Tirou o curso de Direito por razões familiares e foi para a banca pelas mesmas razões. Passou por quase todos os bancos em Portugal e sai "pela porta grande" de funções executivas. Podia ir para casa gozar a sua reforma e dedicar-se a tempo inteiro à agricultura, mas ainda não é desta. António Vieira Monteiro vai ficar no Santander Totta como chairman até 2021. Uma conversa de horas com história, histórias e muitos, muitos recados.
Formou-se em Direito. Como é que acabou por ir estagiar para uma agência de Almada do Banco Português do Atlântico?
Entrei para a banca por razões familiares. O meu avô foi o sócio número dois da Ordem dos Advogados e o primeiro presidente do seu Conselho Distrital. Mais tarde, foi um dos fundadores do Banco da Agricultura e o seu primeiro presidente durante muitos anos. Tinha mais um tio que fez outro banco. E, portanto, quando acabei de me formar, convidaram-me para ir para a banca. E fui. Estagiei numa agência de Almada do Banco Português do Atlântico e estagiei no Porto. Fiquei lá até sair com o Vasco Vieira de Almeida para o Crédito Predial.
E o que é que fazia nessa altura?
Aprendia. Fiz todas as tarefas que havia a fazer na agência. Todas. Isso era um princípio fundamental que havia na banca na altura, porque as agências eram pequenos bancos. O gerente de Almada era considerado um ótimo gerente e, além disso, uma pessoa com paciência para aturar os estagiários.
E depois?...
Fui para um centro contabilístico para aprender a fazer a contabilidade. O banco tinha centralizado a contabilidade. O diário de caixa era feito na agência e o diário propriamente dito era feito no centro contabilístico.
Quando começou o curso, já tinha essa ideia de ir para a banca ou esperava ser advogado?
Advogado talvez sim. Tive amigos que foram grandes advogados. Mas a banca estava sempre dentro de mim... Quase como se eu tivesse sido preparado mentalmente para esse efeito.
Se era isso que queria, porque não foi tirar um curso de Economia?
Primeiro, porque sentia mais jeito para o Direito do que para as Económicas. Segundo, porque sou a sexta ou a sétima geração formada em Direito.
Tinha de ser?
Tinha de ser, naturalmente. Tanto o meu pai como o meu avô foram sobretudo advogados. Começaram a sua vida de gestores como advogados. A banca apareceu. Vivia-se uma época extremamente profícua na atividade bancária. Havia muitos bancos em Portugal, o que só é alterado com as fusões entre os bancos, sobretudo com as nacionalizações.
Como era ser banqueiro em 1970?
Era diferente, mas os princípios fundamentais da atividade bancária mantêm-se inalteráveis. As regras de ouro mantêm-se. Quer do ponto de vista da liquidez, quer do ponto de vista da solvabilidade, quer do ponto de vista das boas relações com as autoridades. Tudo isso se mantém. São, digamos, imutáveis na atividade bancária. Quem se esquecer delas, bate com o nariz na parede. Infelizmente, foi aquilo que aconteceu um pouco mais tarde.
Já vamos a essa parte. Voltando a 1970...
Nessa altura, estamos perante uma banca em grande desenvolvimento, sobretudo nos grandes bancos. A banca era o motor económico do país. É durante esse período que o Banco Português do Atlântico e o Banco Espírito Santo se juntam e fazem toda uma série de grandes investimentos quer na área cimenteira quer na área dos petróleos. Na altura, a banca portuguesa tinha uma força enorme, e até internacionalmente estava muito bem posicionada. Alguns dos grandes bancos que atualmente existem eram mais pequenos do que qualquer daqueles. É importante não esquecer isso. É nesta época que se dão algumas das grandes lutas pelo controle dos bancos. O Grupo Mello tinha acabado de controlar o Totta. A célebre luta entre o Banco Pinto & Sotto Mayor e o Banco Português do Atlântico. Os bancos desenvolviam-se e era clara a predominância na admissão dos comerciais.
Como assim?
Um comercial era simultaneamente um comercial e um homem do risco. Era quem apreciava tudo. Era o responsável pela concessão de crédito, pelo seu seguimento e, no caso de recuperação, pela recuperação. Portanto, isto fazia com que estas figuras tivessem uma enorme importância na atividade. Era a rede dos bancos que tinha mais poder. Não havia a ideia da separação das áreas de risco das áreas comerciais. Pelo contrário, havia uma enorme conjugação das duas realidades, e isso era extremamente importante para o desenvolvimento da banca na época.
O que é totalmente diferente dos dias de hoje...
A banca estava a passar dos elementos subjetivos para os elementos objetivos. Lembro-me de um diretor da época que numa reunião dizia aos gerentes: "Quem não souber ler um balanço é gerente a curto prazo." E toda a gente ficava assustada. Havia na altura um célebre livro, do Carlos de Mello, que era um Espírito Santo, sobre contabilidade. Era um livro muito simples, que explicava como se devia analisar um balanço, e todos andavam com o livro debaixo do braço para mostrar que estud avam o assunto. Isto dá a ideia do que era a banca. A banca estava em evolução, as operações de investimento tinham de ser feitas com o capital do banco e eram sobretudo de curto prazo.
