A Associação Empresarial de Portugal (AEP) pede ao governo que canalize um mínimo de 67% dos fundos comunitários do Portugal 2030 para as empresas de modo a contrabalançar os dois terços alocados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ao sector público.
Eventuais reprogramações do PRR também devem reverter integralmente (100%) a favor das empresas. É o caso dos investimentos do Estado “em risco claro de não execução” devido à ineficiência da máquina administrativa, aos atrasos provocados pelas eleições antecipadas ou ao aumento expressivo dos custos da construção.
Esta reorientação dos fundos europeus em prol da reindustrialização e da competitividade do país é uma das principais propostas do estudo divulgado esta terça-feira pela AEP: “Do Pré ao Pós Pandemia - Os novos desafios”. A par da insistência na redução do IRC para 17% e outras medidas para desbloquear o potencial de crescimento da produtividade e do emprego em Portugal.
Na data em que comemora 173 anos, a associação empresarial reúne-se na tarde desta terça-feira, em Leça da Palmeira, para propor ao governo uma “estratégia clara e ambiciosa” capaz de “inverter o caminho de empobrecimento relativo face aos outros países da União Europeia” (UE). São esperadas intervenções do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva.
“O grande desígnio estratégico para a década é recolocar Portugal, pelo menos, no top 15 dos países mais ricos da UE em 2030, em termos de nível de vida”, lê-se no estudo da AEP a que o Expresso teve acesso.
“O objetivo intermédio que permite alcançar o desígnio estratégico é um crescimento económico de, pelo menos, 5,2% ao ano em termos reais, de 2023 a 2030, o que traduz uma forte ampliação do nosso potencial de crescimento, praticamente em linha com a Irlanda, o país mais dinâmico da UE. O forte crescimento económico, proposto como objetivo intermédio, resulta de uma subida elevada da produtividade (e da competitividade) e um aumento significativo do emprego, que decorrem de um conjunto alargado de medidas”, propõe a associação empresarial.
Note-se que Portugal está hoje em 21.º lugar no ranking europeu do PIB per capita em paridades de poder de compra (PPC). “Num cenário sem alteração de políticas, e assumindo algumas hipóteses simplificativas, Portugal passaria do sexto mais baixo PIB per capita PPC em 2023 para o quarto pior em 2030”, alerta o estudo da AEP. A prazo, arrisca mesmo cair para terceiro mais pobre da UE dado seu baixo nível de produtividade.
“A forte orientação dos fundos europeus para as empresas e a sua competitividade” – defende o presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, logo na introdução do estudo – “funciona, dentro da estratégia delineada, como um dos aceleradores da transformação económica e social necessária para atingir os desejados níveis superiores de riqueza de uma forma sustentada”.
Atenção à produtividade
O estudo perspetiva o agravamento da divergência face à UE no que toca ao PIB per capita.
Nas primeiras décadas deste milénio, Portugal foi sendo ultrapassado pelo da República Checa, Eslovénia, Malta, Lituânia ou Estónia. Em 2021, voltou a ser ultrapassado por Hungria e Polónia.
Agora Portugal “corre o risco de se tornar o sexto país mais pobre da UE até 2023 se não elevar a produtividade e o crescimento, aproveitando ao máximo o afluxo de fundos europeus”. Com base nas previsões de outono da Comissão Europeia, a AEP alerta que o país pode ser ultrapassado pela Roménia e cair em breve para sexto país mais pobre entre os 27.
“Este cenário concretizar-se-á se Portugal não conseguir elevar rapidamente o ritmo de crescimento do PIB face aos pares europeus (capacidade de geração de riqueza), para o que será crucial aumentar a produtividade. Esse deveria ser o grande objetivo do elevado afluxo de fundos europeus colocados à disposição do País, através do PRR e do Portugal 2030, operando a transformação necessária para potenciar a criação de riqueza e retomar o processo de convergência com o nível de vida médio europeu e, com maior ambição, do nível de vida dos países europeus mais desenvolvidos”, lê-se no estudo.
E no final da década? “Num cenário sem alteração de políticas, e assumindo algumas hipóteses simplificativas, Portugal passaria do sexto mais baixo PIB per capita PPC em 2023 para o quarto pior em 2030”, acrescenta a AEP.
Mas a queda pode não ficar por aqui. A AEP alerta que “a produtividade pode tornar-se a terceira pior da UE até 2023” – apenas acima da Grécia e da Bulgária – “apontando para uma deterioração semelhante do nível de vida a prazo”.
“Dada a forte ligação entre a produtividade e o PIB per capita, este é também o ranking previsível para o nível de vida após alguns anos”, lê-se no estudo da AEP. “Se nada mudar – isto é, se os fundos europeus do PRR e do Portugal 2030 não operarem uma verdadeira transformação estrutural potenciadora da produtividade e do nível de vida, o que deverá passar pelo foco no apoio ao setor empresarial privado, quem mais investe, exporta e cria emprego e riqueza –, após 2023 Portugal poderá tornar-se não apenas um dos três países menos produtivos da União, mas também um dos três mais pobres”.
Menos impostos e outras medidas
A AEP propõe as seguintes medidas para corrigir as debilidades estruturais, eliminar os custos de contexto e acelerar o crescimento económico sustentável do país:
1. Melhorar a composição do crescimento, reforçando o peso do investimento – incluindo em inovação – e das exportações no PIB sem aumentar o peso das importações, criando uma maior capacidade de geração de riqueza e possibilitando a sua distribuição de forma mais sustentada e com maior equidade intergeracional.
