ARQUIVO Festival Internacional de cinema de Berlim

A RDA segundo Christian Petzold

No Festival de Berlim, o cinema alemão dá cartas com " Barbara", um drama passado na ex- Alemanha comunista.
Nina Hoss em "Barbara", filme alemão em competição no Festival de Cinema de Berlim

Francisco Ferreira, enviado a Berlim (www.expresso.pt)

Entrada maior na competição de Berlim, "Barbara" é a sexta-longa metragem para cinema de Christian Petzold. O seu primeiro filme de época.

Quem é Christian Petzold, em três linhas? Um dos primeiros cineastas que, no final dos anos 90, despertou o cinema alemão da letargia artística da década anterior. O autor de "The State I Am In", "Wolfsburg" e "Yella" - este último estreado em Portugal. Um analista metódico da Alemanha contemporânea e capitalista, ainda a debater-se com as causas e consequências da liberdade pós-reunificação.

A atriz predilecta de Petzold, surgida com a novidade desta escola berlinense tem um nome: Nina Hoss.

Desterro

Nina é Barbara, uma médica pediatra da antiga RDA (República Democática da Alemanha) que, sabe-se depois, foi punida por ter ousado pedir um visa para o estrangeiro. A Stasi resolveu o desplante à sua maneira: demitiu-a em Berlim Leste e desterrou-a para a província.

Estamos em 1980. Porém, ao contrário da tendência mais recente e comercial do cinema alemão, o que vemos não é uma RDA cinzenta, sisuda, atrasada, pré-formatada a priori pelo cinema para figurar tempos terríveis de ditadura.

Barbara tem uma paixão do 'outro lado do muro' que tem um Mercedes-Benz topo de gama e quer ajudá-la a dar o salto. A Stasi mantém a médica debaixo de olho e para além do limite do suportável.

Porém, Barbara conhece Andre (Ronald Zehrfeld), também ele pediatra, também ele perseguido por traumas do passado, pois causou a morte por negligência a duas crianças. Andre não pensa em fugir. Admitirá Barbara ficar na RDA? Descobrirá ela o amor com aquele homem?

Como sempre em Christian Petzold, a escolha emocional é uma escolha política - e, neste quadro, nunca o cineasta tinha ido tão longe.

Reconciliação

Dirão os fãs do cinema de Christian Petzold: a Alemanha é hoje um país de vanguarda económica que tarda a reencontrar uma identidade e tende para a alienação. O passado recente do país é brutal - um muro da vergonha, uma utopia perdida -, não está sanado, e sem essa cura não há futuro. Mas há que ter cuidado: é que "Barbara" nem por um segundo faz uma apologia da RDA comunista.

Por isso está lá Stella, aquela miúda bicho do mato, entre a infância e a adolescência, que recorda "L'Enfant Sauvage" de Truffaut. Stella é paciente habitual do hospital. Sabemos depois que a miúda vive encarcerada num campo de trabalho infantil e que já são muitas as suas tentativas de fuga - esta é a face mais negra do regime.

Não, o objectivo de "Barbara" é outro: voltar à RDA e admitir encontrar um grau de humanização entre as pessoas que se perdeu. Talvez "Barbara" se limite, no seu programa político, a perguntar apenas isto: se a Alemanha unida de hoje é afinal o que é, não foi em vão que aquele muro tombou?

Na RDA filmada por Christian Petzold, os agentes da Stasi também choram pelos filhos. O sol também brilha. O vento também faz mexer as folhas das árvores. Temos um país à nossa frente: um país desgastado, oprimido, mas um país, apesar de tudo.

"BARBARA" de Christian Petzold com Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Jasna Fritzi Bauer Competição

 

Veja o trailer do filme "Barbara"