O quê, a um ano?
Um ano já era esticar. Eram operações sobretudo comerciais, para manter as empresas em funcionamento. Operações a médio e longo prazo, isso era raro. Aparecia uma de vez em quando. Por exemplo, os bancos não faziam crédito à habitação. O crédito à habitação era feito apenas por três instituições: a Caixa Geral, o Crédito Predial e o Montepio. Tudo o que era taxas de juro estava administrativamente fixado.
Os bancos diferenciavam-se pela rede comercial e pelo segmento de mercado que tinham...
Normalmente, empresas, não havia crédito a particulares. Crédito a particulares era uma coisa raríssima. Não havia cartões de crédito nem nada disso...
Havia o cheque...
Havia cheques. Todos os dias, de manhã, a primeira atividade que fazia era analisar uma folhinha onde tinha os saques sobre valores. A parte tecnológica dos bancos eram salas enormes carregadas de maquinetas, era a época dos cartões perfurados. As conservadorias de letras eram impressionantes pelo seu tamanho, trabalhavam lá uns senhores que só carimbavam letras mas que tinham um trabalho importantíssimo, porque de vez em quando tiravam umas para fora, e isso significava alguma coisa. Foi assim a história do Alves dos Reis. Descobriam duas notas com o mesmo número.
Era uma banca diferente.
Havia uma coisa muito importante: era a relação subjetiva entre o banqueiro e o empresário. Isto era uma coisa extraordinária. Os valores eram uma coisa muito importante.
Por isso, não era uma banca para toda a gente...
Não. Não era uma banca para toda a gente. Era baseada numa relação de grande confiança entre os empresários e os banqueiros. Isso era extremamente importante.
Entretanto, veio a revolução, veio a nacionalização dos bancos. Como foi passar essa fase como banqueiro?
Foi uma fase extremamente difícil, primeiro porque assistimos à mudança total das cabeças dos bancos. O banqueiro no sentido tradicional da palavra era simultaneamente o administrador e o dono do capital do banco, e isso desapareceu.
O fim dos capitalistas...
Chamem-lhes o que quiserem. Chamaram-nos outras coisas. A nacionalização, que se não me engano aconteceu no dia 14 de março de 1975, é uma data extremamente importante. A partir daí, a banca passou a ser limitada, porque deixou de ter acesso aos capitais, e toda a política de desenvolvimento dos bancos vai ser restringida, ou seja, deixa de haver investimentos. Há um período em 1975 que é a época das comissões executivas, compostas por pessoas postas pelo partido, pura e simplesmente. Havia pessoas que nunca sequer deviam ter visto um banco... Lembro-me de que a certa altura me pediram: "Vê lá ali o crédito de fulano, porque ele não sabe o que isso é." Ao fim do dia, esse indivíduo vinha ter comigo com um montão de papéis.
Vinha-lhe pedir ajuda?
Eu ia-lhe dizendo: corta aí, corta aqui, corta ali... No dia 25 de novembro, as coisas começam a mudar, e em 1976 acabaram as comissões executivas. Desapareceram. Era secretário de Estado do Tesouro o Artur Santos Silva.
Que se tornou seu amigo...
Sim, trabalhei com ele. Foi meu orientador de estágio enquanto estive no Porto. Nessa altura são chamados às administrações dos bancos os antigos diretores, pessoas que tinham sido postas de lado, que tinham passado para chefes de secretaria. É a época das fusões por decisão administrativa do Ministério das Finanças.
Aparece a nova banca...
É a nova banca. A partir de 1976 dá-se o reequilíbrio dos bancos do ponto de vista da gestão. Até passam a ganhar dinheiro, mas, como o Estado não tinha dinheiro para aumentar o capital, foram perdendo a dimensão internacional que tinham.
Nessa altura está em que banco?
No Crédito Predial. Saí do BPA em 1973. O senhor Manuel Bulhosa comprou o Crédito Predial e queria fazer um grande grupo financeiro. Para tal convidou o Vasco Vieira de Almeida para ser responsável desse grupo, e eu vim com ele do BPA. Eu, o Seruca Salgado, o Rui Vilar e o Francisco Veloso.
Ficou no Crédito Predial até quando?
Até 1982, se não me engano. Nessa altura, o Rui Vilar foi nomeado presidente do Banco Espírito Santo e foi-me buscar para o BES, onde estive até 1989. Nesse ano vai para presidente da Caixa e volta a ir buscar-me.
Como foi passar pelo BES nessa altura?
O Banco Espírito Santo era um ótimo banco. Primeiro porque tinha herdado muito daquilo que era antigo, os diretores do banco eram muito bons, conheciam bem a realidade, e era um banco que funcionava muito bem na área internacional. Ainda hoje o Novo Banco tem um pouco essa fama e uma enorme capacidade de atuação. E, portanto, ganhava dinheiro, ganhava bastante dinheiro, era considerado uma mina de ouro. Não há dúvida nenhuma de que nessa época era o primeiro banco comercial. Eu era um dos responsáveis pela área comercial.
E a passagem para a Caixa foi fácil?
