ARQUIVO Cinema: IndieLisboa

Cinema: O crítico entalado

Atenção a "Un Autre Homme", sátira romanesca a uma profissão muito estranha que dá pelo nome de 'crítica de cinema'. (vídeo com o trailer no fim do texto)
François (Robin Harsch): o cinema é uma ilusão

O Indie aproxima-se do fim e prepara-se para anunciar os prémios de uma competição internacional, já toda a gente percebeu, que não trouxe grandes iluminações ao horizonte. Há anos assim. Mas há outras coisas que passam ao lado, de forma discreta, e que são estimulantes: "Un Autre Homme", por exemplo. É um sátira à crítica de cinema. Uma ficção sobre a crítica tout court. O Indie descobriu-o no último Festival de Locarno.

Por coincidência ou nem por isso, o festival lisboeta promove amanhã, 2 de Maio, um debate nas suas "Lisbon Talks" (Cinema São Jorge, 17h30 - a entrada é livre) sobre o papel da crítica nos dias que correm e o modo como ela se desenvolve hoje na Net. Vale a pena espreitar.

Mas voltemos ao filme, que é a segunda longa-metragem de Lionel Baier, realizador de Lausanne, de 33 anos. Amigos estrangeiros juraram-nos a pés juntos que Baier é o melhor dos novos cineastas suiços da actualidade. Ser o melhor dos "jovens cineastas suiços" quer dizer o quê em terra de chocolates e relógios de cuco? Em matéria de cinema, o país não deu grande coisa ao mundo. Noutras matérias, sejamos francos, também não. Mas "Un Autre Homme" é um filme brilhante que também fala disso.

Somos apresentados ao 'outro homem' do título, rapaz de vinte e poucos, François Robin. Na faculdade, estudou o francês medieval. Agora, procura emprego mas a coisa, mesmo na Suiça, não está fácil. François tem que pagar a renda do apartamento que partilha com a namorada, rapariga adorável que gosta de ver "A Canção De Lisboa" (esse mesmo, o da Beatriz Costa) na TV. Parece que vai tudo correr bem, apesar da falta de emprego. Mas François não tem à sua espera um mar de rosas.

Em Vallée de Joux, terreola alpina, o jornal local, que tem 6 páginas e tira 5000 exemplares todas as sextas-feiras, procura um jornalista, pau para todo o serviço. François fica com o 'job'. Para além de outras missões, é incumbido de fazer crítica de cinema. Só que François não percebe patavina de cinema. Pior: tem que escrever um texto sobre um filme de Gus van Sant, que não é dos mais fáceis.

François quer dar nas vistas, cede à tentação e escolhe o pior caminho: plagia o que não pensou e o que não escreveu de uma revista especializada. Entretanto, Lionel Baier já lançou uma sátira, divertida e doce, à profissão. Mas dá-se um 'milagre': é que François, graças a esse plágio, apaixona-se pelo cinema. Começa a ler umas coisas, a comprar uns filmes, a ir à grande cidade (Lausanne) para assistir às projecções de imprensa. E conhece alguém que vai alterar por completo o seu pequeno mundo.

Para François, o cinema começa por ser uma nuvem escura. Mais tarde, torna-se uma mulher, Rosa, ela sim, crítica de cinema profissional num dos maiores jornais do país. O cinema vai enganá-lo. A crítica também. O amor também. Esta é uma comédia de sabor amargo, filmada a preto e branco, a piscar o olho à "Nouvelle Vague" e aos 'jovens turcos' que, na passagem da década de 50 para a de 60, 'privatizaram' o gosto e inventaram o cinema moderno e a cinefilia. Só que, depois da comédia, há um drama que rebenta. Um 'drama cinéfilo', digamos assim, que fala da passagem da inocência à culpa, da adolescência à vida adulta.

Un Autre Homme de Lionel Baier Sexta-feira, dia 1, 21h30, Cinema Classic Alvalade