Tom Ford é um provocador. O convite para o desfile da sua coleção primavera/verão do próximo ano, que abriu a Semana da Moda de Nova Iorque, chegou com uma garrafa da sua mais recente fragrância, a que decidiu chamar... Fucking Fabulous. O adjetivo assentaria na perfeição a duas das convidadas que se sentaram na primeira fila da Park Avenue Armory, no Upper East Side: as ex-supermodelos Cindy Crawford, de 51 anos, vestida com um longo vestido prateado, e, a seu lado, Helena Christensen, 48 anos, a brilhar num modelito reduzido em tons de bronze. Estavam ali para ver as propostas daquele que foi o menino de ouro da última década do século XX, dono hoje de um império multimilionário (as vendas em 2017 deverão ultrapassar os 1,5 mil milhões de euros) com mais de uma centena de pontos de venda em todo o mundo e uma carreira como realizador que já lhe valeu a nomeação para um Globo de Ouro, com o seu filme mais recente, “Animais Noturnos”.
A proposta de Tom Ford para a nova estação é “trazer de volta os anos 90”, com alguns vestidos por vezes tão curtos que mal tapam as ancas. Se há alguém capaz de o fazer é ele, o homem que agitou o conservadorismo da moda com anúncios hipersexualizados e dirigiu o fulgurante renascimento da Gucci, convertendo-a numa das marcas mais copiadas dos anos 90, antes de se aventurar em nome próprio.
Quando o norte-americano — então um designer praticamente desconhecido — assumiu a direção criativa da histórica casa italiana em 1994, esta estava em acentuada decadência. Numa era dominada pelo grunge, foi capaz de a resgatar do esquecimento e da iminente bancarrota com coleções sensuais inspiradas na liberdade sexual dos anos 70 e provocantes campanhas publicitárias (muitas delas fotografadas por Mario Testino) que fizeram com que ganhasse o epíteto de “Rei do Sexo”.
“Talvez o tenha feito para provocar um pouco, numa altura em que a publicidade era menos abertamente sexual. A moda no início dos anos 90 era muito depressiva. Estava na hora de mudar”, explicou ao diário britânico “The Guardian”. Uma das campanhas mais controversas mostrava os pelos púbicos de uma manequim depilados com a forma do logo da Gucci.
A fórmula não demorou a revitalizar a marca: em pouco mais de dois anos, esta passou de prejuízos que rondavam os 25 milhões de euros por ano para lucros acima dos 130 milhões. Com a cumplicidade do Domenico de Sole (que presidiu à Gucci durante os dez anos em que Ford lá esteve e que o acompanhou na aventura de criar uma marca própria), o designer lançou-se depois na construção de um grande grupo de moda: investiu em jovens criadores como Nicolás Ghesquière (atual diretor criativo da Louis Vuitton), Stella McCartney e Alexander McQueen, e adquiriu uma dezena de marcas num par de anos, incluindo a reputada Yves Saint Laurent (YSL), em 1999.
A inveja de Saint Laurent
Durante cinco anos, Ford desenhou as coleções das duas prestigiadas marcas, fazendo dele provavelmente o designer mais poderoso do mundo. Porém, apesar do sucesso nos negócios, o criador recorda a passagem pela YSL como algo penoso, muito por culpa do designer francês. “O Yves e o seu companheiro, o Pierre Bergé, tornaram a minha vida miserável”, contou à revista “Advocate”. “Tenho cartas do Yves Saint Laurent que são tão maldosas que não é possível acreditar que tal acidez seja possível. Não acredito que ele estivesse pedrado quando as escreveu. Acho que estava apenas invejoso, por causa do êxito que estávamos a ter”.
Depois de uma década fulgurante, em que transformou uma empresa em crise num poderoso império com vendas anuais que superavam os 2,5 mil milhões de euros, a saída de Ford do grupo Gucci, em 2004, apanhou o mundo da moda de surpresa. O criador americano, então com 42 anos, comparou a rutura — provocada por desavenças com o magnata François Pinault, então CEO do grupo Kering, que comprou a Gucci — a um doloroso divórcio, que o lançou numa crise de meia idade. “Embora percebesse que tinha uma identidade sem a Gucci e a YSL, a minha vida e o meu trabalho tinham-se entrelaçado. Tive um súbito ataque de pânico. Pensava ‘Quem sou eu?’”. Tirou três meses de férias e regressou com um plano: criar a sua própria marca e aventurar-se no cinema.