Bem, primeiro não estava à espera de ir para a Caixa, estava no Espírito Santo, estava bem.
Acompanhou sempre o percurso de Rui Vilar?
Comecei a trabalhar com o Rui Vilar no Atlântico, depois no Crédito Predial, depois no Espírito Santo e por fim na Caixa. Ele de vez em quando saía para outras funções e eu continuava lá. Mas a entrada dessa administração na Caixa foi talvez uma das grandes modificações que se dão no banco público. A Caixa deixa de ser um instituto especial de crédito para passar a ser verdadeiramente um banco.
Como era a Caixa nessa altura?
Era um banco agressivo. Estamos na época em que começam a nascer os bancos privados, um em particular: o BCP. O seu lançamento revolucionou o mercado, desenvolveram-se as plataformas informáticas, e é nesse momento que começa a banca dos particulares. O BCP vocacionou-se para os particulares, evoluiu com a Nova Rede, e era engraçado, porque instalava sempre as suas agências ao lado das agências da Caixa. Consideravam que na Caixa estavam adormecidas grande parte das poupanças nacionais e que era lá que as iriam buscar. Isso é importante para perceber a lógica que se dá na época.
Curiosamente, o BCP foi um banco por onde não passou...
Passei no Atlântico, que é a base do BCP. Também não passei pelo BPI.
Teve pena?
Não, pena não tive. Sabem, estive em tanto lado, em tanto banco, conheci tanta gente, vi tanta coisa diferente... Sempre gostei daquilo que faço. Do que fazia antes, do que faço hoje. Sempre encarei a vida na banca com alegria e sem sofrimento.
Nunca teve uma carreira internacional...
Fui sempre da parte internacional dos bancos. Corri o mundo de chapéu na mão. Naquela época íamos de chapéu na mão, literalmente. Não imagina o que era. Havia épocas em que o Banco de Portugal telefonava ao fim do dia a perguntar: "Então, quanto é que vocês têm aí? 20, 30 mil contos, 50 mil contos? Em moeda estrangeira?"
Estávamos em que ano?
Entre 78 e 84. Naquela época era assim, grande parte do financiamento era feito através das grandes empresas públicas, que se financiavam nas importações, de petróleo, de cereais... Em operações de 90 dias. O que é que acontecia? No fim dos 90 dias lá íamos com o chapelinho na mão: "Reforme lá isso. Faça lá uma reformazinha." Mudávamos de banco, mudávamos o crédito do banco Y para o banco Z.
Isso era onde?
Londres, Nova Iorque e Suíça também. Andávamos todos nesta viagem. Ouvíamos as coisas mais terríveis que as pessoas podem pensar. Uma vez, estava com o Rui Vilar, fomos convidados para almoçar no Manufacturers, onde estava o Carlos Rodrigues [atual presidente do BIG], foi onde o conheci, e o chefe dele resolveu convidar-nos. O senhor era casado com uma argentina muito bonita. Da senhora lembro-me, da cara dele não me consigo lembrar. E durante o almoço ele foi de uma má-criação... O que ele disse de Portugal... Foi de tal maneira que nos levantámos a meio do almoço e viemo-nos embora.
E o Carlos Rodrigues estava nesse almoço?
Não sei se estava. Era capaz de estar. O Carlos Rodrigues dizia que eu tinha mau feitio.
Carrega consigo essa fama, a de ter mau feitio?
Sou pouco condescendente com uma certa falta de análise dos problemas. Para não lhes dizer outra coisa.
Diga lá outra coisa...
Sou pouco condescendente com o amadorismo. Faz-me uma certa confusão que pessoas que atingem determinadas posições sejam más na análise. Na análise de crédito e essas coisas.
É daí que vem o seu mau feitio?
Não. O mau feitio herdei-o [risos]. Nasceu comigo.
Herdou-o de quem?
Não sei. A minha mãe não tinha bom feitio, mas também, coitada, ficou viúva com 30 e poucos anos e educou os filhos. Por isso, acredito que não tivesse...
Quantos irmãos tem?
Tenho duas irmãs muito mais velhas do que eu, uma com 84 anos e outra 85. Tenho sobrinhos da minha idade. Já tenho sobrinhos bisnetos. Eu nasci em 1946.
Foi criado sempre pela sua mãe?
Foi basicamente só por ela, porque o meu pai morreu quando eu tinha 11 meses.
Falta-lhe uma figura paterna?
Não, não. Nunca a tive e nunca senti falta dela. Ele foi o melhor aluno do curso de Direito e era conhecido pelos amigos como um tipo fora de série, um grande advogado. Pergunto: o que é que eu teria sido debaixo de uma figura destas? Não sei.
Voltando à Caixa Geral de Depósitos. Como foi viver esses anos loucos da banca, de 1990 a 2000, os anos de grande crescimento?
A Caixa, durante aquele período, respondeu relativamente bem à concorrência. E ganhava dinheiro. Funcionava bem. Tinha um corpo diretivo relativamente forte. E, sobretudo, tinha uma coisa muito importante: as pessoas impunham-se pela sua competência.
Hoje não?
Hoje já não conheço. Não estou na Caixa há 20 anos.
