50 Anos, 50 Restaurantes

2002: o bar e restaurante da praia do Meco onde (quase) tudo acontecia

De uma barraca, só com balcão e uma pequena esplanada, na praia do Moinho de Baixo, o espaço e a fama cresceram para bar e restaurante amplo e moderno, corria o ano de 2002. As marés vivas levaram algumas das primeiras estruturas, um incêndio levou a última, mas o Bar do Peixe resiste e prepara-se para renascer. No auge, definiu um tempo. Foram décadas a criar hábitos e tendências, a servir boa comida, sangrias XL e, sobretudo, a pôr a Aldeia do Meco a mexer, graças às concorridas celebrações ao pôr do sol, DJ Sets e festas pela noite dentro. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, fazemos uma viagem no tempo, com o apoio do Recheio, para relembrar 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal

Os concorridos sunsets do Bar do Peixe

Até ao nascimento da primeira filha, a vida de Jorge Sousa e Leonor Mendes tinha laivos de nomadismo. Passavam temporadas em locais como Sagres ou Porto Covo e voltavam a Lisboa no inverno. Escolhiam os destinos em função da proximidade ao mar, pela beleza e as possibilidades que se abriam no plano de água. Jorge é apaixonado por pesca submarina e mergulho, e era a riqueza subaquática que o atraía, também, a Sesimbra. “Nessa atividade é muito importante acordar de manhã próximo do mar, para ver se está bom. Nasci ao pé do mar e é onde me sinto bem. Dentro de água, à tona ou a vê-lo o mais possível, todos os dias (risos). Conseguir conjugar o negócio com um local onde a gente se sinta em casa, é o melhor”, considera.

Os proprietários do Bar do Peixe, Jorge Sousa e Leonor Mendes

Em 1990, o casal passou a morar junto à Lagoa de Albufeira. Dois anos depois, adquirem a concessão da praia do Moinho de Baixo (Praia do Meco), na Aldeia do Meco. O que havia na praia era só um “pavilhãozinho” com um balcão, duas mesas interiores e uma pequena esplanada na areia com chapéus de sol e espreguiçadeiras. Serviam snacks, bebidas e saladinhas de polvo, e faziam melhorias mínimas. Na estrutura inaugurada dois anos depois, a cozinha já era melhor, mas continuava a ser um barzinho de 60 metros quadrados, fora a esplanada. À mesa, cresciam as opções e já havia comida confecionada e alguns frutos-do-mar. Jorge mostrava qualidades a grelhar o peixe e, com o tempo, os pedidos foram subindo.

Esplanada do Hangar do Peixe

O atual gerente do Bar do Peixe, André Mourão, frequentava aquela praia em miúdo, com a família, e lembra-se da estrutura inicial, embora ainda não conhecesse os proprietários. “Montavam o bar no início da época balnear e desmontavam-no no fim do ano. Quando deixavam ficar mais tempo do que se calhar queriam, às vezes vinha o mar grande, as marés vivas, e levava grande parte do que eles tinham”, descreve. As pessoas “reagiram bem” às primeiras versões do Bar do Peixe, à forma de trabalhar e de estar dos donos, que acreditavam poder trabalhar com outras condições. “Tínhamos de dar o salto e preparar um projeto maior, em que pudéssemos fazer um trabalho mais sólido, menos improvisado”, explica Jorge Sousa. Ultrapassado um impasse de execução, esse projeto ambicioso concretiza-se a 1 de abril de 2002, com a abertura do novo Bar do Peixe: tinha 180 metros quadrados cobertos e uma boa cozinha, para trabalhar de verão e inverno sem grandes constrangimentos. A capacidade subiu para os 50 lugares interiores e 100 na esplanada. Grandes vigas, madeira, vidraça para o mar e espreguiçadeiras desenhavam um cenário descontraído. “Começámos a criar o hábito de as pessoas irem ali, sentarem-se na espreguiçadeira, beberem uma sangria e assistirem ao pôr do sol. Era um ponto de encontro”, diz Jorge.

Festas de arromba no Bar do Peixe eram uma constante

Noites longas de festa

A afluência cresceu, também impulsionada pela animação noturna na praia, que ganhou expressão no final dos anos 90 do século passado. “Houve uns anos, por volta de 1998, em que a Praia do Meco era super animada” e, segundo Leonor, a própria Aldeia do Meco “ganhou com isso”. Começaram a ver-se “mais bares na aldeia, como o Marés e o “amo.te Meco”, de Pedro Miguel Ramos, e abriram restaurantes como O Pinhal, em que se comia muito bem”. O Meco tornou-se sinónimo de festa, que “dava muito trabalho, mas era animada”. Foi a altura em que o Meco “esteve mais na moda”, nota Jorge. Havia clientes no restaurante ou no bar que jantavam e ficavam para a festa. Além disso, “toda aquela gente que estava nos restaurantes da aldeia, ficava um bocadinho pelos bares do Meco até à 1h00 ou 2h00 e depois ia tudo para a praia, porque fechávamos mais tarde”, descrevem os anfitriões do Bar do Peixe. André Mourão recorda-se de ver muita gente a ir a pé para a praia para sair à noite e ouvir música, depois do jantar. Já José Miguel, ou “Becas”, amigo da casa há décadas, passava o dia na praia, ia a Lisboa tomar banho e trocar de roupa, e voltava para jantar. “Na altura éramos todos 'fit' e sentíamos-mos muito bem aqui”, recorda.

