ARQUIVO Mundial 2014

Joga tu com a Alemanha. Não, joga tu, por favor

Argentina e Holanda fizeram o possível e o impossível para não deixarem o adversário marcar. Nos penáltis, não houve truque de Van Gaal e a Argentina ganhou. Haverá Alemanha-Argentina na final, 24 anos depois.

Argentinos só marcaram nos penáltis
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Uma nêspera estava na cama deitada muito calada a ver o que acontecia

chegou a Velha e disse olha uma nêspera e zás comeu-a

é o que acontece às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece - Mário-Henrique Leiria 

É natural que depois de um grande pico de adrenalina seja necessário algum descanso. Por isso, depois do 7-1 de loucos de ontem entre Alemanha e Brasil, só podemos concluir que tanto a Argentina como a Holanda resolveram apresentar aos adeptos um jogo digno de um soporífero, de modo a não pôr em risco a saúde de ninguém.

Pela primeira vez na história dos Mundiais (tanta história que se está a fazer neste Mundial!), uma meia-final terminou sem golos. E, muito ao contrário do que tinha acontecido no Alemanha-Argélia, por exemplo, que também acabou 0-0 mas foi um jogo tremendamente emocionante, Argentina e Holanda protagonizaram um duelo sem grande interesse. Como disse uma vez o homem que foi homenageado antes do início da partida (algo que a FIFA se esqueceu de fazer na meia-final de ontem), Alfredo Di Stéfano, "um 0-0 é como um domingo sem sol". Uma tristeza, portanto.

Mais do que jogar, Argentina e Holanda preocuparam-se em não deixar o outro jogar. Parados, a ver o que acontecia (como tão bem descreveu o escritor Mário-Henrique Leiria). Para se perceber o nível da falta de arrojo, basta dizer que, na primeira parte, o momento mais emocionante aconteceu quando Mascherano bateu com a cabeça e quase desmaiou. Antes e depois disso, houve alguns passes para o lado e para trás. Bocejo.

A Holanda preocupava-se com as transições rápidas da Argentina - De Jong marcava (o apagado) Messi individualmente - e a Argentina preocupava-se com a verticalidade de Robben e Van Persie. Ninguém queria ser surpreendido - depois de verem um jogo com sete golos...

Nem golos nem remates

A pasmaceira continuou na segunda parte - durante muito tempo houve um remate para a Holanda e três para a Argentina, os números mais pobres deste Mundial - e a coisa só animava minimamente quando o benfiquista Enzo Pérez pegava na bola. Perto do final, assistiu Higuain na área, mas o jogador do Nápoles não conseguiu marcar. Estranhamente, Enzo foi depois substituído por Alejandro Sabella. Devia estar a destoar muito.

Quem também quis destoar, aos 90 minutos, foi Robben, que entrou isolado na área argentina, mas permitiu um corte fantástico em carrinho de Mascherano, que esteve em grande nível. Foi o único "golo" do jogo.

No prolongamento, houve o segundo (!) remate da Holanda à baliza, outra vez por Robben, houve vários cortes fulcrais do central Vlaar (100% eficaz) e um falhanço incrível de Palacios na cara de Cillissen. Fim.

Van Gaal não tirou coelho da cartola 

Romero defendeu dois penáltis e foi, por isso, considerado o homem do jogo - apesar de não ter tido grande coisa para fazer durante os 120 minutos
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Seguiram-se os penáltis, hoje também sem grandes histórias para contar. Não houve substituição de Van Gaal no último minuto do prolongamento, para colocar Krul. Foi Cillissen o escolhido para defender, ele que em toda a carreira nunca tinha defendido um penálti (em 16 oportunidades).

E também não foi hoje que defendeu. Messi marcou, Garay marcou, Aguero marcou e, por fim, Maxi marcou. Do outro lado, o impecável Vlaar falhou - ou melhor, Romero defendeu -, Robben marcou, Sneijder falhou - Romero novamente herói - e Kuyt marcou. 

Mesmo sem mostrar grande qualidade, a Argentina está na final do Mundial, 24 anos depois de ter perdido, precisamente, com a Alemanha, no Mundial-1990. Quanto à Holanda, vai para casa com uma dupla derrota. Nem chegou à final, como em 2010, nem mostrou ao mundo o habitual estilo que revolucionou o jogo há mais de quarenta anos, especialmente naquele Mundial-1974 em que mostrou o "futebol total" ao mundo, com Cruyff como grande protagonista.

Tal como na seleção brasileira, o 'joga bonito' holandês (que inspirou o tão famoso 'tiki taka') deu lugar ao pragmatismo. "Prefiro um louco atrevido que encha o futebol de vida, do que essa inteligência calculista, controlada e especulativa. Esta maravilha chamada futebol nunca deveria converter-se numa coisa aborrecida que nos lembra num jogo que existe a morte", escreveu Jorge Valdano no "El País", num texto intitulado "A Holanda não vai à sua própria escola". E não valeu a pena a Holanda ter ficado à espera, a ver o que acontecia. Porque chegou a Argentina e disse: olha uma laranja. E zás, comeu-a.