Mas acompanha.
Acompanho sempre com uma certa distância. Durante 20 anos conhecia as pessoas que estavam lá. Hoje não conheço ninguém. Ainda lá tenho uma conta. A minha agricultura trabalha com a Caixa. O que era a Caixa no meu tempo não tem nada a ver com o que é a Caixa agora.
Como olha para a Caixa Geral de Depósitos? Com amargura?
Não. Como concorrente.
Um concorrente difícil?
Fácil. Há uma coisa fundamental. Qual é o banco considerado o mais sólido do mercado? O Santander. Isto era impensável há uns anos.
É terrível para a Caixa...
Foi sempre o banco mais forte. Sempre que havia uma crise, o dinheiro ia todo para a Caixa.
E agora já não vai?
Ainda foi um bocadinho. Durante a crise ainda houve muita fuga de depósitos para a Caixa. A partir de certa altura fomos considerados os mais sólidos. E a partir desse momento as pessoas começaram a trazer o dinheiro.
Ser público já não tem essa carga de banco de refúgio?
Não estou a dizer isso. Não é um problema de público ou privado. Quando o Horta Osório foi para o Lloyd's, lembro-me de ter dito: "Eu não me importo nada de ser público, se for público como era a Caixa no tempo do dr. Rui Vilar." O fundamental é que haja efetivamente uma supervisão forte, intrusiva, nas instituições de crédito. Porque uma instituição pública está sempre dependente dos orçamentos gerais do Estado, e isso torna mais difícil a sua atividade.
Era melhor a Caixa Geral de Depósitos ser privatizada?
Privatizar a Caixa neste momento pode não ser positivo. Não sei se Portugal percebia uma coisa dessas, sobretudo porque seria apontado como a perda da única instituição de capitais portugueses. Mas a abertura do capital a privados, mantendo o Estado a maioria, talvez.
Podia ter vantagens?
Do ponto de vista de acesso ao mercado de capitais, sim.
E maior controlo da gestão?
Os princípios da gestão são imutáveis para um lado e para o outro. O problema na gestão pública é que os senhores governantes podem querer lá pôr os seus acólitos.
Tornar a gestão política...
Atualmente, na Caixa, não é isso que se passa.
Mas no passado...
Houve uma época em que isso se passou. Eu não quero muito falar dessa época nem disso tudo.
Quando saiu da Caixa, saiu zangado ou não?
Eu saí da Caixa com o João Salgueiro. Antes de entrar o António de Sousa. E, na verdade, havia uma certa rivalidade com o então ministro das Finanças, Pina Moura. Foi em 1999. Nem fechámos as contas, sequer. Saímos logo.
Então, saiu zangado?
Não. Nenhum lugar é vitalício.
Até no Santander Totta...
Todos os lugares têm começo, meio e fim. Não estou triste por sair de presidente executivo. Fiz a minha função. O banco que nós temos hoje é totalmente diferente do que era dantes. Hoje temos um banco comercial reconhecido como o segundo banco do país. Que mais queremos? Fiz o meu trabalho, agora dou lugar a outro para fazer o trabalho dele. E saio pela porta grande.
Mas da Caixa não saiu pela porta grande...
Tinha terminado o mandato.
Mas não fechou as contas.
Mas só por um problema de luta política.
É verdade que quando saiu do edifício da Caixa disse que nunca mais lá voltava?
Nunca mais lá voltei.
Nem pretende voltar?
Não. Já voltei, já lá fui algumas vezes, mas...
Não é um sítio onde goste de voltar...
Já lá fui a reuniões da Associação Portuguesa de Bancos e isso tudo. E sou cliente da Caixa. A Caixa está a fazer o seu papel. Estão a reconstruir a Caixa. Têm a ajuda deste aumento de capital que foi feito pelo Estado e estão a fazer um trabalho que é extremamente positivo.
Mas difícil também...
Que temos de respeitar. Agora, se é concorrente? Sinto verdadeiramente que ainda não.
Também não tem muitos concorrentes hoje em dia...
Pois não.
Quais são os concorrentes que leva a sério?
O BCP, porque tem uma tradição de concessão de crédito.
Mas o Santander continua a liderar na concessão de novo crédito.
Lideramos e somos o único banco que cresce em crédito. Crescemos 35 mil milhões de euros em crédito de empresas.
Mas também integrou dois bancos...
Integrei dois bancos. Do ponto de vista de crédito, esses dois bancos representam 15 mil milhões. O resto é orgânico. Reparem, além de ter andado de chapéu na mão a pedir dinheiro por esse mundo fora, aqui no Santander, quando íamos às empresas, batíamos com a cara na porta. "Um banco espanhol, um banco isto, um banco aquilo. São muito difíceis, não acompanham. Fogem das empresas..." Ouvíamos de tudo. Hoje não há ninguém que feche a porta a esta casa. Ninguém! E há operações que continuamos a não fazer, nem nunca faremos, e que o Novo Banco, o BCP, e a própria Caixa fazem.
Essa alteração de como o banco é visto foi fruto de quê? Da sua gestão, do mercado?