Aos poucos, foi erigindo um novo império, agora com o seu nome. Primeiro lançou uma linha de óculos de sol, em 2005; um ano depois, criou, em parceria com a Estée Lauder, a sua primeira fragrância (Black Orchid), que hoje fatura cerca de 125 milhões de euros por ano; e em 2007 — ano em que o Grupo Amorim adquiriu 25% do capital da empresa, que ainda mantém (Ford tem 63,75%, De Sole os restantes 11,25%) — apresentou finalmente a sua marca de roupa, com uma coleção para homem onde se destacavam os fatos de corte clássico com preços a rondar os 5000 euros. A primeira coleção para mulher chegaria três anos depois, em 2010.
Ford apostava numa marca exclusiva, destinada aos super-ricos. Pessoas dispostas a pagar mais de 6000 euros por um par de sapatos ou 20 mil euros por um vestido ou por uma mala em pele de crocodilo (em Portugal, as coleções estão à venda nas quatro lojas da Fashion Clinic). “Com o aumento da riqueza neste mundo, é possível ter uma atividade muito lucrativa seduzindo apenas uma pequena percentagem de pessoas — pessoas com, sejamos realistas, muito dinheiro”.
Apostava também na mesma fórmula de provocação que o colocara nas bocas do mundo quando estava na Gucci. Algumas campanhas foram mesmo banidas por serem demasiado explícitas, como um anúncio a um perfume de homem que aparecia colocado entre as pernas de uma mulher. Noutro, colocou o frasco entre as nádegas de um modelo.
Sempre imaculadamente vestido nos seus fatos escuros, tornou-se também o melhor embaixador da sua marca. Em 2006, foi o editor convidado de uma edição da “Vanity Fair” e apareceu na capa, de camisa aberta até ao umbigo e acompanhado das atrizes Scarlett Johansson e Keira Knightley, completamente nuas. “Sei que tenho uma aparência que pode ser usada em meu favor”, reconhece. “Agora estou a vender-me a mim mesmo, a minha cara, os meus pensamentos. Sou o meu homem”.
Aos 57 anos, não se poupa a esforços para ter uma imagem cuidada, apesar de ter deixado as injeções de Botox quando ele e o companheiro adotaram um bebé há cinco anos. “Decidi aceitar o envelhecimento”, justificou. Joga ténis pelo menos três vezes por semana, faz Pilates duas vezes, anda a pé, nada, monta a cavalo no seu rancho em Santa Fé, faz esqui, diz estar em dieta desde os 13 anos e quase não bebe.
O sonho do cinema
Nascido em Austin, no Texas, em 1961, Ford mudou-se para Santa Fé com a irmã e com os pais, dois agentes imobiliários, quando tinha 11 anos. Sentia-se um outsider, talvez por ter sido “uma criança mimada”. “Odiava desportos de equipa. Era mais artista do que jogador de futebol. Tive experiências horríveis quando era miúdo”, revelou recentemente à revista “Hollywood Reporter”.
Depois de acabar o liceu, foi para Nova Iorque estudar História da Arte e começou a dar-se com Andy Warhol (“Era muito fácil conhecer o Andy e entrar no Studio 54 se fosses um rapaz bonito de 17 anos”). Acabou por mudar para Teatro, porque tinha o sonho de ser “uma estrela de cinema”. Teve tanto sucesso em publicidade — chegou a entrar em 12 anúncios ao mesmo tempo, de cremes para a acne a champôs e desodorizantes — que acabou por desistir dos estudos. Apesar disso, depressa percebeu que não teria futuro como ator, porque era tímido e não gostava que lhe dissessem o que fazer. “Não gostava de ler uma fala da forma que o realizador me dizia para fazer quando achava que ela era estúpida. Ou de não poder refazê-la”, explicou a “The Guardian”.
Voltou à universidade e licenciou-se em Arquitetura, mas também não era isso que queria. Era a moda. Depois de estagiar na Chloé, em Paris, trabalhou com os designers americanos Cathy Hardwick e Perry Ellis, até que, em 1990, entrou na Gucci como criador de pronto a vestir para mulher. Daí até à direção criativa da marca e uma década de sucesso retumbante foi um pequeno passo.
