Contas Públicas

Montenegro herda excedente de €3,19 mil milhões de Medina, o equivalente a 1,2% do PIB

Novo governo recebe das mãos de Costa um excedente de 1,2% do PIB, inédito na democracia portuguesa, e 0,4 pontos percentuais acima face ao antecipado no Orçamento do Estado para 2024. A dívida pública fica nos 99,1% do PIB

Clara Azevedo/ Gabinete do primeiro-ministro

Confirma-se: o excedente orçamental previsto pelo Governo para 2023 acabou por ficar muito acima do previsto. O “brilharete” - como tem sido chamada esta margem, quer de forma depreciativa quer elogiosa - ficou muito acima do excedente de 0,8% antecipado pelo anterior Governo, tendo alcançado os 1,2% do produto interno bruto (PIB), anunciou esta segunda-feira, 25 de março, o Instituto Nacional de Estatística (INE). O excedente, em termos absolutos, é de 3194 milhões de euros.

É o maior excedente da democracia e é um regresso ao equilíbrio das contas públicas desde o superávit de 0,1% em 2019, ainda Mário Centeno era ministro das Finanças, o primeiro excedente desde 1974. Em 2022, ano durante o qual ainda se sentiram de forma aguda os efeitos da pandemia da covid-19 somados aos da guerra na Ucrânia, o Estado apresentou um défice orçamental de 0,4% do PIB.

O excedente maior que o antecipado teve origem “principalmente no subsetor dos Fundos de Segurança Social, uma vez que os subsetores da Administração Central e da Administração Regional e Local apresentaram saldos negativos”. A subida das receitas foi “em grande medida impulsionada pelo aumento da receita corrente”, que mais do que compensou o aumento da despesa em remunerações e juros.

A dívida pública, por sua vez, ficou abaixo dos 100%, nos 99,1% em 2023.

O excedente fica acima das previsões de entidades como o Fundo Monetário Internacional, que previa um défice de 0,2% do PIB para 2023; da OCDE, cuja estimativa sugeria um excedente de 0,8%; do Conselho de Finanças Públicas, que assumia um superávit de 0,9%; e do Banco de Portugal, que antecipava um excedente de 1,1% para o ano passado.

Este excedente inédito na vida democrática portuguesa é anunciado num período de transição entre dois governos e está a ser tema central no debate político. Especula-se que o governo minoritário da AD liderado por Luís Montenegro vá usá-lo para cumprir parte, ou todas, as promessas eleitorais que fez a vários grupos profissionais do Estado que reivindicam aumentos salariais e a contabilização de anos perdidos nas carreiras. O excedente “excessivo” está, entretanto, a provocar desconforto entre as fileiras do PS, agora na oposição, incomodados com o dinheiro em caixa que poderia ter sido utilizado no poder para satisfazer exigências salariais. E que agora será um presente para o novo governo.

Mário Centeno, agora no papel de governador do Banco de Portugal, disse na sexta-feira que o excedente orçamental é uma forma de acautelar menos dificuldades no caso de mudança do ciclo económico. “Portugal viveu 80% dos dias, entre 2000 e 2017, em procedimento de défice excessivo. Não queremos lá voltar (…) Se não acautelarmos a margem financeira que nos permita gerir as próximas crises o país corre os mesmíssimos riscos que correu no passado", alertou, sublinhando que as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) regressarão já em 2025 depois de quatro anos suspensas devido à pandemia.

As razões do excedente histórico

Para se alcançar este novo excedente, o segundo da história democrática do País e o mais alto desde o fim do Estado Novo, o INE aponta dois grandes fatores: o mercado de trabalho, numa altura em que o emprego é historicamente alto, e a inflação, que provocou uma subida do encaixe nos impostos sobre a produção e importação.

Assim, explica-se o porquê do INE associar o excedente ao saldo positivo dos Fundos da Segurança Social, que englobam todos os fundos relativos a prestações sociais, como pensões, subsídios de desemprego ou de invalidez e o rendimento social de inserção. Em 2023, o excedente deste agregado foi de 5,67 mil milhões de euros.

Os restantes dois agregados que constituem o Estado, a Administração Central e a Administração Regional e Local (isto é, o Estado central e os “braços” locais, respetivamente), apresentaram saldos negativos de 2,33 mil milhões de euros e 148 milhões de euros, respetivamente. Porém, o Estado central conseguiu melhorar significativamente o saldo em 2023, já que em 2022 o défice deste agregado em específico foi de 4,95 mil milhões de euros. O Estado a nível local agravou-o, contudo, face ao défice de 91 milhões de euros em 2022.

O Estado angariou no ano passado 115,6 mil milhões de euros em receitas (43,5% do PIB), ao passo que a despesa ficou abaixo deste valor: 112,4 mil milhões de euros (42,3% do PIB, diminuindo face a 44,1% em 2022)

A diferença entre a receita e a despesa destes três agregados - Fundos da Segurança Social, Administração Central e Administração Regional e Local - dá o excedente líquido histórico de 1,2% do PIB, de acordo com estes dados preliminares do INE.