De tudo um pouco. Há uma coisa muito importante nisto tudo. A política de riscos. De resto, o velho presidente, Emilio Botín, considerava a área de riscos como o sol da banca. Deixem-me só contar esta pequena história. Numa das primeiras reuniões com todos os quadros em que participei, o Horta Osório pediu-me para eu fazer uma intervenção. Na altura, eu disse: "A área de riscos chegou e veio para ficar." Foi a risota geral em toda a sala. Toda a gente a rir-se.
Porque não acreditavam em si?
Não acreditavam. Por troça.
Mas foi o António Horta Osório que o trouxe para o Santander...
Sim, e que me entrega a área de risco.
Há quem diga que foi a melhor coisa que o António Horta Osório fez.
Isso é a opinião de terceiros [risos]. Nunca abandonei os meus princípios básicos na atividade de concessão de crédito.
Disse recentemente que deixava o Santander Totta recuperado e que, quando assumiu o comando, o Santander não era quase nada. Não é injusto para o Horta Osório e o Nuno Amado?
Não, não é nada. O banco que eles tinham era diferente. A quota de mercado das empresas era de 6%, na época. Hoje temos 19%. Somos o banco que sempre cresceu em empresas. Aquilo que se começa a fazer a partir dessa data é um banco diferente. Não estou a desvalorizar o trabalho que foi feito antes, porque eles criaram condições para que o banco se desenvolvesse. O Pedro Passos Coelho foi importante para o Costa ter tido vantagens depois [risos].
Quando assumiu a presidência, em janeiro de 2012, ainda estávamos em crise. O Santander ganhou com o facto de os outros bancos estarem em situação instável?
Claro que ganhou, isso é evidente. O banco sempre teve uma política conservadora, sobretudo na área da concessão de crédito. Grande parte dessas operações que hoje andam aí nas bocas do mundo passaram aqui e foram todas recusadas.
Isso dá-lhe algum gozo...
Tenho pena de que as tenham feito. Quando me perguntam pelo meu mau feitio... O meu mau feitio tem a ver com essas coisas. Houve pessoas aqui dentro que defenderam essas operações. E porque eu dizia "não", afirmavam que eu tinha mau feitio.
Foram sempre muito acusados de dificultar o crédito às empresas...
Então, como é que crescemos? Já viram? Perante essa acusação, respondo com o crescimento.
Está a dizer que as empresas estão melhores porque o Santander consegue crescer no crédito às empresas?
Quem foi que salvou Portugal da hecatombe geral? Foram as empresas privadas. Foram estes senhores todos de norte a sul do país, que partiram, muitos deles sem falar uma língua estrangeira, a vender os seus produtos e a demonstrar que efetivamente nós conseguimos fazer as coisas.
E o Santander a crescer?
Isso é um facto. Nós crescemos. Passámos a ter um banco comercial. A área das empresas representava, em termos do balanço do banco, uns 10%, 12%. Hoje representa 45%.
Já se pode dizer que o Santander é o banco das empresas em Portugal?
É um banco de empresas em Portugal.
Será talvez mais difícil hoje sustentar esse crescimento?
O crescimento do banco dá-se fundamentalmente por duas razões. Primeiro, pelo crescimento orgânico e, segundo, pelo crescimento das compras. Não vou dizer que não comprámos...
E compraram bem?
Comprámos limpinho.
Podem ser o primeiro banco em Portugal?
Não temos essa intenção.
Não tem a ambição de ser campeão?
Esperem. Nós queremos ser campeões em rentabilidade, isso sim, agora em termos de tamanho não temos pretensão nenhuma. Mas estamos atentos ao mercado e àquilo que se vai passar daqui a dois, três anos.
Com o Novo Banco?
Por exemplo, com o Novo Banco.
E com o Montepio?
Com tudo aquilo que se vai passando à nossa volta.
Aos 72 anos vai para chairman do Santander. Porque não se reforma?
Eu estou reformado.
Porque é que não deixa de trabalhar?
Vou continuar a desempenhar as minhas funções dentro daquilo que são as funções do presidente do Conselho de Administração. Que são cada vez mais importantes. Não serei, portanto, um presidente do Conselho de Administração absentista. Continuarei a falar com clientes, continuarei com essa parte comercial de que gosto bastante. E depois vou olhar para o meu património. Tenho um património que herdei que funciona de forma limitada.
Que património é esse?
Um património agrícola.
Vai dedicar-se à agricultura aos 72 anos?
Já me dedico a ela, porque todos os fins de semana vou para lá. Todas as sextas-feiras saio daqui, meto-me no carro, faço 212 quilómetros e estou lá o sábado inteiro. Ao sábado à noite volto. Por isso deixei de jogar golfe e de fazer outras coisas.
Tem produção principalmente de quê?
Floresta e gado. Agora vi no jornal que querem reduzir as vacas, quando as vacas são um negócio de exportação fantástico. Todas as semanas está um barco parado em Setúbal que carrega centenas de animais vivos que vão para Israel e para Marrocos.
Vamos, portanto, ter agricultor?
Nunca deixarei de ser aquilo que sou. Agricultor serei.