Mesmo depois de ter desistido da carreira de ator, Ford nunca perdeu de vista o cinema. Inspirado pelo trabalho de Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick e Brian de Palma, entre outros, lançou-se em 2009 numa carreira de realizador. A estreia foi com “Um Homem Singular”, adaptação de um dos primeiros romances do movimento de libertação homossexual, com Julianne Moore e Colin Firth como protagonistas. Financiou parte do filme do próprio bolso, com a fortuna acumulada depois de uma década no grupo Gucci. “Perdi algum dinheiro — outras pessoas ganharam — mas valeu cada centavo. Nunca me diverti tanto”. Apesar do ceticismo de muitos, o filme foi um sucesso, tendo sido nomeado para um Leão de Ouro no Festival de Veneza e valendo a Firth a nomeação para o Óscar de Melhor Ator e um BAFTA. O ator britânico não lhe poupa nos elogios: “É um dos melhores realizadores com que trabalhei em 30 anos”.
O seu segundo filme, “Animais Noturnos” (2016), um thriller obsessivo baseado no romance “Tony and Susan”, de Austin Wright, foi igualmente aclamado pela crítica, tendo vencido o Grande Prémio do Júri do Festival de Veneza e estado nomeado para um Globo de Ouro (Melhor Argumento). Um ano antes, no Festival de Cannes, a Focus Features venceu o leilão para distribuir o filme a troco de 20 milhões de dólares (cerca de 17 milhões de euros), o valor mais alto pago num festival de cinema.
O filme, sobre o preço a pagar por não ser capaz de renunciar ao luxo e ao êxito, tem algo de autobiográfico, admite o antigo diretor criativo da Gucci e da Yves Saint Laurent: a personagem principal, Susan, uma galerista de sucesso à beira da depressão, podia ser o alter ego de Ford, que escreveu o argumento do filme a partir da adaptação da obra de Wright. Em entrevista à “Hollywood Reporter”, o realizador relata a sua luta interior por ser um símbolo do consumismo, vendendo peças que custam cinco dígitos e vestindo personalidades como Madonna, Gwyneth Paltrow ou Michelle Obama. “A Susan sou eu. É alguém que tem bens materiais, mas apercebe-se — talvez isto me tenha acontecido há sete ou oito anos — que essas não são as coisas importantes. Ela luta contra o mundo em que eu vivo: o das pessoas absurdamente ricas, do vazio que vejo na nossa cultura”.
O criador reconhece que se debateu com a depressão e o alcoolismo toda a vida. Não passa uma hora sem pensar na morte (“acho que nascemos assim”) e recorre a um psicólogo uma vez por semana. “Lembro-me de ter os primeiros pensamentos suicidas aos 8 ou 9 anos. Essas coisas são muitas vezes hereditárias — pessoas na minha família tiveram [depressão] —, assim como o alcoolismo, com que também me debati”. Também sofre de insónias crónicas, precisando de recorrer a soporíferos para dormir mais de três horas e vive os dias à base de café e Coca-Cola.
Apesar disso, diz estar hoje “num lugar muito bom”. Está sóbrio há vários anos, o que ajuda a manter a depressão controlada, e tem “uma família maravilhosa”. Vive com o mesmo homem (o ex-editor da revista da “Vogue Hommes International” Richard Buckley) há mais de 30 anos. Conheceram-se quando Ford tinha 25 anos e casaram-se em 2014. “Se pusermos as coisas em perspetiva, para mim não há nada mais importante do que a lealdade”.
“Tornámo-nos tão pudicos”
Tom Ford fala dos novos desafios da moda, da cultura conservadora de hoje e da sua aposta no cinema
entrevista Amy Larocca*
Desde 2004, quando se afastou do grupo Gucci, Tom Ford tem feito as coisas à sua maneira singular. Realizou dois filmes e desenvolveu a sua própria linha, pela ordem inversa à de toda a gente (óculos, seguidos por fragrâncias, cosméticos, roupa). Ele e o marido, Richard Buckley, tornaram-se pais e Ford mudou o seu estúdio de Londres para Los Angeles. Muito na forma como o mundo da moda funciona hoje — o sistema do designer/estrela, os conglomerados de luxo, a imersão tipo culto no espírito geral de uma casa — tem origem em 1995, quando ele mostrou a sua coleção pioneira na Gucci. Já era então mais do que um estilista; a sua junção do negócio com a parte criativa foi inédita e nem sempre bem recebida. Quando foi nomeado diretor criativo na Yves Saint Laurent, o senhor Saint Laurent não ficou impressionado. “Pobre tipo”, disse com snobismo. “Ele faz o que pode”.
