Economia

OE2022. Há um coro de críticas a unir os empresários. Sector automóvel já fala de despedimentos à vista

“Do que conhecemos deste orçamento e da expetativa de atividade do sector automóvel até ao fim do primeiro trimestre do próximo ano, há um problema de custos fixos para resolver que ameaça por em risco a manutenção das equipas de trabalho”, diz José Couto, presidente da AFIA

Morris MacMatzen/Getty Images

Para comentar o Orçamento de Estado do próximo ano “com rigor”, os dirigentes associativos querem ter tempo para analisar o documento e aguardar o momento da aprovação na Assembleia da República porque, assumem à partida, as cedências do governo para garantir a aprovação do texto final, vai trazer mudanças que, em alguns casos, podem ser significativas.

“Há uma visão do mundo que acha que a economia deve ser estatizada e há o mundo real, em que as empresas trabalham e têm de ter flexibilidade para se adaptarem ao momento. É um pouco como ter de um lado a Alemanha Ocidental e do outro a Alemanha de Leste e nas negociações para garantir a aprovação deste OE, a coisa poderá virar mais para o lado de Berlim Leste nos próximos tempos”, comenta Mário Jorge Machado, presidente da ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, evitando comentar um documento que ainda não teve tempo de analisar e em que, com uma dose de ironia inspirada no futebol, diz ser válido pensar que “só é possível fazer prognósticos no final do jogo”.

Custos fixos e lay-off

Já José Couto, presidente da AFIA - Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel arrisca ir mais longe e manifestar “séries preocupações por o documento não encarar de frente problemas que têm de ser resolvidos e formas de ajudar realmente as empresas a ultrapassar o momento atual”.

“Do que conhecemos deste orçamento e da expetativa de atividade do sector automóvel até ao fim do primeiro trimestre do próximo ano, há um problema de custos fixos para resolver que ameaça por em risco a manutenção das equipas de trabalho”, avança o empresário e dirigente associativo, sublinhando que a redução da capacidade de produção, considerando as encomendas em carteira, ronda atualmente os 20%.

Quando os grandes produtores mundiais “impõem constantemente interrupções na produção e nas encomendas, as empresas portuguesas de menor dimensão têm dificuldade em manter capacidade de produção e suportar custos fixos.

E, assim, o lay-off simplificado seria crucial para dar agilidade às empresas, a par de medidas especiais voltadas para ajudar a enfrentar problemas de tesouraria no contexto das moratórias. “Era bom que o OE pudesse acolher instrumentos de ajuda para enfrentarmos uma crise que na verdade não é nossa, mas nos afeta. Sentimos que isso não acontece”, diz o dirigente associativo que ainda esta segunda-feira falou com o ministro da Economia em mais uma tentativa de sensibilização para os problemas do tecido empresarial.

"Faltam boas novas em matéria fiscal"

Do lado da AIMMAP, que representa a fileira metalúrgica, campeã das exportações nacionais, o vice-presidente Rafael Campos Pereira, está no grupo dos que considera “ser ainda prematuro” comentar esta proposta de OE, mas vai admitindo um “falta de boas novas em matéria-fiscal”. “É premente reduzir impostos diretos e indiretos, nomeadamente sobre os combustíveis, em que a situação se está a tornar insustentável, de forma a acabar com a tenaz ao crescimento, mas do que tenho ouvido, não alimento grande esperança”, adianta.

Na APED - Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, Gonçalo Lobo Xavier é mais um dos dirigentes associativos que considera arriscado avançar comentários sobre o OE2022 esta noite. Porquê? Por um lado não conhece ainda o documento, por outro, “qualquer negociação de última hora para viabilizar a aprovação do orçamento com o PAN, os Verdes ou o PCP pode trazer alterações”, sustenta.

"Há muito pouco para a restauração"

Na hotelaria e restauração, a AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, deu a conhecer atempadamente um pacote de 22 medidas prioritárias para o orçamento do próximo ano assente em quatro eixos estratégicos - fiscalidade, capitalização das empresas, incentivo ao consumo e qualificação e dignificação do emprego e turismo. No entanto, nesta fase, limita-se a recordar esta exigência e esperar para ver o documento.

Já Daniel Serra, presidente da PRO.VAR- Associação Nacional de Restaurantes, vai mais longe e admite, mesmo sem ter esmiuçado o texto do OE, que ele não traz a desejada descida do IVA na alimentação para a restauração de 13% para 6%, nem qualquer prolongamento do IVAucher em 2022.

“Há muito pouco para a restauração e isso é dramático para um sector que saiu muito enfraquecido da pandemia, perdeu capacidade de retenção de mão de obra e, sem a adaptação das leis do trabalho enfrenta perda de trabalhadores e, consequentemente, perda de qualidade no serviço prestado”, afirma, sem esquecer mais uma pretensão importante para que parece ter ficado esquecida: a descida da TSU.

E tudo isto apesar de o Orçamento de Estado que vai ser apresentado na Assembleia da República prever um novo incentivo fiscal à recuperação das empresas, “de forma a dar um apoio suplementar às empresas para poderem investir” que, de acordo com o primeiro-ministro, António Costa, citado pela Lusa, “é um forte incentivo para que investiam no sentido da recuperação e da sua capitalização”.

Confederações esquecidas pelas Finanças

Do lado das confederações empresariais, os comentários também revelam sinais de desânimo: “O ministro das Finanças não recebeu as cinco confederações (comercio, turismo, agricultura, indústria e construção) que tiveram o cuidado de apresentar as suas propostas em meados de setembro, para dar tempo à discussão”, critica João Vieira Lopes, presidente da CCP - Confederação do Comércio e Serviços de Portugal.

Sem avançar comentários relativamente ao conteúdo do documento por ter “apenas conhecimento de algumas dicas que foram saindo na comunicação social e preferir aguardar para ver”, o dirigente associativo admite que “tudo nas declarações oficiais aponta no sentido de que não há redução de impostos”.

“Se o documento confirma o fim do pagamento especial por conta, servirá especialmente para satisfazer o Partido Comunista e dizer que há alguma coisa para as empresas, com uma medida fácil de tomar porque sai barata”, refere.

Quanto ao que se vai sabendo até agora e ao que pode vir a ser alterado na fase de discussão e negociação do OE, no Parlamento, acredita que “estarão em causa questões mais ligadas à base eleitoral dos partidos e não do mundo empresarial”, o que significa matérias do Serviço Nacional de Saúde, educação, função pública, pensões e IRS.

Do lado da CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa arrisca dizer que “apesar de não haver qualquer indicação prévia sobre o documento ou uma base de análise o receio de que nada nos sirva é muito concreto”.

“O esforço das cinco confederações que representam 90% do tecido empresarial nacional em trabalharem juntas para apresentar medidas horizontais para os diferentes sectores que permitam às empresas encarar uma fase de recuperação, pouco ou nenhum eco tem neste OE”, diz.

E quanto ao que seria essencial, insiste, tal como outros sectores, na questão da redução da carga fiscal. E conclui: “É mais fácil para as empresas recuperarem tesouraria ficando com o dinheiro que recebem em caixa do que recorrendo a ajudas que são contabilizadas como proveitos, o que significa que acabam por implicar mais pagamento de impostos”.