O bom desempenho das receitas

O INE explica que este aumento de 9% das receitas (em termos absolutos mais 9,5 mil milhões de euros do que em 2022) deveu-se principalmente à subida de 8,1% da receita corrente, mais 8,5 mil milhões de euros.

O impulso foi dado com mais contribuições sociais (mais 10,4%, ou 3,1 mil milhões de euros) e com mais impostos sobre o rendimento e o património (uns 10,7%, ou 2,8 mil milhões de euros, adicionais), a entrar nos cofres do Estado no ano passado. Mais emprego e melhores salários implicam um aumento proporcional do encaixe para o Tesouro em descontos tanto da Segurança Social como em sede de IRS, na dimensão dos rendimentos, ou IMI, IMT ou Imposto do Selo, entre outros, do lado da tributação sobre o património.

Entretanto, as receitas de impostos sobre a produção e a importação subiram 5,8% em 2023, mais 2,1 mil milhões de euros do que em 2022, espelhando a tendência de subida de preços, vulgo inflação.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi responsável, por sua vez, por um salto de 68,9% da receita de capital, mais mil milhões de euros face a 2022. Receita essa que é “registada em Contabilidade Nacional no mesmo momento em que ocorre a despesa de capital, garantindo a neutralidade dos fundos europeus no saldo das AP”, salienta o INE.

“Na estrutura da receita, destaca-se, face a 2022, a diminuição do peso relativo em 1,0 ponto percentual (p.p.) dos impostos sobre a produção e a importação, que, não obstante, se mantêm como a principal fonte de receita pública, correspondendo a 33,3% da receita total. Dado o crescimento da atividade económica e do mercado de trabalho, quer as contribuições sociais, quer os impostos correntes sobre o rendimento e o património aumentaram o seu peso relativo na receita total em 0,4 p.p., para 28,3% e 24,6%, respetivamente”, especifica o INE.

Despesa com juros volta a subir

A despesa do Estado cresceu 5,2% de 2022 a 2023, tendo a despesa corrente aumentado abaixo da despesa de capital. Isto é, a despesa pública com bens e serviços (o que inclui salários, subsídios, juros, e consumos) cresceu a um ritmo menor - 4,6% - do que a despesa com investimento, que deu um salto de 11,1%.

Os aumentos salariais na Função Pública foram um fator significativo para a subida da despesa geral, com a despesa com remunerações a aumentar 7,6%, ou quase 2 mil milhões de euros, em 2023; ao passo que o gasto com juros - decorrente da subida rápida das taxas de referência pelos bancos centrais - disparou 23,3% em 2023, mais mil milhões de euros do que no ano anterior. Desde 2015, ano em que os custos de financiamento começaram a decrescer para o Estado, que Portugal não gastava tanto com juros, assinala o INE.

O Estado gastou também mais 4,1% em prestações sociais, 1,7 mil milhões de euros em termos absolutos, devido às “atualizações das pensões enquadradas no regime geral da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, bem como o aumento no número de pensionistas”, segundo o INE.

O impacto da guerra na Ucrânia nas prestações sociais foi menor em 2023, calculado em 580 milhões de euros nesse ano, significativamente abaixo dos 2 mil milhões de euros despendidos em 2022.

“Nas restantes rubricas da despesa corrente, salienta-se a redução de 25,5% dos subsídios pagos, refletindo a diminuição do valor associado ao registo, como subsídios pagos, da alocação adicional de verbas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN) para redução das tarifas de eletricidade, uma das medidas de mitigação do impacto do choque geopolítico, que foi de 650 milhões de euros em 2022 e de 200 milhões de euros em 2023”, destaca o INE.

As despesas de capital, entretanto, aumentaram o seu peso nas contas do Estado, tendo crescido graças aos fundos já citados do PRR.

O INE assinala que se mantiveram os níveis elevados de transferências de capital (como subsídios ao investimento e outras transferências sem contrapartida para o Estado) registados em 2022, devido a “várias medidas extraordinárias” como a reprivatização da Efacec, que custou ao Estado, em termos líquidos, 166 milhões de euros.

Salientam-se também “o registo de perdas adicionais de créditos não passíveis de recuperação detidos pela Parvalorem S.A. (916 milhões de euros), a conversão de ativos por impostos diferidos (DTA) do Novo Banco em crédito tributário reembolsável (117 milhões de euros) e ainda o registo de uma sentença do Supremo Tribunal Administrativo, que determinou o pagamento de 228 milhões de euros pelo Estado à EDP, como devolução do montante pago em 2009 pelos direitos de exploração da concessão da barragem do Fridão, cuja construção não ocorreu”, detalha o INE.

“Em consequência, a despesa corrente perdeu importância relativa no total da despesa (-0,5 pontos percentuais), por contrapartida do aumento do peso da despesa de capital, de 8,6% em 2022, para 9,1% em 2023”, explica.

“A despesa com prestações sociais, exceto transferências sociais em espécie, diminuiu de 37,5% da despesa total para 37,1%, em oposição ao crescimento do peso relativo das remunerações dos empregados (de 24,2% para 24,7%) e dos encargos com juros (de 4,4% em 2022, para 5,1% em 2023)”, remata o INE.