Nesta fase caótica da indústria da moda — que cidade deve um designer escolher para o seu desfile? Quando devem as roupas estar disponíveis para as comprarmos? — Ford projeta a sua calma típica. É o quinto dia de uma onda de calor em Londres, e aí está ele, firme e bonito, saindo de umas portas pretas no seu escritório com um meio sorriso. Cheira a pot-pourri andante. Sempre foi conhecido por vender sexo, por abraçar o luxo e o excesso, bem como pela capacidade de chocar e enfeitiçar a burguesia. Desde que desenha sob o seu próprio nome, abraçou o seu talento para o glamour, com uma ênfase na roupa de noite elegante. “O que é roupa diurna hoje em dia? Calças de ioga. Mas para o serão? Boom. Tapete vermelho, vestidos de cocktail, mega”.
Teve um enorme papel na criação do moderno mundo da moda, elevando o star system dos estilistas nas velhas casas. Parece que tudo se descontrolou um pouco. Como vê o mundo da moda neste momento?
Todo este jogo de cadeiras que está agora a acontecer nas marcas é muito perigoso. Ricardo Tisci é brilhante e ele estava a fazer um trabalho fantástico na Givenchy. Não faço ideia para onde foi. Nicolas [Ghesquière] estava a sair-se bem na Balenciaga. Quando o cliente se identifica com uma marca e a seguir o estilista muda e entra um novo, como é que essa marca tem consistência? Como pode significar alguma coisa? E com a quantidade de coleções que se espera que façamos agora — antes de mostrar esta, já estou a trabalhar noutra — como é que isto deve funcionar? É uma loucura. Talvez as pessoas comecem a aspirar a algo que não seja tão descartável.
Porque acha que se chegou a este ponto?
Não reclamo crédito por isso, mas quando estava na Gucci houve a primeira onda de globalização e saltei para ela e então toda a gente fez o mesmo. Foi a primeira vez que o nosso cliente em Tóquio quis usar a mesma coisa, na mesma altura, que o cliente em Nova Iorque, em Los Angeles e em Londres. Agora todos os aeroportos do mundo têm as mesmas cadeias de marcas de maquilhagem. Somos uma única cultura, globalmente homogeneizada, tirando os conservadores e os três níveis de puritanismo.
Quais são os três níveis de puritanismo?
Oh, meu Deus, tornámo-nos tão pudicos. Andámos para trás. É tão estranho. Ficámos mais extremos porque agora na televisão pode-se ver nudez frontal a toda a hora. E a linguagem! Não há regras na televisão. A palavra f***, por exemplo, faz parte da conversa moderna. Sim, é uma daquelas palavras más que os pais nos disseram para não dizermos, e não devemos dizê-la, mas os adultos usam-na, e ela representa onde nos encontramos culturalmente, de várias maneiras. Com a pornografia tão acessível, que adulto pode realmente dizer que fica chocado por ver um pénis na televisão?
Mas isso é puritano? Parece o oposto. Se o sexo está por todo o lado, é um pouco mais difícil causar sensação quando se publica um anúncio provocador.
É estranho, porque vai nos dois sentidos. Na publicidade tornámo-nos bastante puritanos, e acho que isso tem que ver com um medo de que metade da população americana rejeite algo e isso afete o nosso negócio. Embora a televisão e a linguagem vão em frente, ainda não se pode mostrar um mamilo feminino em muitas revistas. Pode-se mostrar um seio, mas não um mamilo! Para mim um peito sem mamilo é mais perverso e é realmente assustador, mas se eu fizer essas coisas nenhuma revista as publicará, portanto não posso levar as imagens demasiado longe.
Isso é novo para si?
Bem, é claramente parte do motivo por que trabalho na Europa, mas é algo novo, sim. Há de facto um estreitamento na América. Quando filmávamos uma campanha de publicidade, costumávamos filmar para o mundo e a seguir fazíamos uma versão para o Médio Oriente porque aí há certas regras, tais como um homem não poder tocar numa mulher e toda a gente ter de estar vestida. Mas agora filmamos três versões: a versão mundial, a versão conservadora e a versão Médio Oriente. A versão conservadora é para a América.
E isso é frustrante ou é mais um desafio?