Tal implica metas mais ambiciosas para 2030, por exemplo, de 25% para o peso do investimento no PIB e de 28% para o peso da indústria no valor acrescentado bruto (VAB). O objetivo deve ser subir o peso das exportações no PIB para 63% (10 pontos percentuais acima da meta oficial) para inverter o saldo negativo da balança de bens e serviços, gerar excedentes e anular a dívida externa líquida (meta de 0% do PIB).
2. Qualificar e requalificar as pessoas, assegurarando a qualidade dos recursos humanos para que as empresas e o País possam enfrentar com confiança os desafios societais e de produtividade.
Uma das propostas é, por exemplo, lançar um programa nacional, em larga escala, de (re)qualificação de ativos, tendo como destinatários trabalhadores e empregadores; jovens e gerações mais antigas; imigrantes e refugiados.
3. Assegurar disponibilidade de mão-de-obra a curto, médio e longo prazos - condição necessária para desbloquear o potencial de expansão da atividade e do emprego - colocando à disposição das empresas, nos vários setores, mão-de-obra na quantidade e com as caraterísticas necessárias para o seu crescimento, através da retenção e atração de pessoas para trabalhar e viver em Portugal e da regeneração populacional.
Entre as propostas constam a redução das contribuições sociais dos empregadores na contratação de pessoas altamente qualificadas – nomeadamente doutorados – em áreas críticas para as empresas, reduzindo o seu custo e potenciando a sua manutenção em Portugal. Ou a redução da carga fiscal sobre o trabalho, em particular sobre jovens qualificados e (de uma forma geral) salários médios e altos, permitindo aumentar o salário líquido dos mais qualificados e produtivos. Também propõe um tratamento fiscal mais favorável de prémios de produtividade, contratos por objetivos, salários variáveis e salários de eficiência. Ou o estabelecimento na Lei (Código do Trabalho, por exemplo) de uma ligação entre salários e qualificações – desde que refletidas em maior produtividade –, tanto no setor público como no setor privado.
4. Dinâmica empresarial com significativos ganhos de escala, aumentando o número e a dimensão média das empresas, a cooperação entre empresas e a taxa de sobrevivência.
Uma das propostas é, por exemplo, o reforço dos benefícios fiscais e financeiros para aumento de escala em função da intensidade e complexidade da operação - seja projetos conjuntos, joint ventures, agrupamentos complementares de empresas, fusão ou concentração - potenciando também o aumento da proporção de empresas envolvidas em projetos de cooperação.
5. Eliminar os custos de contexto, tendo como objetivos: menos e melhor Estado, infraestruturas de conectividade potenciadoras da internacionalização; acelerar a transição digital e reforçar a competitividade e atratividade.
A meta para 2030 para o rácio de dívida pública no PIB deve ser um valor máximo de 90%, próximo do valor em 2009, antes do último pedido de ajuda externa.
Tal implicará uma estratégia clara e credível de consolidação orçamental a médio prazo, que melhore os serviços públicos enquanto reduz o peso do Estado na economia e da carga fiscal sobre as empresas e as famílias. Neste campo, a AEP defende uma diminuição da taxa normal de IRC até 17%, a eliminação das taxas de derrama, a redução das tributações autónomas; a redução das taxas de IRS, em particular sobre os jovens qualificados; a redução das contribuições sociais dos empregadores, por exemplo.
6. Além do capital e trabalho, assegurar outros recursos necessários ao crescimento – energia, água, matérias-primas – a preços comportáveis, bem como a proteção do ambiente, com segurança climática e qualidade de vida, salvaguardando a competitividade.
Além de acelerar o uso de energias renováveis e da economia circular, uma das propostas é garantir que a nova Lei de Bases do Clima não coloca novos custos de contexto para as empresas, nomeadamente obrigações declarativas difíceis e custosas de cumprir, sobretudo para as PME, e nova fiscalidade verde injustificada ou desadequada. Aliás, deve assegurar-se que a reforma da fiscalidade verde e a implementação da tecnologia do hidrogénio verde são executadas com o grau de gradualismo mais adequado para preservar a competitividade das empresas e gerar novas áreas de “negócio verde”, mas também para deixar em aberto a exploração de outras tecnologias promissoras de geração de energia sem emissões de carbono.
7. Reindustrialização, permitindo um maior equilíbrio na estrutura económica e nas contas externas, com menos dependência do turismo (mais volátil), capacitando a indústria enquanto motor da economia, com elevada capacidade de arrastamento de outros setores.
As metas para 2030 devem ser elevar o peso da indústria no VAB de 28% e o peso da indústria transformadora na posição de investimento direto do exterior (IDE) de 12% em 2030.
8. Orientação dos fundos europeus em prol da competitividade e sustentabilidade
Tal passa pela execução rápida, transparente e eficaz dos fundos europeus; do impulso do Portugal 2030 aos transacionáveis, à escala, à inovação, valor acrescentado nacional e à circularidade; da reorientação do PRR para as empresas e da desburocratização dos dois sistemas.
As metas são 67% (mínimo) de verbas do Portugal 2030 para as empresas e 100% de eventuais reprogramações de subvenções a favor das empresas.
No estudo da AEP, lê-se que o grau de ambição dos objetivos e das medidas propostas teve como base um exercício de benchmarking com os países europeus mais dinâmicos e de dimensão próxima, bem como a evolução histórica das variáveis subjacentes em Portugal: “O exercício de quantificação efetuado não decorre de um modelo econométrico, mas de uma cenarização com pressupostos considerados razoáveis e um conjunto articulado de objetivos ambiciosos e estruturais a alcançar com medidas igualmente ambiciosas”.