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Cultura

A biblioteca de D. João V que se perdeu no terramoto de 1755

O iluminismo europeu e cosmopolita, da primeira metade do século XVIII, ao surgir articulado com uma cultura cortesã, contrasta com a ideia de um iluminismo emancipador e promotor de igualdades e liberdades, que levou à Revolução Francesa e à formação de regimes liberais

Gravura representando a Lusitânia, com o escudo da coroa de Portugal, tendo a seus pés, agrilhoados, um chinês e um africano. Giovanni Battista Sintes, sobre desenho de Pietro Zerman, “Relation du voyage de Monseigneur André de Mello de Castro a la Cour de Rome” (Paris, 1709). Exemplar da Biblioteca da Casa Cadaval – Condessa D. Teresa Schönborn

A devoção à monarquia parece, hoje, decorrer em paralelo à adoração pelas grandes bibliotecas. É que, no meio de sociedades democráticas, dotadas de uma cultura massificada e digital, a corte e os locais de culto do saber livresco surgem como marcas contrastadas de um arcaísmo — uma espécie de símbolo de uma distinção erudita, rodeada de segredos e mistérios, detentores de uma força carismática, projetada num imaginado tempo dos reis. Só assim se compreende que, em Coimbra, a Biblioteca Joanina se tivesse transformado num dos locais de maior atração turística. E que, à mesma luz, se possam explicar tanto o fascínio suscitado pelas bibliotecas imaginadas de Jorge Luis Borges, agora evocado pelos seus sucessores.

O novo livro sobre a biblioteca do rei D. João V, escrito por Angela Delaforce, representante de uma antiga família inglesa de vinhateiros do Douro, está ancorado no mesmo ethos da distinção. “The Lost Library of the King of Portugal” é o resultado de uma investigação cuidada, conduzida de forma inteligente e erudita, que aprofunda um trabalho anterior sobre o mecenato artístico, no Portugal de Setecentos (“Art and Patronage in Eighteenth-Century Portugal”, Cambridge U. P., 2002). A historiografia portuguesa necessita dos estímulos criados à distância, com vastos recursos, por investigações deste género. A principal riqueza do livro em causa está na determinação da sua autora em procurar encontrar um sentido de conjunto para a política cultural do longo reinado de D. João V (1706-1750).