Economia

Crónica de uma OPA anunciada

Futuro da Cimpor está traçado desde que as brasileiras Camargo Corrêa e Votorantim passaram a ter juntas mais de 50%. Uma OPA e o posterior desmantelamento é o cenário mais provável-e a Camargo é a mais bem posicionada para o fazer. (Texto publicado no Expresso em 17 de setembro de 2011).

Anabela Campos e Pedro Lima (www.expresso.pt)

O controlo da Cimpor, a maior cimenteira portuguesa, por um dos acionistas brasileiros, que hoje, em conjunto, têm mais de 50%, poderá estar próximo. A Camargo Corrêa posiciona-se para já como a favorita.

Quando no início de 2010 três grupos brasileiros se guerrearam pela compra da empresa, logo se percebeu que o destino da Cimpor - presente em 12 países e considerada uma referência no sector a nível mundial - estava traçado. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi derrotada em toda a linha, mas a Camargo Corrêa e a Votorantim ficaram com posições muito fortes (de 32,9% e 21,2%, respetivamente), para 'memória futura'.

Agora é a Camargo, um dos maiores conglomerados brasileiros, que vai claramente à frente na corrida ao controlo da Cimpor, não só porque tem mais ações mas porque tem uma estratégia - que não esconde - de aproximação a Portugal.

Foi a seu convite que Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, esteve na semana passada em Lisboa. A visita do popular ex-presidente foi lida como uma ação de charme, uma forma de aproximação ao novo governo português. Aliás, na conferência de Lula, vedada à comunicação social, estavam presentes os ministros portugueses da Economia, Defesa e Segurança Social.

Desmantelar a Cimpor? O destino da Cimpor - tornar-se uma subsidiária de um destes grupos brasileiros ou ser pura e simplesmente dividida entre eles - pode estar prestes a materializar-se. O desmantelamento com divisão de ativos é uma possibilidade e poderá ser a opção que mais interessa à Votorantim e à Camargo.

Aliás as empresas estão a ser pressionadas pelo regulador da concorrência desde que compraram a Cimpor por excesso de concentração, especialmente a Votorantim que detém cerca de 50% do mercado de cimentos brasileiro.

O tempo corre a favor dos brasileiros. Já passaram cerca de 18 meses desde que entraram na Cimpor e Portugal está fragilizado por uma intervenção externa, que poderá 'obrigar' à venda de ativos por parte dos acionistas portugueses, a Investifino e a CGD.

Da administração a mensagem que sai é que, para já, a estrutura acionista da Cimpor está pacificada. A empresa vai fazendo o trabalho. Anunciou novos investimentos no Brasil e em Moçambique e as ações seguem com tendência positiva.Não há no entanto dúvidas de que a manutenção desta estrutura fracionada é insustentável.

A Cimpor pode ser um bom investimento, mas não foi só por isso que Camargo e Votorantim entraram no seu capital.Perante a discrição da Votorantim, observa-se um ativismo exuberante por parte da Camargo neste projeto de controlar a Cimpor, que não surpreende. A Camargo foi clara desde o início, disse logo ao que vinha. Queria ficar com toda a Cimpor, tal comoa CSN, mas, emvez de se lançar numa oferta pública de aquisição (OPA), decidiu negociar.

Fez campanha de relações públicas.O presidente da Camargo Corrêa Cimentos (CCC), José Edison, deu várias entrevistas.Abriu, com pompa e circunstância, um escritório em Lisboa, na Avenida da Liberdade, a 15 de dezembro. Fez questão de anunciar a mudança de nome da CCC para Intercement em campanhas na comunicação social portuguesa. E organizou agora a vinda de Lula, de que resultou a declaração de forte interesse do Brasil em alguns negócios em Portugal.

Pelo meio, mais uma mensagem: a Camargo não quer apenas cimentos, admite entrar noutras áreas - a construção é uma hipótese - e não fecha a porta a lançar uma OPA sobre a Cimpor. Aliás, no final de julho, Kalil Cury Filho, diretor das relações institucionais da Camargo, disse que não estava colocado de parte, a prazo, o lançamento de uma OPA sobre a Cimpor.

É por isso que, entre lançar uma OPA ou negociar já a divisão da Cimpor, é quase certo que o cenário de uma OPA negociada será o preferido. Desintegrar a Cimpor causaria certamente consternação em Portugal.

Já uma OPA não teria provavelmente qualquer reação por parte do Governo, que já deixou claro não ver problemas na compra de empresas portuguesas por grupos estrangeiros. Pelo contrário, considera positivo, porque é sinal de que o país continua a captar investimento.

Quem vende? Determinante em todo este puzzle é a posição do empresário Manuel Fino - 20,3%, dos quais 9,6% estão nas mãos da CGD desde 2009, como reforço da garantia de uma dívida ao banco da Investifino. Esta empresa tem até fevereiro para recomprar estas ações, por um preço próximo de €5,1, o que representaria um investimento em torno dos €320 milhões. Dificilmente o fará dadas as atuais circunstâncias do país.

Outra posição a ter em conta são os 10% do fundo de pensões do BCP, que chegaram a ser negociados no momento da OPA da CSN, sem sucesso. Esta posição poderá entretanto ser vendida antes de o fundo ser transferido para o Estado. Não se sabe se será ou não. Contudo, se estes 10% forem parar ao Estado, deverão acabar por ser alienados.Já a Votorantim tem um acordo por 10 anos com a CGD, que lhe dá o direito de preferência no caso de a Investifino não querer comprar os 9,6% e o banco estatal os quiser vender.

E a pressão para vender será grande. Ao Expresso a Votorantim dá a entender que está na Cimpor para ficar. "A participação na Cimpor está vinculada a um acordo firmado com a CGD, em 9/2/2010, e a empresa pretende cumprir os compromissos previstos nesse acordo", frisa. Na CGD, o acordo é visto como intocável, ou seja, esta posição na Cimpor deverá figurar no fim da lista das prioridades em termos de venda.Ações quase indiferentes à crise.

A Cimpor é claramente uma das ações estrela da Bolsa de Lisboa. Tem passado quase incólume à tempestade que fustiga a praça portuguesa e as suas congéneres, numa crise sem fim à vista.Num mercado onde há títulos a perder 50% do seu valor em 2011, a Cimpor regista uma perda de apenas 3,8%.E tem as ações a cotar-se a €4,87, ou seja, mais próxima do que distante dos €6,3 a que chegou na altura da OPA. É também interessante a sua capitalização bolsista.A Cimpor vale atualmente em mercado €3,2 mil milhões.

Mais do dobro do BCP (€1,4 mil milhões) e cinco vezes mais que a Semapa, holding que controla a concorrente Secil e que vale €636 milhões.Porquê este desempenho invejável? Porque a Cimpor é uma das melhores multinacionais portuguesas, a décima maior cimenteira do mundo, e está presente em vários mercados em forte crescimento, como é o caso do Brasil, China, Índia ou Turquia. São 12 os países onde a cimenteira está e o objetivo é continuar a expandir-se no exterior.Além disso, Portugal já pesa pouco nas contas- apenas 20% dos resultados -, o que é uma vantagem num país que poderá permanecer um longo período em ambiente recessivo. O pico do consumo do cimento em Portugal aconteceu em 2001, a partir daí a tendência tem sido de queda e não mudará tão cedo.