ARQUIVO Cinema: IndieLisboa

Cinema: Fados & Fragmentos

"Aldina Duarte: Princesa Prometida" e "Ruínas" são os dois documentários de Manuel Mozos que o Indie apresenta. E não podiam ser mais diferentes um do outro.

A voz de Aldina

Há uma secção do IndieLisboa pela qual temos muita simpatia: é o "Indie Music", e está quase sempre às moscas. Na noite do último domingo, porém, o São Jorge estava quase cheio para ver "Aldina Duarte: Princesa Prometida." É um documentário de Manuel Mozos sobre a fadista do título, tem uma hora de duração, e há muito a dizer sobre a sua graça. A Midas, de Pedro Borges, produziu-o. Aparentemente, é um documentário formatado para a TV do primeiro ao último segundo. Só que Manuel Mozos, a pouco e pouco, encontra uma maneira de dinamitar esse modelo.

Aldina Duarte, dizem os especialistas, é uma revelação do fado (gravou até à data 3 discos). Não nos perguntem nada sobre fado. Mas o filme não se fica por aí: é que dá-nos o fado, e o fado de Aldina. Descobre a paixão pela música através de uma mulher humilde e divertida como poucas. O que temos, afinal, é uma "Aldina personagem", muito digna na sua maneira de ser, sem papas na língua - e só uma pessoa que não vá por bem não aceitará a empatia. Por aqui, pelo lado afectivo, o filme está ganho.

Enfim, isto pode ser uma coisa trivial mas nem sempre é fácil filmar o trivial, sobretudo quando se opta pelo modelo "talking heads": cabeças falantes em entrevista, excertos de concertos nos antros fadistas de Alfama, de novo as cabeças falantes, etc. Já dissemos o mesmo sobre "Tyson", de James Toback - às vezes pode optar-se pelo óbvio mas aquilo que o cinema nos dá nem sempre é rectilíneo. Às tantas, apercebemo-nos, sem que isso jamais seja explícito, que Mozos conhece Aldina há um ror de anos. Apercebemo-nos que, se não fosse ele, talvez Aldina nem cantasse. E Mozos, que é um bom cineasta, lá arranja maneira de encontrar velocidades diferentes para as tais "cabeças falantes": Mozos arrisca um diálogo inesperado da fadista com Jorge Silva Melo e ganha um momento de comédia. Arrisca outro, com a mãe de Aldina, e abre as portas ao drama. De resto, Mozos é generoso, não é preciso conhecê-lo: isso está nos seus filmes. No seu cinema, por exemplo, o de "Quatro Copas", que ainda aguarda estreia, até os maus são bons. Bela conquista.

Mas Mozos tem um filme no Indie que é superior, chama-se "Ruínas", foi produzido pela "O Som e a Fúria" e integra a Competição Nacional. A sua reputação de "difícil" já começa a correr nos bastidores do festival. "Ruínas" é um filme de fragmentos que alinha, durante uma hora, ruínas de Portugal, da sua memória, do seu tempo.

Começa com a implosão das torres da Torralta, em Tróia, e vai por aí fora. Os planos são todos fixos mas os enquadramentos são todos diferentes. E vemos escolas, fábricas, barragens, salas de teatro e de cinema abandonados no país, pelo país.

O estímulo maior, porém, vem da banda-som. É que os fragmentos de imagens são alinhavados e - arriscamos dizer - assombrados por fragmentos de som que descobrem novos encontros. Mozos reuniu em audio coisas (textos) muito estranhas e que nada têm em comum: livros de receitas do século XVII e cartas de Cavaleiro de Oliveira; manuais de etiqueta e testemunhos de actividades bombistas nos anos 30, poemas de Ruy Belo e de Pascoaes. Parece uma viagem à Lua mas tem os pés na Terra, aqui, em Portugal, na sua memória e nos seus vestígios.

"Ruínas" é um filme vibrante e inesperado no percurso de Manuel Mozos, de quem não conhecíamos admiração por um cinema estruturalista próximo de James Benning e de Heinz Emigholz. É uma das descobertas deste festival.

Aldina Duarte: Princesa Prometida de Manuel Mozos

Ruínas de Manuel Mozos Quinta-feira, dia 30, 22h, Cinema São Jorge. Repete sexta-feira, dia 1, 17h45, Cinema Londres