A história de "Tokyo Sonata" é universal, podia passar-se em qualquer tempo e em qualquer lugar, mas ganha outra leitura, à luz do presente, desde que a crise económica estalou à escala do globo.
"Tokyo Sonata" acompanha os Sasaki, uma família da classe média-alta de Tóquio, pai, mãe e dois filhos adolescentes, que mantêm esse estatuto social graças ao emprego do patriarca, director de secção de uma empresa de sucesso da segunda economia mais poderosa do mundo.
Só que o pai é convidado a sair do emprego. Os cortes anunciam-se, a empresa precisa de reformular tudo. Envergonhado (e poucos filmes sobre a vergonha foram tão fortes como este), sem saber com pagar as contas do seu generoso duplex, o homem decide esconder da família a sua situação real e começa a procurar uma solução, enfrentando uma via sacra de burocracias e filas de espera nos centros de emprego.
Desesperado, acaba a lavar sanitas de um centro comercial. Outros engravatados, como ele, descobrem-se na mesma situação. Ao mesmo tempo, Kurosawa radiografa por completo o tecido social nipónico, mostando-nos um choque de gerações entre pais e filhos: o mais velho dos adolescentes, revoltado com a situação do país, alista-se como voluntário no exército, faz-se soldado e é enviado para o Iraque; o mais novo, troca a escola por aulas de piano, contra a vontade do pai, e revela-se um virtuoso.
Resta a mãe, que é a base da estrutura, o seu último reduto, e que assiste silenciosa e impotente ao desastre. Não se espere daqui gesto beato e sentimentalista: o filme é tão cruel como a realidade que tem à sua frente.
Kiyoshi Kurosawa (não confundir com Akira, que morreu há dez anos) é um grande cineasta que habitualmente se move nos terrenos do thriller e do cinema de terror. A mudança de registo é completa e os fantasmas de "Tokyo Sonata" são, desta vez, materiais e concretos. O realizador vai provar-nos que o quotidiano pode transformar-se no mais penoso dos infernos, extraindo dele uma lição política e ética para reter anos a fio.
Tokyo Sonata (Japão) de Kiyoshi Kurosawa ("Observatório") Domingo, dia 26, 21h30, Museu do Oriente. Repete no mesmo local na quinta, dia 30, 19h