A coisa do sexo já está um pouco velha nesta altura. Não quero soar demasiado preocupado com o lado comercial, mas tem tudo que ver com penetrar através da confusão. A palavra que detesto neste momento é disruptivo. É o que toda a gente usa: “Oh, é tão disruptivo”. É apenas a nova forma de penetrar pelo meio da confusão ou criar algo de novo, e é só uma palavra, mas claro que eu quero ser isso. Não podemos ter o mesmo ar que toda a gente, por isso tenho-me tornado mais romântico. Mais sensual do que sexual, porque nesta altura é demasiado fácil. Já fiz o ponto G. Já pus lá o perfume.
Isso quer dizer que acabou com o sexo?
Percebo as críticas, vejo-as no que a imprensa diz sobre mim, todos a queixarem-se da objetificação das mulheres. Objetivei igualmente os homens ao longo da minha carreira, mas essas imagens não podem ser mostradas. Pus aquele frasco de perfume entre uns seios de mulher, mas também o pus entre as nádegas de um homem. Poucos aceitam isso, pois a nossa cultura sente-se mais confortável com a objetificação de mulheres para vender produtos do que com a objetificação de homens para o mesmo fim. Sou pela igualdade de oportunidades na objetificação.
Presumo que nos seus filmes tenha menos limitações.
Quando se é um designer, não há nada melhor que desenhar um mundo inteiro. Por muito que eu goste de moda, ela não dura. Sim, podemos ir a um museu e ver um belo vestido, mas não tem o mesmo efeito da primeira vez, quando ele era novo e vinha a descer a passarela. Num filme antigo isso não acontece. Se não o vimos é um filme novo, e quando o vemos ele agarra-nos. Vejo filmes dos anos 30 e toda a gente já morreu! Os atores estão mortos, os realizadores estão mortos, as pessoas que os escreveram estão mortas, mas ali estou eu, a chorar, a ter emoções, aterrorizado.
É gratificante ter todo esse tempo com o seu público, contar uma história de forma narrativa, em vez de impressionista?
A moda tem que ver com um momento. Deve-se contar uma história, as roupas devem ser mais do que roupas, devem fazer-nos sonhar, têm de nos inspirar, de nos excitar. Quando eu estava na Gucci e na Saint Laurent, a experiência era cinematográfica. Eu exibia sob um simples foco, e podíamos realmente controlar as coisas porque ninguém estava a olhar para mais nada senão o show. A sala inteira olhava para a mesma coisa na mesma altura, e podíamos conseguir um ritmo de emoção e ter pessoas literalmente a chorar no fim de um bom desfile. Chorar por algo belo. Agora não se pode porque eles estão distraídos, a segurar nos telemóveis e a filmarem-se. Gostava que houvesse uma maneira de conseguir que as pessoas voltassem a ver shows de moda para eu poder transmitir essa emoção.
Vi “Animais Noturnos” no dia da tomada de posse de Trump.
Peço desculpa!
É mesmo, de facto, assustador.
Não me pareceu de todo uma surpresa, porque a violência foi um comentário à nossa cultura contemporânea e ao seu vazio, por vezes. É algo com que luto constantemente, porque as coisas que produzimos, o fluxo de mercadoria de que as pessoas não precisam mas que desejam, bem, temos de manter isso em perspetiva.
Que tipo de perspetiva?
A coisa mais importante na vida são as pessoas com quem nos relacionamos. A mulher em “Animais Noturnos” é uma vítima da nossa cultura, uma vítima da sua própria educação e da sua própria insegurança, na verdade. Quis situar o filme nesse mundo muito-glamoroso-à-superfície, muito perfeito. A propósito, o personagem era bastante autobiográfico.
Tem um lado negro?
Suponho que tenho, pois criei tudo aquilo e pareceu-me totalmente normal.
Vai fazer outro filme?
Leva cerca de três anos, é uma criatura diferente. Eu gosto de ter — surpresa! — controlo criativo completo. Tenho um negócio muito forte de fragrâncias, cosmética e óculos, logo as minhas necessidades financeiras estão mais do que satisfeitas — as receitas cresceram 52% em relação ao último ano. Farei o que quiser. Não preciso de usar dinheiro alheio e ter um milhão de pessoas perante quem responder. Espero fazer algo pessoal que também atinja uma grande audiência, e que tenha permanência. É o que sei fazer.
*Exclusivo Expresso/”New York Magazine”
Tradução de Luís M. Faria
(Artigo publicado originalmente no site do Expresso a 1 de outubro de 2017)