Voltando à banca. Acha que nos últimos anos alguns bancos se esqueceram de que os depositantes deviam ser a primeira responsabilidade?
Durante muito tempo, os banqueiros esqueceram-se disso. Uma vez, numa reunião com o Fernando Ulrich e o Ricardo Salgado, disse isso. Que somos responsáveis perante os depositantes. Os depositantes são os nossos principais credores. O dinheiro que nós emprestamos é deles. É para eles que eu sou responsável.
O que responderam o Fernando Ulrich e o Ricardo Salgado a isso?
Entretanto, saí da reunião, mas acho que o Ricardo Salgado terá dito: "Dos depositantes não. Dos acionistas." Os acionistas nomeiam o Conselho de Administração para fazer a gestão dessa instituição intermediária entre aquilo que são os depositantes e terceiros. É isto. É a base da banca, e quem sair daqui mete-se normalmente em situações anómalas.
Ser banqueiro era quase um estatuto. Perdeu-se?
Um pouco. Há duas conceções de banqueiros. A do banqueiro dono do capital perdeu-se completamente. Eu olho para o Santander, que tem quatro milhões de acionistas...
Mas o próprio Santander é liderado por uma família de banqueiros...
Lideram porque têm o apoio dos outros acionistas. O novo banqueiro deixou de ser o dono do banco, e as grandes instituições bancárias são detidas por uma infinidade de acionistas, portanto há uma nova figura do banqueiro. Hoje, banqueiro é não só aquele que desempenha funções nas administrações mas também podem ser muitos diretores que desempenham funções extremamente importantes, a chamada alta direção da instituição.
Qual é a sua relação com a família Botín? E é o primeiro chairman português do Santander?
O segundo. O Horta Osório, quando foi para o Abbey, manteve o lugar de presidente do Conselho de Administração.
Também foi o único CEO do grupo Santander que manteve o cargo com a subida da Ana Botín...
Não, não fui o único.
Mas foi dos poucos.
Eu e o da Argentina.
O que é que isso diz de si e da sua gestão? E da maneira como o Santander vê Portugal?
O Santander olha para nós de uma forma muito, muito positiva. Sempre olhou e sempre teve um grande respeito por aquilo que é feito dentro desta casa. Porque ganhámos dinheiro durante a crise, quando toda a gente perdeu. Resolvemos os problemas que aqui estavam dentro. Nós, agora, já nos esquecemos, mas há histórias...
Está a falar dos swaps?
Sim. Foram épocas muito difíceis. Tomar a decisão de pôr o Estado português em tribunal... Levar essas situações até ao fim, continuando a ganhar dinheiro, continuando a reforçar os capitais do banco...
Porque é que aconteceu a situação dos swaps?
Aqueles swaps, quando foram feitos, em 2005 e 2006, funcionavam entre duas barreiras, e a proteção era sobretudo na barreira mais alta, porque se pensava que as taxas de juro iam subir. Mas as taxas de juro começaram a cair e continuaram a cair e nunca mais dali saíram. As empresas foram avisadas na altura, e havia forma de alterar essa situação, porque todos os contratos são negociáveis. Acho engraçado ver o número de vezes que nós fomos às empresas propor alterações das condições...
Quantas vezes?
48.
48 vezes?
A soma das vezes das várias empresas envolvidas. Não aceitaram. Uns porque achavam que eram mudanças de mercado, outros porque não, outros porque não percebiam. Devem ter pensado que isto era uma situação temporária. Rapidamente chegámos a perdas de 1800 milhões de euros. Durante muito tempo andámos de roda do Governo a dizer que era preciso resolver aquele assunto.
Foi o assunto mais sensível que enfrentou?
Foi. Para o Santander e para mim.
E foi o pior momento que passou na banca?
Deve ter sido. Bom, há o problema da nacionalização, isso foi muito difícil. Quando, no dia 16 de março, é feita a nacionalização, ninguém sabia o que nos ia acontecer. Nunca mais me vou esquecer. Estávamos a entrar no banco, na Rua Augusta, e está um senhor, que era o chefe da Comissão de Trabalhadores, em cima do balcão, de pé, a gritar: "Diretores fascistas! Ninguém entra! Rua!" Fomos todos parar ao olho da rua, sem saber o que nos ia acontecer.
Foi difícil?
Uma vez estive fechado no Ministério do Trabalho durante dois dias por causa de uma empresa qualquer que queria à viva força que os bancos dessem dinheiro, e os bancos não davam. Por isso fecharam-me no Ministério do Trabalho.
A resolução do BES era inevitável? Podia ter sido de outra maneira?
Há duas coisas que é preciso separar: a situação em que o banco se encontrava no momento da resolução e a solução que vingou. O que se passou no BES está associado ao enorme grupo familiar, que não ganhava muito dinheiro, em alguns casos até perdia, e o banco dava para manter o resto do grupo. Como a crise que afetou a banca durou mais tempo do que se esperava e o banco deu mau crédito, deixou de haver dividendos em montante suficiente para o grupo, e começaram a pensar de que forma conseguiam manter aquela situação.
Foi a duração da crise que levou à queda do banco?
