Foram precisos dois anos de intervenção profunda para transportar a Casa da Calçada para uma nova era. Em tons serenos, tanto o boutique hotel como o restaurante Largo do Paço, restaurante que tem sido uma “escola” de alta cozinha, onde laboraram ao longo dos últimos anos conceituados chefs, apresentam-se como novos, mais na aparência do que na essência clássica que o icónico espaço preserva.
Tudo parece como dantes à medida que nos aproximamos do centro de Amarante, pelas ruas estreitas e empedradas onde cafés, confeitarias e lojas de produtos locais convivem com um passeio bucólico à beira-rio. O Tâmega continua a refletir o emblemático edifício amarelo, mesmo em frente à ponte e à igreja de São Gonçalo, uma trilogia arquitetónica que se tornou cartão-postal e emblema da cidade.
É preciso transpor a porta principal do palacete do século XVI – outrora polo cultural e palco de conspirações políticas - para dar nota da revolução profunda que se operou no interior deste hotel de charme.
A transformação é total. As cores garridas, a meia luz e as madeiras escuras do passado deram lugar à luminosidade, com o domínio de variações de branco – do acinzentado ao bege - a apelarem à serenidade. Coube à arquiteta Pilar de Sousa apostar na luz abundante, que se reflete nas paredes claras.
A ligação aos vinhos verdes, sempre presente, assinala-se logo na receção, onde uma videira esculpida em gesso de papel dá as boas-vindas. Nas mãos da mesma artista, Iva Viana, saíram os diversos apontamentos que vão da sala de estar ao bar, do restaurante aos 35 quartos, dos quais três são suítes (desde €240).
Essência clássica
Em todo o edifício, apenas um espaço permaneceu praticamente intacto: a sala-museu, uma homenagem ao fundador António Largo Cerqueira, responsável pela criação do hotel e pela produção de vinho. Neste lugar a memória regressa aos tons de outrora e apenas se acrescentou algum mobiliário, que adota também o branco como referência. A lareira, que se acende quando a meteorologia pede aconchego, combina bem com o bolo caseiro sempre disponível para os hóspedes.
Nos 35 alojamentos, dos quais três são espaçosas suítes e um é quarto panorâmico, dotado de terraço sobre o centro histórico, o conforto é a prioridade. Mais luminosos, destacam-se diferentes tons de branco e apontamentos de verde, o mármore das casas de banho e o menu de almofadas. Do passado restou apenas algum mobiliário que liga à vida anterior da Casa da Calçada, nomeadamente as secretárias.
Relaxar com vinoterapia e namorar em segredo na gruta dos amores
A renovação do boutique hotel não se operou apenas na superfície. Além do que salta à vista, uma das grandes novidades da reabertura, em abril, é o spa, que se baseia nas propriedades da uva e da vinha para oferecer tratamentos de beleza e bem-estar.
Abraçado por um jardim frondoso e localizado sob a vinha, o Tempo Wellness Centre foi pensado para se adaptar às quatro estações do ano. Funciona das 9h00 às 20h00, quer opte pela piscina interior, sauna e banho turco – abertos às crianças até às 14h00 - ou por um ritual. Produtos da marca Vinoble e óleos aromáticos da Oliófora, ambos baseados na vinha, na uva e na grainha, servem de base a diversos tratamentos, com destaque para o “Timeless capsule”, ritual completo que inclui esfoliação com grainha, massagem com óleo de uva e ainda um facial Vinoble, terminando com uma infusão. São duas as salas de tratamento, uma delas para casal, onde é possível marcar uma massagem a dois, o “Refuge for 2”. Quanto ao ginásio, com vista sobre o jardim, está aberto 24 horas por dia.
É também no jardim, agora com mais vegetação, que se ergue a piscina exterior, apoiada por um bar sazonal, onde são servidos vinhos da casa, cocktails e snacks.
A partir desta localização, é possível explorar dois trilhos vínicos, na natureza. Floresta dentro, parta à descoberta da “Gruta dos amores”, espaço que dá acesso a uma mina de água e um dos pontos de paragem obrigatórios, antigamente usado pelos enamorados para se encontrarem em segredo.
