Quando ‘Novacane’, single com que se apresentou, se tornou uma das canções mais celebradas de 2011, o mundo estava longe de conhecer as verdadeiras potencialidades de Frank Ocean. Cinco anos volvidos, fãs de toda a parte desesperavam com os adiamentos sucessivos do segundo longa-duração do norte-americano, entretanto elevado a nome maior do r&b com o disco de estreia, “channel ORANGE”. ‘Pyramids’, ‘Bad Religion’ e, sobretudo, ‘Thinkin Bout You’ ajudaram a transformar o álbum de 2012 num clássico instantâneo e valeram a Ocean uma legião de admiradores — entre eles, ilustres como Adele, Kanye West ou Beyoncé — que passou os últimos anos a salivar por mais. “Blonde”, a resposta para todas as preces, fez-se esperar e acabou por chegar, após várias ameaças, integrado num plano que envolveu ainda o “álbum visual” “Endless” (disponível em exclusivo no serviço de streaming da Apple) e a revista “Boys Don’t Cry” que, entre outras curiosidades, inclui um poema escrito por West.
Muito terá mudado na vida de Ocean ao longo dos últimos quatro anos, mas a voz aveludada permanece a mesma, as suas canções continuam a aventurar-se em experimentações (sem perder de vista a natureza confessional) e a capacidade que tem de emocionar quem o ouve está ainda mais apurada. “Blonde” devolve-nos um músico cheio de garra, ciente do seu valor, apostado em fazer as coisas à sua maneira, mesmo que, neste caso, venha bem acompanhado. Seria fácil embandeirar o facto de ter nos créditos do disco nomes como Beyoncé, Pharrell Williams, Kendrick Lamar, André 3000 (Outkast), James Blake, Jamie xx ou o amigo de longa data Tyler, The Creator, mas Ocean não se deixa ofuscar por essas colaborações, apresentando uma coleção de canções que tem a sua impressão digital por toda a parte (na produção, inclusive). Outra decisão louvável prende-se com o facto de o músico ter os olhos postos no futuro. O que se ouve em “Blonde” é incomparável com o que ficou para trás, em “channel ORANGE” e na mixtape “nostalgia, ULTRA” (2011), e se o registo antecessor permanece fresco nos nossos ouvidos, aqui são apontados novos caminhos em canções que soam interdependentes. Ouvir “Blonde” de forma desprendida, em modo shuffle ou parcial, não é uma experiência tão gratificante quanto escutá-lo de fio a pavio.
Se qualquer dúvida quanto aos instintos transgressores de Frank Ocean não tivesse ficado desfeita nos quase 10 minutos da magistral ‘Pyramids’, ter-nos-ia sido difícil engolir ‘Nikes’, canção escolhida para cartão de visita — e abertura — de “Blonde”: só ao fim de três minutos ouvimos a sua voz sem manipulação digital. A batida sincroniza-se com o batimento cardíaco, a voz adulterada intensifica os níveis de ansiedade, mas a calma que sentimos quando finalmente ouvimos soltar-se o verso “we’ll let you guys prophesy”, é libertadora. E só após essa experiência, equilibrada entre a “chuva” e os “brilhantes”, estamos preparados para escancarar a porta de um dos álbuns mais misteriosos, intensos e honestos que ouvimos nos últimos tempos. A sensualidade tímida de ‘Ivy’ (não há verso tão pegajoso aqui quanto “I thought that I was dreaming when you said you loved me”) e as ondulações de ‘Pink + White’, valsa dançada a meias com Beyoncé (discreta, nas segundas vozes), dão continuidade à viagem de forma seguríssima. Quando chegamos a ‘Solo’, já não há como resistir. Entre temas guiados por cordas (tranquilas e oníricas em ‘Skyline to’ e ‘Self Control’, contundentes em ‘Nights’) e teclas (‘Solo’, ‘Good Guy’, ‘Godspeed’), Ocean vai empilhando, de forma exploratória, densas camadas de instrumentação (‘Pretty Sweet’, ‘Close to You’ e ‘Futura Free’, brilhante faixa de encerramento, são três dos momentos mais arriscados). Em suma, “Blonde” é um disco orgulhosamente assente em canções, que tanto falam de experiências dolorosas da juventude como apontam o dedo ao consumismo, carregando aos ombros uma capacidade sísmica capaz de derrubar as paredes que ainda separavam o homem que o assina das estrelas.