Uma das estruturas antigas do Bar do Peixe

Com a nova estrutura, o Bar do Peixe estava ainda mais preparado para responder à demanda. Servia os jantares e, passado algum tempo, saíam as mesas e funcionava como discoteca até às 4h00. De repente, a Praia do Meco “passou a ter três bares que também trabalhavam à noite, contando com o Posto 7 e o Bar da Ponte”. Tinha “muita vida e era super animada”, conta Jorge Sousa. “Acabava-se lá e prolongava-se um bocadinho até ao nascer do dia. Muitos já ficavam para fazer praia no dia a seguir”, sorri André Mourão. “Às vezes era até às 7h00” confirma Leonor. O pior era conseguir fechar... Acendiam-se as luzes e cada um pegava numa vassoura e começava a varrer, até o pessoal ir saindo lentamente. A estratégia de Francisco Mendes, que trabalhou com o Bar do Peixe quando era mais jovem, “ia buscar a mangueira e começava a lavar...”. É que, pelas 10h00, tinha de estar tudo pronto para reabrir. Jorge passava muitos fins de semana sem dormir e amiúde, ao domingo de manhã, ainda ia ao mercado de Setúbal comprar peixe.

Praia do Meco

Dança e naturismo

No verão havia uma data importante, o célebre torneio internacional de frisbee. Vinham entre 100 a 150 participantes de países como a Austrália, Japão e EUA fazer proezas com os discos de praia. Em boa verdade, o torneio “era um pretexto, porque iam para ali divertir-se e libertar o stress durante quatro dias”. Jogavam “com um disco numa mão e uma caipirinha na outra” e à noite havia festas, “gente a dançar em cima das mesas e do balcão e, como aquilo era muito naturista, uns começavam a despir-se aqui, outros acolá, e faziam um sururu (risos)”. Sempre com bom ambiente, sem “o mínimo de problemas”, garantem os proprietários. Lidava-se de forma saudável com a prática naturista nalgumas zonas da praia, que é oficial naturista.

O famoso pôr do sol do Bar do Peixe

Sunsets e a limusinas

Com o passar dos anos, alteram-se as dinâmicas. A grande aposta passaram a ser os sunsets. Primeiro com a música a cargo de Jorge, depois com a contratação de DJs e sets mais elaborados. “Juntavam-se em harmonia as famílias e o pessoal que vinha só para dançar e beber. Uns vinham de um dia na praia, outros de Lisboa ou do Porto. Fomos um bocadinho pioneiros nesses sunsets, e depois o conceito começou a expandir-se. Aquilo tinha emoção pela música e o ambiente, tornava-se especial”, comenta Jorge Sousa. Um a um, iam chegando os “espetadores” do magnífico pôr do sol e aí ficavam com sangrias, de preferência em tamanho XL, gins, lapas e outros petiscos. André era frequentador e assistiu ao grande aumento da afluência. Foi de tal ordem que “começou a ser demais”, admitem os donos. “Já vinham crianças, pessoas com lancheiras e geleiras, faziam festas de anos e piqueniques. Era muita gente, a estrutura já não aguentava e parámos antes de perdermos o controlo e descambar”, explica Jorge. A pausa nas festas ao pôr do sol aconteceu em 2017, um ano antes de André começar a trabalhar no Bar do Peixe. Ocasionalmente, ainda se realizam sunsets, avisando-se meia dúzia de clientes habituais.

Mariscos sempre apetecíveis...

Conscientes das qualidades do Bar do Peixe estavam muitos famosos, como o ex-jogador de futebol Eric Cantona, que se refastelou com amêijoas, camarão e um pargo com quase 3 kg, para si e o grupo que o acompanhava. Cristiano Ronaldo apareceu com a irmã, o cunhado e amigos: “Foi impecável e passou lá uma tarde, tranquilo e sem ser chateado”. Já Salomon Kalou, que vestiu as cores do Chelsea, “veio de limusina ao restaurante”, em busca da qualidade do peixe de que ouvira falar.

