Cultura

De volta ao tempo em que os guitarristas eram deuses

Estas não são playlists como antigamente, gravadas em cassetes saudosas, mas vêm com o mesmo amor e devoção dessas playlists de outrora

Uma playlist por João Carlos Santos

1967, festival de Monterey nos Estados Unidos. Jimi Hendrix exuberante como sempre com a sua Stratocaster preta e branca (Black Pepper) que parecia, e era, a extensão natural do seu corpo. Ao fim de oito músicas, Jimi troca a guitarra, opta por uma mais espampanante e muito barata, branca e vermelha, decorada pelo próprio. Começa a tocar “Wild Thing”. Como que tomado por anjos ou demónios, leva-nos para a sua própria dimensão. Os fãs num transe coletivo querem ser aquele deus. Deita a guitarra no chão do palco, beija-a demonstrando o seu amor por ela, acende um fósforo, incendeia-a, chama pelos espíritos e na sua rebeldia pega na guitarra e destrói-a por completo. O homem deus destrói a sua amada. Mas, na verdade, o seu grande amor, a Fender Stratocaster Black Pepper, repousa tranquila nos bastidores.

A rebeldia tem um preço... e, neste caso, a sacrificada é a guitarra mais barata.

Estes deuses percorreram os anos 70 idolatrados por muitos, amados por muitas. Álcool, mulheres, festas e muitos quartos de hotéis destruídos à sua passagem. Joe Walsh, dos Eagles, confessa ter ficado petrificado de medo quando, no princípio dos anos 90, no regresso da sua banda após 14 anos de interregno, atuou sóbrio, algo que não acontecia desde os anos 70.

Os que ainda estão vivos confessam-se atraiçoados pela memória. Keith Richards olha para fotografias de tournées feitas por Annie Leibovitz e sorri, como que surpreendido por descobrir, décadas depois, algo que lhe tinha acontecido. “É o que eu digo: ela via coisas que mais ninguém via”

Mas aos deuses todos os excessos são permitidos.

Cada um à procura do seu tom, armados de Fender e de Gibson, entre outras, fizeram história, riffs que todos conhecemos. Dedilhar “Stairway to Heaven” na guitarra é obrigatório para qualquer adolescente com pretensões a entrar neste Olimpo.

Esta playlist foi para mim uma escolha óbvia, uma escolha de alguém que ainda hoje sonha entrar nestes domínios, quem sabe um dia!? Para já, vou tocar em casa, onde, aí sim, sou um deus, mesmo que seja um deus menor, e não, não penso em queimar a minha Fender.