Economia

Alberto Alesina: "É ridículo chamarem-me pai da austeridade"

Entrevista originalmente publicada em julho de 2018 onde o economista italiano, hoje falecido, recusa a paternidade da austeridade e diz-se apenas um economista "sensato"

Alberto Alesina acha que a austeridade devia ter ido mais devagar e só com cortes na despesa
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Alberto Alesina é uma das figuras da história da crise da zona euro. Batizaram-no "o pai da austeridade", mas o académico italiano rejeita-o liminarmente. "Isso é ridículo", diz em entrevista ao Expresso, recusando essa paternidade. Mas da fama não se livra.

Para muitos analistas há, de facto, um antes e um após o 'momento Alesina', a sua intervenção em Madrid a 16 de abril de 2010 para uma distinta audiência de ministros das Finanças e de banqueiros centrais do euro. O académico italiano, professor no Departamento de Economia da Universidade de Harvard, em Boston, nos EUA, escreveu um artigo propositadamente para a reunião do Eurogrupo, sugestivamente intitulado "Ajustamentos orçamentais: lições da história recente".

Olli Rehn, então comissário europeu para a Economia, e Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), ficaram entusiasmados com a lição de Alesina dizendo que a austeridade era indispensável e que, além disso, até podia ser expansionista. Assim o demonstravam os casos da Irlanda, Bélgica e até Portugal nos anos 80 e de Espanha na década de 90 do século passado. Era, por isso, a hora de mudar de agulha na estratégia de lidar com a crise na zona euro. Até porque as contas públicas tinham derrapado em vários países.

As conclusões da reunião acolheram formalmente as sugestões do académico e, a 7 de maio, a cimeira de chefes de Estado e de Governo confirma a nova "prioridade": os Governos, em particular os periféricos do euro com níveis de dívida pública mais elevados e com grande fragilidade nas contas externas, tinham de pôr as contas públicas em ordem. Só que havia um pormenor que não foi debatido - os casos de sucesso referidos aconteceram antes da criação da zona euro, ou seja, os Governos e os bancos centrais dispunham, então, de moeda própria.


Alesina recusa ser o guru do movimento: "Escrevi artigos sobre os efeitos dos aumentos de impostos e dos cortes na despesa e sobre a austeridade, tal como muitos outros economistas o fizeram." Considera-se, apenas, "um economista sensato".

O académico publicou imensa literatura teórica justificando a importância dos ajustamentos orçamentais, sublinhando que importa saber "quando" se devem fazer e "como" devem ser feitos.

Contudo, a realidade nem sempre permite seguir o guião teórico: "Idealmente, nós gostaríamos de aplicar austeridade quando a economia está forte.

Mas, infelizmente, isso nem sempre é possível, porque às vezes ocorrem crises de dívida durante as recessões e os Governos não têm tempo para escolher o melhor momento para iniciar um plano de austeridade." O ponto fulcral, para Alesina, é mais o "como" do que o "quando". Nesse ponto, tem ideias claras que vêm dos casos que estudou: "As evidências mostram de forma convincente que, independentemente de ocorrer a austeridade durante períodos de recessão ou de expansão, faz toda a diferença se o ajustamento é feito por meio de cortes de gastos - o que é muito melhor - ou apenas por via de aumentos de impostos."

Bancarrota era a alternativa

Questionado sobre se a viragem para a austeridade em 2010 aconteceu no momento certo ou se, pelo contrário, foi uma decisão prematura como consideram alguns economistas, Alesina admite que talvez o timing não tenha sido o melhor: "Sim, idealmente, seria bom poder esperar um pouco, mas seria possível? Eu não sei. É difícil saber." Mas dispara logo: "Aqueles que dizem que sabem, com toda a certeza, que era cedo demais argumentam baseados em ideologia e não em factos.

Na verdade, havia uma alternativa à austeridade - o default da dívida, o colapso financeiro dos bancos que detinham dívida pública, e a desintegração do euro com consequências possivelmente desastrosas". Confessa que "é muito desconfiado em relação àqueles que pensam que sabem e que estão tão seguros de tudo. Eu sugiro que sejam muito céticos em relação àqueles que têm tanta certeza das suas opiniões sobre o que teria acontecido se...".

A realidade, contudo, acabou por ser madrasta. A zona euro caminhou para uma segunda recessão em 2012 e 2013 e confrontou-se com vários resgates sucessivos às economias mais frágeis do euro, entre elas Portugal, e incluiu no processo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Alesina não vai ao ponto de apontar o dedo à condução do processo, mas sublinha que "teria sido melhor fazer mais pelo lado do corte do gasto público do que por via do aumento de impostos" e, acrescenta ainda, que "possivelmente o ajustamento deveria ter sido feito mais devagar, assente num plano plurianual baseado apenas em cortes da despesa pública".

No livro que vai publicar em breve, intitulado "Austerity: What makes and What Doesn't?", o académico desenvolve todos estes aspetos com base num estudo de 17 casos de políticas de austeridade desde o final dos anos 70 do século passado. "Há uma discussão detalhada sobre os recentes casos de austeridade europeia, incluindo Portugal, e debatemos quais são os custos eleitorais de seguir políticas fiscais prudentes ou expansionistas", refere Alesina.

A gafe de Blanchard

Uma das críticas mais devastadoras à austeridade veio de dentro do próprio FMI, da pena do seu mais autorizado especialista, o francês Olivier Blanchard, então economista-chefe da instituição. Numa pequena caixa do World Economic Outlook, a bíblia de previsões e recomendações do Fundo, Blanchard apontava o que veio a ficar conhecido como o "erro dos multiplicadores" usados nos planos de ajustamento orçamental da troika nos resgates.


Alesina diz que não concorda: "Blanchard subestimou a diferença entre os cortes de gastos e os aumentos de impostos, e há também algumas questões metodológicas subtis na sua análise estatística que são discutíveis, e sobre as quais pessoas razoáveis podem discordar". Passa, depois, a apontar uma gafe de Blanchard e do FMI que demonstra o seu argumento. Foi "o contraexemplo do Reino Unido", diz. E explica: "Com o primeiro-ministro Cameron, o país fez um plano de corte do défice baseado na redução dos gastos. O FMI criticou, então, duramente o Reino Unido dizendo que a opção do governo iria provocar uma grande recessão. Ora, isso não aconteceu de todo e a economia britânica saiu-se muito bem." E remata: "O FMI teve de fazer um pedido público de desculpas pelo mau uso da previsão sobre o Reino Unido."