A organização do Super Bock Super Rock tem escolhido o Bar do Peixe para o lançamento do festival. Numa das edições, elementos dos Portishead almoçaram neste local. Como estava muito trânsito, o staff ajudou-os a chegar a horas ao recinto: “Fomos de jipe levá-los, fazendo corta-mato pela Lagoa, lá por trás, por uns caminhos que só nós conhecíamos (risos)”. Fafá de Belém e Daniela Mercury também vieram, bem como a fadista Mariza, esta “sempre atrás dos mariscos e do peixe”. Certa vez, estava Leonor sentada na esplanada quando a apresentaram a um grupo, com “duas pessoas brasileiras a dizer que, no ano que vem, iriam fazer um festival de música em Portugal”. Quando se anunciou a edição portuguesa do Rock In Rio, Leonor percebeu que falara com Roberta Medina, a organizadora do festival.

Estrutura do Bar do Peixe foi destruída por um incêndio, em 2021

Incêndio e o nascer do hangar

O peixe grelhado, servido com legumes salteados ou cozidos foi sempre um clássico nesta casa, que começou também a trabalhar o “Atum” (€65/kg), braseado no carvão de ambos os lados e servindo cru no interior, com batatinha a murro ou legumes cozidos. Prove também os “Choquinhos e Lulinhas fritas com alho”, o “Camarão frito com alho”, o “Prego de atum” (€18), da vazia ou de picanha, as ”Espetadas de tamboril" (€22) e de lula, o “Camarão tigre grelhado” (€27) e a “Lagosta” (€90/kg). Continuando nos mariscos, acrescentem-se os “Percebes”, as “Lapas”, o “Camarão da costa”, “Gambas”, “Bruxas” (€90/kg), “Canivetes”, “Amêijoas” e o “Casco de sapateira”, que também é um best seller com tostinhas cortadas na fiambreira e passagem pelo forno. Ao nível das sobremesas, destaque para a “Tarte de limão merengada” e a “Mousse”. Ao nível das bebidas, além dos vinhos (incluindo a copo), é imperativo provar as sangrias (tintas, brancas e de espumante), sempre muito gabadas, bem como as caipirinhas, introduzidas na zona por este bar depois de Jorge regressar de um campeonato de pesca submarina no Brasil.

André Mourão, atual gerente do Bar do Peixe

Apesar do sol e da animação, o Meco tem também sido assolado por episódios tristes, como a trágica morte de um grupo de estudantes, em 2013. “Foi horrível. Os pais e a polícia estiveram uma semana inteira no nosso restaurante e o ambiente era pesadíssimo”, lamenta Leonor. Em 2021, um curto circuito deflagrou um incêndio que destruiu por completo a estrutura do Bar do Peixe. Os donos estavam de férias em Cabo Verde quando receberam o alerta da filha. Regressaram e começaram tudo de novo com o apoio de amigos e clientes. A 27 de janeiro de 2022, a equipa do Bar do Peixe abre o Hangar do Peixe, sobranceiro à Praia das Bicas e recuperando um antigo armazém degradado de limo, que eram algas que se apanhavam na zona e secavam nesse hangar, antes de irem para as fábricas. Decorado com obras de arte, manteve as janelas em meia lua para ir espreitando o mar, bem como a montra de peixe fresco, o bar de cocktails e a esplanada. O Hangar do Peixe é uma agradável via para quem deseja matar saudades das delícias gastronómicas do Bar do Peixe (Praia do Moinho de Baixo, Meco).

A natureza cura a alma, na Praia do Meco (Moinho de Baixo)

E o Bar do Peixe renasce…

No início de fevereiro começou a obra para reerguer o mítico Bar do Peixe no mesmo local de sempre, no areal. Será “mais alto, com estrutura em madeira diferente e melhores condições de saneamento, mais casas de banho e de serviços de apoio à praia”. Contará de novo com áreas interior e esplanada, o mesmo conceito gastronómico e deve reabrir na primavera, a tempo de mais um verão quente no Meco.

Sapateira e sangria, com vista para o mar

Para comemorar os 50 anos do Expresso e do Recheio, fazemos uma viagem no tempo para relembrar restaurantes que marcaram as últimas cinco décadas. Acompanhe, todas as semanas, no Boa Cama Boa Mesa.

Recorde os primeiros restaurantes desta iniciativa:

1972: O restaurante bar de Lisboa que se transformou na segunda casa do Expresso

1973: O tributo a Eusébio e uma mesa para a eternidade

1974: O Pote que ajudou a cozinhar a Revolução dos Cravos

50 ANOS RECHEIO

A marca Recheio surgiu no mercado em 1972. 50 anos depois, dispõe de 40 lojas e três plataformas distribuídas por todo o território nacional, mantendo como grande objetivo ir ao encontro das necessidades dos clientes ao apresentar desde os ingredientes às soluções, assumindo claramente um compromisso de estar ao lado dos empresários do canal HoReCa e retalho tradicional, contribuindo para o desenvolvimento do negócio, como um parceiro.

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