Baralhar e começar de novo
A aposta na gastronomia sempre foi uma das facetas mais destacadas do hotel e não é diferente nesta nova fase. Com dois chefs a trabalhar em simultâneo – Francisco Quintas dedicado exclusivamente ao Largo do Paço e Emiliano Savio como chef executivo do hotel – a Casa da Calçada apresenta agora quatro opções de restauração. Além do fine dining Largo do Paço, uma das maiores surpresas da renovação, e do Canto Redondo, dedicado à cozinha tradicional, onde o roxo das paredes se transferiu apenas para as flores que enfeitam as mesas, também no terraço se servem refeições ligeiras com o apoio do bar no À Margem.
Fora de portas, uma esplanada sobre o Tâmega transformou-se no restaurante descontraído de inspiração italiana e pizzas Ciao Tílias.
Refrescante irreverência
Tem apenas 26 anos mas sabe bem que comanda atualmente um restaurante que tem servido de escola a diversos chefs nacionais com carreiras sólidas na alta gastronomia nacional. Francisco Quintas chegou ao Largo do Paço já com o “peso” de uma estrela Michelin na bagagem - conquistada no restaurante Two Monkeys, em Lisboa, ao lado de Vítor Matos.
Aos comandos do restaurante gastronómico da Casa da Calçada operou a transformação mais evidente de todo o projeto. O restaurante Largo do Paço está irreconhecível, não só pela nova configuração, e tamanho – dispõe agora de pouco mais de 20 lugares - mas também pela juventude transversal à cozinha e à sala. Com uma equipa onde a média de idades não supera os 30 anos, tanto na cozinha como na sala, há uma refrescante irreverência no menu e no serviço. Dinâmico, acelera o tempo do menu de 13 (€140) ou 15 (€150) momentos através de uma viagem lúdica, irreverente q.b. e que traz com frequência a equipa de cozinha à sala, colocando o foco na preparação e no coletivo.
Ao longo do menu, propõe-se uma viagem a várias regiões do país através dos ingredientes e desafia-se os comensais a adivinhar aromas e sabores.
“Queremos quebrar barreiras, oferecer uma experiência mais leve que desinibe”, explica Francisco Quintas sobre o fio condutor da experiência, explicando que a coreografia entre a cozinha e a sala é “uma forma de tornar o serviço menos formal”. “Sinto-me confiante e capaz de fazer mais e melhor”, garante o chef para quem o mais importante é que o “cliente esteja da maneira que lhe apetece. E que se divirta”.
“Atum”, “Bróculos” e “Sapateira” abrem o palato para a “Gamba violeta” que se aprecia no ambiente descontraído da cozinha. Segue-se o “Pão de massa mãe” acompanhado de três manteigas, uma delas de cebola e xerez e a aparente simplicidade do “Tomate”, um elogio ao fruto da época. A sazonalidade é, aliás, uma das premissas da ementa que prossegue pela frescura do “Lírio” e do granizado de pepino, seguindo pela intensidade da “Enguia fumada”. “Tamboril” e “Pregado”, na companhia de lula gigante, caviar e bergamota, encerram o capítulo dos peixes, abrindo caminho a um surpreendente “Pombo” e a uma combinação fora da caixa: “Molejas” e carabineiro". “Morango” e “Gengibre” encerram com frescura máxima.
Também no copo o mote é a viagem, conduzida pelo sommelier João Dória, seja pelos vinhos da casa – que incluem um espumante Quinta da Calçada estagiado debaixo de água – e por várias regiões nacionais, focando origem e tradição (€75), mas que também se pode fazer através dos sentidos e “sem fronteiras” (€100), abraçando as referências internacionais da garrafeira onde constam cerca de 700 referências. A pedido, existe também uma harmonização não alcoólica. O Largo do Paço funciona apenas ao jantar.
As portas da Casa da Calçada (Largo do Paço, 6, Amarante. Tel. 255410830) voltaram a abrir-se em abril de 2025 para dar início a um novo capítulo na história deste hotel com classificação cinco estrelas, agora com gestão da Amazing Evolution, e membro da Relais & Chateaux.