Trabalho

Mais de três quartos dos trabalhadores domésticos não têm descontos: Governo quer despenalizar omissão de contrato

Em Portugal, 77% dos trabalhadores domésticos não têm descontos para a Segurança Social. Salário médio é de 358€, muito abaixo do mínimo nacional. Governo quer acabar com crime por omissão de contrato, levantando críticas sobre risco de mais informalidade

JOSE CABEZAS

Em Portugal, o setor do trabalho doméstico continua marcado pela informalidade, baixos salários e reduzida proteção social. Em 2024, havia 220,4 mil trabalhadores registados na Segurança Social, mas apenas 23% — cerca de 51,5 mil — tinham contribuições declaradas, revelam dados oficiais enviados pelo Instituto da Segurança Social (ISS) à Lusa.

77% dos trabalhadores sem descontos

O número de trabalhadores oficialmente inscritos manteve-se estável nos últimos três anos, mas a percentagem com descontos é consistentemente inferior a um quarto do total. Em 2022, 23% declaravam contribuições; em 2023, o valor subiu ligeiramente para 24%, recuando novamente para 23% em 2024.

Segundo o Livro Branco Trabalho Doméstico Digno, editado em abril de 2024 pelo Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD) com o apoio da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), 48% das trabalhadoras não fazem descontos, sendo os empregadores — maioritariamente pessoas singulares — quem assume, “na grande maioria dos casos”, o pagamento.

O mesmo estudo aponta para uma descida de 69% no número de trabalhadoras domésticas com declarações à Segurança Social entre 1990 e 2022, apesar de o número de entidades empregadoras ter aumentado 42% no mesmo período.

Salários abaixo do mínimo nacional

Em dezembro de 2024, o salário médio declarado no setor era de 358 euros por mês, valor inferior ao salário mínimo nacional (820 euros). Desde 2022, a remuneração média aumentou 40 euros, mas manteve-se muito abaixo da retribuição mínima legal.

Quando o trabalho é pago à hora, o valor declarado para efeitos de contribuição é de 3,01 euros, mesmo que o pagamento real seja superior. A lei obriga a declarar um mínimo de 30 horas por mês, e a taxa contributiva total é de 28,3% (18,9% a cargo do empregador e 9,4% do trabalhador).

Não fazer descontos compromete o direito a pensão de velhice, subsídio de desemprego, subsídio de doença, subsídios de parentalidade e subsídio de Natal e férias.

Governo quer despenalizar omissão de contrato

O anteprojeto de reforma laboral “Trabalho XXI”, apresentado pelo Governo de Luís Montenegro, prevê acabar com a criminalização da omissão da comunicação da admissão de trabalhadores à Segurança Social — regra que desde maio de 2023 podia levar a penas de prisão até três anos ou multa até 180 mil euros para empregadores que não declarassem contratos no prazo legal.

O gabinete da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, não explicou as razões da medida nem o seu potencial impacto na evasão fiscal e contributiva.

Advogados ouvidos pela Lusa alertam para o risco de agravamento da informalidade. Madalena Caldeira, da Gómez-Acebo & Pombo, considera que “a ausência de uma consequência penal pode ser interpretada como um enfraquecimento da tutela do Estado”, aumentando a vulnerabilidade dos trabalhadores. Rita Robalo de Almeida, da Antas da Cunha Ecija, sublinha o papel preventivo da criminalização “numa perspetiva psicológica” e antecipa “um incremento significativo” da evasão se a alteração não for acompanhada por fiscalização reforçada, campanhas de sensibilização e simplificação dos procedimentos declarativos.

Mesmo com a mudança, manter-se-á a obrigação de declarar os contratos e o incumprimento continuará sujeito a coimas, mas não a pena de prisão ou multa criminal.