Vendiam obrigações cuja data do início da operação era a data próxima do vencimento, já com a taxa de juro fixa. Isto era uma violação de tudo e mais alguma coisa, do mercado de capitais, da lei fiscal... Começaram a entrar nestes esquemas. É evidente que a certa altura puseram-se a vender no banco dívida de empresas do grupo. Deixou de haver distinção entre o BES e o GES. A verdade é que a distinção entre o banco e a família era muito ténue. Diziam: "Está aqui um papel do GES", e não se distinguia o que era do BES ou do grupo financeiro. Se, além disto, há outro tipo de fraude, não sei... O que mais confusão me faz nisto tudo é a quantidade de milhões em circulação. Foi tudo aos milhões a circular de um lado para o outro.
Ainda hoje se critica muito a resolução. Qual podia ter sido a alternativa? A venda, a resolução?
Acho que a solução devia ter sido a que foi utilizada no Banif, tal e qual. Ou o que se fez em Inglaterra. Paravam um dia, e no fim de semana, em vez da resolução, vendiam carteiras de crédito a uns e depósitos a outros bancos. São processos mais rápidos. A solução do BES, como se vê, alonga-se no tempo. Quanto vai custar? Não sabemos ainda... Será que haveria outra hipótese?
Havia alguém para comprar o BES naquela altura ou partes do banco?
Podia ter sido dividido pelo sistema bancário. Não foi porque se achava que o apoio do BES às PME era de tal maneira importante que isso podia destruir o que era o sustento do banco. Mas, afinal, a realidade veio demonstrar que não é verdade, porque as PME passaram para outros bancos e continuam a trabalhar independentemente de o Novo Banco existir ou não.
A fatura é demasiado elevada para o sistema financeiro?
É enorme. O que se diz sempre é que o Estado entra com o dinheiro. Pois entra, mas com a garantia do sistema financeiro. E ainda dizem que os prejuízos resultaram da venda de imóveis com prejuízo. Eu faço aqui, no Santander Totta, alguma venda sem ganhar dinheiro? Não faço. Ou tenho provisões para a venda, ou consigo a valorização e faço mais-valias, ou não vendo. Eles vendem porque sabem que alguém vai pôr lá dinheiro. E dizem isto com o maior dos à vontades. António Ramalho diz isto.
Há algum lóbi dos fundos que compra malparado...
Os fundos querem comprar barato. Quem quer comprar caro? Ninguém. A pressão é da gestão dos bancos, que querem livrar-se do peso, e enquanto o malparado estiver lá dentro terão de fazer mais provisões, e isso vai prejudicar a rentabilidade.
O desfecho do Banif foi outro...
O Banif foi diferente, vinha de uma situação sistemática de perda. Quando o banco é posto à venda, concorremos, apesar de haver enormes dificuldades, porque faltavam inúmeros documentos.
Mesmo assim quiseram o Banif?
Estivemos nessa posição até ao último dia do prazo. E nesse dia, 18 de dezembro, sexta-feira, no último minuto do prazo, entregámos a proposta de compra. Mas de repente, nessa tarde, recebemos uma chamada do Banco de Portugal a pedir para irmos lá falar sobre o Banif. Achei normal. Às 22 horas já lá estávamos. Entrámos para uma sala, onde estavam responsáveis do Banco de Portugal e da Oliver Wyman [consultores do BdP e do Ministério das Finanças], os advogados e os senhores do BCE. À cabeceira da mesa estava sentado um diretor do Banco de Portugal que nos informou que o processo de venda tinha terminado. Afinal, já não existia nos mesmos moldes e tínhamos de apresentar uma proposta completamente nova até domingo de manhã, mas só sobre os ativos e passivos, não sobre a sociedade. Olhámos uns para os outros e viemo-nos embora. Passámos a noite de sexta-feira para sábado a trabalhar numa outra proposta.
Que acabaram por fazer...
Mantivemos a proposta inicial quanto ao montante e definimos o que queríamos e o que não queríamos. Mas também dissemos que não ficávamos com o banco se o BCE considerasse isso uma ajuda de Estado. As condições acabaram por ser aceites, e no sábado à noite, à meia-noite, chegámos à porta do Ministério das Finanças. O portão estava fechado, e o guarda republicano perguntou-me o que é que eu queria. Respondi-lhe que íamos falar com o senhor ministro das Finanças. E ele comentou: "Assim vestido, de jeans?..."
E conseguiu entrar de jeans no Ministério, mesmo com os reparos do guarda?
Sim, de calças de ganga e sem dormir há horas... Depois de todas as reuniões e maratonas, lá se fechou a operação. No domingo, fomos almoçar. Havia cozido à portuguesa, e depois de duas noites em branco soube-nos uma maravilha. Entretanto, surgiu um problema durante o almoço: era preciso ser aprovado um Orçamento Retificativo. Lembro-me de comentarmos que se não aprovassem o Retificativo caía tudo como um baralho de cartas.
Houve mais surpresas durante o dia de domingo?
Sim. Disseram-nos ainda que, se quiséssemos abrir as agências do banco na segunda-feira, tínhamos de avançar com mil milhões. Tínhamos de liquidar os compromissos junto do BCE, o supervisor queria o dinheiro. Como o Santander Totta tinha liquidez, depositámos o dinheiro, e o Banif abriu normalmente sem ninguém se aperceber de nada.
