Cultura

“Escrever um poema é mais difícil que morrer: nem todos podem escrever um poema, morrer está ao alcance de todos”: Joan Margarit morreu

Poeta espanhol tinha 82 anos. Deixa uma obra por publicar

Joan Margarit
NurPhoto/Getty Images

“Escrever um poema é muito mais difícil do que morrer: nem todas as pessoas podem escrever um poema, morrer está ao alcance de todos.” A afirmação, citada no El País, foi proferida depois de adiada, devido à pandemia, a cerimónia de entrega do prémio Cervantes 2019, que devia ter-se realizado em abril de 2020. O prémio, o mais relevante da literatura espanhola, chegou só no final do ano numa cerimónia privada em que os reis de Espanha entregaram a distinção. A 16 de fevereiro, o autor de alguns dos mais reconhecidos poemas contemporâneos em Espanha, Joan Margarit, morreu em Barcelona.

Aos 82 anos, Margarit, vítima de cancro, deixa poemas sobre sentimentos. “O poema surge do interior do poeta, da sua própria vida, e ainda assim deve falar daqueles subtilíssimos sentimentos que não lhe pertencem a ele apenas, pois nesse caso seria um mau poema, na exata medida em que não poderia interessar a ninguém mais do que a si mesmo. Os poemas devem construir-se a partir de algo que, constituindo parte da vida do poeta, pertença igualmente à dos demais”, escreveu no prólogo da tradução do catalão para português de “Misteriosamente Feliz”, pela Língua Morta, em 2015. Em Portugal também conta com a tradução de “Casa da Misericórdia”, pela Ovni, em 2009.

Catalão e castelhano eram as línguas em que escrevia o poeta (primeiro em catalão, traduzindo depois ele próprio para o castelhano - a única coisa boa deixada pelo ditador Franco, disse). “Uma é a materna, a outra foi adquirida e gosto dela: não vou renunciar a nenhuma das duas línguas, digam o que disserem os políticos”, afirmou aquando do prémio Cervantes, citado pelo El País.

Aliás, no seu site lá está indicado: há prémios e distinções recebidas no âmbito da literatura catalã e também da literatura espanhola. Os mais recentes foram o prémio Cervantes, que é atribuído pelo Ministério espanhol da Cultura, e o Prémio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana, ambos em 2019.

“Estación de França” e “Joana” (escrito quando a filha homónima estava doente) são das principais obras de Margarit, onde também conta com antologias da sua própria autoria. “Sin el dolor no habríamos amado” é a antologia pessoal, editada em 2020; “Para tener casa has de ganar la guerra”, de 2018, são uma espécie de memórias de infância e primeira juventude. Aí, deixou uma questão, como cita o El País: “não responde a minha poesia a esta dificuldade de transmitir o afeto?”.

Nasceu em Segarra, na Catalunha, Espanha, em maio de 1938, tendo passado a sua infância e adolescência a mudar-se entre várias cidades, de Barcelona a Tenerife, passando por Girona, entre outros. A guerra civil marcou aqueles primeiros anos, onde também experienciou a solidão, como admitia. Foi na vida e nos desgostos que foi arranjando emoção para os escritos. Arquiteto era a sua profissão, tal como o pai, Joan Margarit i Serradell, sendo a sua mãe a maestra Trinitat Consarnau.

No ano passado, em março, quando havia um confinamento ditado pela pandemia, foi-lhe diagnosticado um linfoma mas não pôde ir ao hospital para fazer a biopsia. “Passei o primeiro mês a curar um cancro com aspirinas”, disse, numa entrevista publicada em janeiro no La Vanguardia.

O poeta “devoto da emoção”, como escreve o El Mundo, deixa um livro por publicar. “Animal de bosque” ou “Animal de bosc”, mais uma obra bilingue, chegará às livrarias em breve, desta vez uma obra póstuma. Ao La Vanguardia deixou um desejo: que fosse um dos "primeiros da liberdade que virá depois do confinamento".