No acórdão 353/2012, que fiscalizou a constitucionalidade do corte de subsídios de férias e de Natal, o Tribunal Constitucional foi "amigo" do Governo.
Ao abrigo do nº 4 do artigo 282º da Constituição, o Tribunal Constitucional restringiu os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e manteve os cortes nos subsídios em 2012, só sendo repostos em 2013. O governo embolsou 1,2 mil milhões de euros.
De que valeu ao Tribunal Constitucional esta decisão, sensível aos problemas económicos do país?
O governo queria um TC sempre dócil, passando vistos à sua política.
Quando o TC começou a chumbar as medidas de austeridade do executivo sem dar abertura ao contexto económico que o país vive, o Palácio Ratton passou a força de bloqueio da política do governo.
No acórdão 603/2013 de ontem, que declarou inconstitucionais várias normas do Código do Trabalho, o Tribunal Constitucional podia ter restringindo os seus efeitos ao abrigo do mesmo nº 4 do artigo 282º da Constituição, limitando os efeitos só para o futuro.
O Tribunal Constitucional podia ter invocado razões de segurança jurídica ou interesse público para o fazer.
De modo a que, por exemplo, aqueles que foram despedidos ao abrigo das normas consideradas inconstitucionais não pudessem vir a ser reintegrados. Mas o Tribunal Constitucional não o fez.
Há hoje uma linha divisória perfeitamente definida.
O governo invoca o interesse público, como está a fazer nas providências cautelares contra as 40 horas de trabalho para os funcionários públicos.
Mas é uma defesa do interesse público deformada pelas necessidades económicas e pelo discurso do governo de que não há alternativa às medidas tomadas. Assenta quase exclusivamente em razões de ordem política, e é dificilmente aferida por critérios técnicos.
Talvez seja por isso que o Tribunal Constitucional não corre o risco de invocar o interesse público. Se o fizesse entrava na política. Como talvez tenha feito quando manteve o corte dos subsídios de férias e de Natal em 2012.