A compra do Banif foi a melhor compra que fez no Santander?
[Pausa prolongada] As condições da operação foram razoáveis.
Quando um banqueiro diz isso quer dizer que foi um ótimo negócio...
[Risos] O banco tinha situações muito complicadas e tinha sobretudo uma má cultura. O bom negócio para o Santander Totta estava nos Açores e na Madeira. Não tínhamos expressão lá e passámos a ter. Hoje temos 30% do mercado nas ilhas. Este é que foi o grande negócio.
E o Popular foi o pior negócio?
Não. O Popular não era mal gerido, mas havia operações que não fazíamos. A gestão era muito dependente de Espanha. Tinham pouco poder de decisão na concessão de crédito e havia operações que não podiam fazer. Para fazer dinheiro, o Popular vendeu parte de operações de crédito que depois tivemos de comprar. E todo o IT do Popular estava em Espanha. Recordem-se de que o banco ia passar a sucursal.
Como tem acompanhado a situação do Montepio?
A Associação tem mais de 600 mil associados, e tudo o que não pode acontecer é transformá-los em 600 mil lesados. O banco está demasiado valorizado dentro da Associação, e por outro lado a Associação sempre vendeu os produtos aos balcões do banco. E, a partir de certa altura, alguns destes produtos serviram para pagar o passado e garantir o futuro.
Compraria o banco Montepio?
Nem me perguntem quando dinheiro daríamos.
A banca vai voltar a passar por uma onde de concentração?
Será mais ao nível europeu. A concentração do mercado em Portugal já é grande. Quatro bancos têm mais de 80% do mercado...
A banca tradicional vai morrer por causa da digitalização?
A banca tem mais de dois mil anos e passou por tudo e nunca desapareceu. Acredito na capacidade de a banca se adaptar aos movimentos e desafios que estão a ocorrer, ao aparecimento de uma série de atividades, nomeadamente a concessão de crédito, com novos atores que estão a entrar no nosso negócio e que nos deixam o pior, ou seja, a defesa perante os depositantes. É evidente que já temos a Amazon e a Google a fazerem crédito, e isso obrigou os bancos a olhar para essa realidade e a investir, criando algum equilíbrio, mas estão muito longe de ter a facilidade que essas empresas têm.
Quer dizer que os bancos estão a investir demais em tecnologia para o negócio que fazem?
Até agora, a adaptação dos bancos às novas realidades tem sido feita através da criação de produtos que facilitam a vida dos clientes, o que tem aumentado imenso os seus custos. Dou um exemplo: quando pego no meu telemóvel e vejo a minha conta, o meu património, as vezes que quiser ao dia, não imaginam as centenas de milhões de euros que isso custa.
E ainda há a ameaça dos robôs...
Nós já os temos para executar tarefas mais repetitivas, como transferências de bases de dados. Os robôs podem fazer numa noite o que 50 pessoas levam dois meses a fazer. Os bancos vão começar a remodelar os recursos humanos para trazer cultura digital. Temos de preparar os trabalhadores para o digital, e neste ambiente a forma de se tomar decisões é completamente diferente, a hierarquia é menos vincada quando falamos deste tipo de equipas e projetos.
Preocupa-o a entrada de outras entidades no negócio da banca?
Essa transição já está a acontecer. Mas convém dizer que as novas entidades, sejam fintech ou outras, têm de ter a mesma regulamentação a que está sujeita a banca. Por outro lado, do ponto de vista da fiscalidade, as operações devem ser sujeitas ao local onde se fazem, porque de outro modo estamos a subsidiar terceiros. Por outro lado, as agências não vão acabar e temos de trazer clientes às agências, tornando-as em espaços multifacetados e máquinas self-service para uma variedade de operações.
Como vão os bancos ficar mais digitais sem deixarem de ser tradicionais?
Temos de perceber se a digitalização e o seu desenvolvimento deve ser feito dentro dos bancos ou fora deles. Acho que tem de ser feito fora. As resistências internas à mudança são enormes. E depois as estruturas digitais têm de ser mais ágeis e ter novas valências, temos de contratar engenheiros e matemáticos, por exemplo. Defendo que se deve desenvolver fora e depois trazer para dentro dos bancos essa valência, comprando as empresas onde investimos. Se assim não for, o processo será pesado.
E o que vai acontecer às pessoas?
O grande problema é esse, mas a sociedade soube sempre absorver todos os que foram saindo e mudando. A diferença agora é que o processo de mudança é mais rápido, envolve conhecimentos totalmente diferentes. Defendo para esta transformação os chamados rendimentos de inserção. Devem ser criados para absorver essa enorme massa de pessoas que não se adaptaram às novas tecnologias e que terão de passar a tratar dos filhos.
Acredita mesmo nisso?
Ninguém quer viver com isso, mas o capitalismo existe porque permite iniciativa. O que vemos hoje é terrível: há pessoas que têm de sair porque não se adaptam, mas depois, em muitas atividades, não há gente para trabalhar...