia que sobrou do descanso anual para seguir a estratégia de investimento que rendeu mais de 11% por ano desde 2003.

David Almas (www.expresso.pt)

O regresso de férias é uma altura propícia a investir na Bolsa: a cabeça está fresca e aberta a novas propostas e, se tudo correu bem, sobrou algum dinheiro do subsídio de veraneante que pode ser usado para reforçar uma carteira de investimentos. Porém, quando se pensa em investir na Bolsa, uma dúvida persiste: "Devo seguir a opinião dos analistas e especialistas do mercado ou seguir a minha intuição?" Um dos principais riscos de eleger ações para uma carteira é que as decisões estão demasiado expostas às emoções. Os investidores tendem a "apaixonar-se" por alguns títulos ou sectores, sem razão para tal. Muitas vezes, os portefólios acabam por ser arrastados para o fundo por causa de uma ação mais sexy. Felizmente, é possível retirar qualquer tipo de subjetividade da escolha de ações. Basta confiar nos números. É o que as Boas & Baratas - uma estratégia automática de seleção de ações -têm feito desde 2003. Os resultados da tática quantitativa surpreendem: um ganho anual de 11,27% nos últimos sete anos, bastante acima das soluções alternativas.

As Boas & Baratas permitem que seja um investidor frio e calculista. Munido apenas dos mapas contabilísticos das sociedades cotadas e de uma calculadora ou papel e lápis, pode replicar esta estratégia, riscando as emoções da sua carteira de ativos. Antes de começar saiba que as ações eleitas para este artigo foram selecionadas junto das Bolsas mais acessíveis aos investidores nacionais: Lisboa, Madrid, Paris, Amesterdão, Bruxelas, Frankfurt, Londres e Nova Iorque. Contudo, a escolha cingiu-se aos títulos que compõem os índices mais restritos, por exemplo, o PSI-20 em Portugal e o Standard & Poors 100 nos Estados Unidos da América. O universo do qual foram retiradas as Boas & Baratas contava com 368 ações.

Boas: procure firmas que crescem

O Santo Graal do investimento acionista são os lucros. Todavia, ainda melhor do que uma firma que apresenta lucros é vê-los a crescer. É por isso que a primeira regra do modelo das Boas & Baratas é encontrar empresas que apresentam crescimentos elevados dos lucros. Mais tarde ou mais cedo, esses resultados líquidos serão convertidos em dividendos, a principal remuneração dos acionistas. Nesta pesquisa procura-se as companhias que registaram crescimentos anuais dos lucros superiores a 10% nos últimos cinco anos. Porém, é natural que o forte crescimento dos resultados tenha reflexos no preço das ações. Para evitar adquirir ações sobrevalorizadas impõe-se que o preço dos títulos não possa ultrapassar o equivalente a 12 vezes o lucro por ação obtido ao longo do último ano. Esta condição é o mesmo que impedir a compra de ações de empresas com rácio preço-lucros superior a 12, quando a médio do mercado é de 27. O rácio preço-lucros (conhecido na terminologia inglesa por PER ou P/E) é um dos mais populares entre os investidores. Os dois critérios impostos - crescimento anual dos lucros superior a 10% e preço-lucros inferior a 12 - permitem encontrar quatro 'boas' ações: a mineira norte-americana Freeport-McMoRan Copper & Gold, o banco de investimento Goldman Sachs e as construtoras Mota-Engil e Obrascon Huarte Lain, de Portugal e Espanha, respetivamente.

