Entre abril de 2024 e abril de 2025, Sepideh Farsi, cineasta iraniana há muito exilada em França, manteve um contacto regular por videochamada com Fatma Hassona, jovem fotógrafa palestiniana, amadora e talentosa, que cometera a si própria a missão de documentar por imagens e testemunho a terrível destruição que Israel estava a praticar na sua Gaza natal. “Com a Alma na Mão, Caminha”, o filme que nasceu dessa relação pela internet, é quase só a montagem das conversas entre as duas, cheias de intermitências por dificuldades de ligação e pontuadas por fotografias e sons (e, lá para o fim, um pequeno vídeo), recolhidos por Fatma e postos por via digital nas mãos da realizadora. Aqui e além, ecrãs de televisão mostram a guerra em serviços de notícias. Sepideh Farsi vai ligando de Paris, do Canadá, de Marrocos, dos lugares onde o seu filme anterior ia sendo mostrado, errância de cineasta; Fatma Hassona também vai mudando de lugar, as mais das vezes procurando uma melhor ligação de internet, outrossim tentando escapar aos bombardeamentos. E vamos ouvindo as suas narrativas, sobre a devastação, sobre a dificuldade em angariar comida, sobre os mortos — arrepiante a morte da avó e aquele encontro com uma cabeça decepada — mas, em particular, sobre a sua profunda sensação de pertença a uma nação, a uma cultura e a um território, o orgulho de resistir. Há um momento do filme em que, trucidada pela depressão, ela diz que já só quer estar longe dali, num lugar qualquer onde haja paz. Mas, tempos volvidos, quando Sepideh Farsi lhe anuncia que o filme que estamos a ver tinha sido selecionado para o Festival de Cannes e diz que vai tentar que ela esteja presente, Fatma fica muito contente, mas não expressa qualquer vontade de permanecer fora do seu país. Pelo contrário, tem uma forte determinação: “Não posso deixar Gaza, porque mesmo que tudo e todos os lugares estejam destruídos, não posso sair daqui, está aqui a minha família, as minhas memórias, as minhas coisas, os meus amigos, tudo o que é meu! Nós só temos Gaza, não temos outra terra a não ser Gaza, esta é a nossa terra, onde nascemos e vivemos. Podemos reconstruir Gaza e reconstruir as nossas casas e os nossos lugares. Não sei quando, mas acredito que tudo isto acabará.” “Com a Alma na Mão, Caminha” esteve, efetivamente, em Cannes, em maio de 2025, na secção paralela ACID. Fatma Hassona já não…
Exclusivo
Cinema: de Gaza para o mundo, Fatma Hassona deixou as suas palavras e as suas imagens
A fotógrafa Fatma Hassona está em Gaza, a cineasta Sepideh Farsi no Mundo. E conversam, para que a Terra não esqueça