Baratas: Compre abaixo do valor justo

Quanto está disposto a pagar por uma sociedade que irá vender aos pedaços? É essa a pergunta que deve responder para encontrar firmas baratas. Se Belmiro de Azevedo o deixasse lançar com sucesso uma oferta pública de aquisição sobre a Sonae Indústria, bastava que tivesse 314 milhões de euros, um valor que ultrapassa ligeiramente a capitalização bolsista da firma (140 milhões de ações a €2,24, ou seja, 313,6 milhões de euros). Depois de a controlar, poderia exigir dos clientes cerca de 202 milhões de euros, segundo o balanço a 30 de junho, mas teria de pagar 490 milhões aos fornecedores, aos bancos e a outros credores de curto prazo. Se tiver tempo, ainda consegue vender os contraplacados e outros derivados de madeira que estão nos armazéns (que valem cerca de 144 milhões de euros), recupera algumas dívidas (39 milhões de euros) e vende as fábricas e equipamento (1023 milhões de euros), a que junta o dinheiro que está no banco (cerca de 20 milhões de euros). No final, por algo que lhe custou menos de 314 milhões de euros recebeu 938 milhões. Há melhor desconto? Obviamente, esta lógica é muito simplista. Há outros elementos do balanço importantes, como as dívidas de longo prazo. No espírito da tática das Boas & Baratas, uma ação é barata se a sua margem de manobra - que resulta da soma do ativo circulante e das imobilizações corpóreas menos os passivos circulantes - for superior à capitalização bolsista da empresa, que é o valor de mercado de todas as suas ações. Foi assim que se encontraram os títulos da construtora espanhola Ferrovial e das portuguesas REN, Sonae e Sonae Indústria.

Boas e Baratas: o melhor de dois mundos

Ao aliar as regras para encontrar as 'boas' ações - um forte crescimento dos lucros e um rácio preço- lucros baixo - e o modelo para serem 'baratas' - uma margem de manobra superior ao valor de mercado -, descobre-se quatro ações Boas & Baratas: a elétrica inglesa International Power, a norte-americana Ford Motor, a gasífera espanhola Enagás e portuguesa EDP. Antes de ligar ao seu intermediário financeiro, há algumas coisas que deve saber. Para começar, as Boas & Baratas compram-se à dúzia, isto é, as oito ações indicadas atrás também fazem parte da estratégia. Depois, não se esqueça que as ações são ativos voláteis: o risco envolvido é elevado. Além disso, há custos envolvidos na compra, venda e manutenção de ações, incluindo os impostos sobre as potenciais mais-valias. É por isso que se recomenda que invista pelo menos €2500 em cada título de cada vez, o que significa que precisa de 30 mil euros para replicar com sucesso a estratégia das Boas & Baratas. Só investindo mais de €2500 de cada vez é que consegue diluir todos os custos envolvidos nas operações.

Embora os últimos três anos não tenham sido exemplares para os investidores bolsistas, a estratégia das Boas & Baratas conseguiu acumular uma rendibilidade de 110,69% desde Agosto de 2003, quando foi lançada. Esse registo reflete um avanço anual médio de 11,27% das ações eleitas anualmente entre agosto e setembro, mais do dobro do desempenho médio dos títulos europeus (5,21% por ano) e muito além da performance das ações norte-americanas (0,78%). Mesmo frente ao universo da gestão de activos, as Boas & Baratas fazem boa figura. Em média, os fundos de investimento comercializados em Portugal renderam anualmente 3,49% por ano desde o final de Agosto de 2003. Contam-se pelos dedos os produtos que renderam mais do que as Boas & Baratas nos últimos sete anos. O destaque é dos fundos que investem na América Latina. O BPI Brasil, por exemplo, acumulou 17,10% por ano. As ações selecionadas no ano passado avançaram apenas ligeiramente (+0,18%). A Norfolk Southern (37,46%), a EADS (23,76%) e a Obrascon Huarte (12,98%) foram as que mais escalaram, embora a Raytheon (7,58%), a Telefónica (4,24%) e a Petrobras (0,91%) também tenham ajudado. A Mota-Engil (-34,09%), a EDP (-15,89%) e a Gas Natural SDG (-15,07%) foram as que mais desvalorizaram, seguidas de perto pela Sonae Indústria (-9,71%), pelo Banco Santander (-9,20%) e pela Sonae SGPS (-0,83%).